Oficial do Exército cerca e INVADE PREFEITURA para COBRAR MELHORES SALÁRIOS e atendimento Médico.
Essa semana novamente surgiram reclamações relacionadas a questão salarial dos militares. Muitos acham que é um absurdo que alguns militares possuam salários diferenciados, desvinculados dos demais membros das Forças Armadas. Dizem: _Se os militares são “UM SÓ CORPO”, deveriam compartilhar tanto as dificuldades quanto os benefícios.
Essa situação ocorrida ha alguns anos ilustra bem a empatia, compaixão, que um superior sente por seus subordinados.
“… Me ensinaram nas escolas militares que o militar zela pelas condições de vida digna dos seus comandados, tanto quanto pela manutenção da disciplina e dos deveres castrenses. Eu levei isso ao máximo, talvez além. Eu cometi o crime para chamar a atenção de uma situação injusta e hoje, sem medo de errar, negligente da época ...sobre a situação da família de um sub-tenente de Cascavel que havia falecido e deixado a viúva com quatro ou cinco filhos, e a família estava em petição de miséria. …”
22 de outubro de 1987. Horário: 10 horas. Cerca de 50 militares do 30º Batalhão de Infantaria Motorizado (BIMtz) desembarcam em quatro viaturas em frente à Prefeitura de Apucarana, a 60 quilômetros de Maringá, cercam o prédio e impedem a entrada e saída de pessoas. Na frente dos homens armados com fuzis e pistolas está o capitão Luiz Fernando Walther de Almeida, de 34 anos.
Comandando um grupo de soldados, ele invade o gabinete do prefeito e entrega ao assessor uma carta de protesto contra os salários baixos e deficiências no atendimento médico aos seus subordinados. A ação chocou o País, O “fantasma” da ditadura, ainda estava bem presente na memória da sociedade. Imprensa e lideranças políticas da época repudiam a atitude, mas tudo indica que o protesto surtiu efeito. Na mesma noite, o então presidente José Sarney anuncia, em rede nacional,reajuste de 25% para todos os militares do Exército, Marinha e Aeronáutica.
O comando do Exército, porém, diz que o aumento já estava programado.
Entrevista: Data: 26 de janeiro de 2004. Horário: 15 horas. Aos 50 anos de idade, Walther, tenente-coronel da reserva, atua como chefe de segurança do principal shopping do Rio de Janeiro, onde vive com a esposa e três filhos. Do escritório do shopping, fala por telefone sobre o episódio e, pela primeira vez, dá a sua versão sobre a história. Lembrando de todos os detalhes daquela manhã do dia 22 de outubro de 87, ele garante: estava certo. “Me ensinaram nas escolas militares que o militar zela pelas condições de vida digna dos seus comandados, tanto quanto pela manutenção da disciplina e dos deveres castrenses. Eu levei isso ao máximo, talvez além. Eu cometi o crime para chamar a atenção de uma situação injusta e hoje, sem medo de errar, negligente da época”, afirma.
Perguntado?
– Como surgiu a idéia de cercar a prefeitura e protestar contra os baixos salários da tropa?
Ele responder: Eu saí de uma reunião (no 30º BIMtz) em que foram lidos alguns documentos, um dos quais dizia que o hospital não atenderia mais os conveniados do Fusex (Fundo de Saúde do Exército) a partir do dia 31 de outubro, porque a contribuição estava muito defasada. Outro documento informava que nós teríamos que pagar a mudança dos uniformes, obrigatória naquele ano. Para ter uma idéia, uma jaqueta verde-oliva custava um terço do que ganhava líquido um terceiro-sargento. Foi lido nesse dia ainda sobre a situação da família de um sub-tenente de Cascavel que havia falecido e deixado a viúva com quatro ou cinco filhos, e a família estava em petição de miséria. É certo que o clima já era de insatisfação.
Havia alguns antecedentes, por exemplo, a mulher de um capitão que morava embaixo do meu apartamento teve uma fratura no braço ou na perna, e esse capitão não tinha dinheiro para bancar o atendimento. Os tenentes meus tinham bicicleta e não automóvel. Naquela manhã, quando saí do auditório e me dirigi a minha subunidade (1ª Companhia de Fuzileiros), me reuni com os quatro tenentes da companhia e comecei a falar com eles [sobre a situação]. Entrei num estado de desabafo, e eles ficaram quietos. Quando saíram da sala, disse ao último deles: toque a campainha de alarme. Aí ele tocou o alarme e eu mandei entrar em forma só com o equipamento leve [munição 762]. Ato contínuo, puxei uma folha de rascunho e escrevi o protesto de próprio punho em 20 segundos. Então, comecei a pensar o que faria. Três coisas me passaram pela cabeça: bloquear a rodovia em frente ao batalhão, fazer a operação em um meio de comunicação ou cercar a prefeitura. Nesse tempo que a tropa estava se preparando, eu tirei várias cópias do rascunho – já tinha decidido onde seria o protesto.
– Pensou em desistir em algum momento? Senti três frios na espinha. Primeiro, quando vi a tropa pronta e liguei a viatura; podia ter mandado desembarcar todo mundo. A segunda, quando ia sair do quartel, que poderia não ter saído e voltado. A terceira, quando peguei a estrada, que ainda dava para voltar, pois havia um retorno próximo ao quartel.
– E como foi ao chegar à prefeitura? Antes de sair, no quartel, os tenentes me perguntaram o que estava acontecendo, porque estranharam minha reação quando a tropa estava pronta no quartel. Disse que era um treinamento: defesa de ponto sensível. Eles perguntaram onde. Disse que não sabia. Então, o tenente subcomandante da companhia disse que o exercício estava errado, porque ele, como subcomandante, não podia sair sem saber para onde. Então, peguei uma folha de papel e esbocei para eles: aqui é a prefeitura, aqui a Câmara; o teu pelotão cerca por fora aqui; o teu por fora ali; o teu ocupa a prefeitura por dentro, as janelas; e o quarto pelotão, o de apoio [morteiro e metralhadora], não vai, porque vai ter uma tarefa especial: distribuir os panfletos [na imprensa]. E tudo aconteceu entre 9 e 10 horas da manhã. A ação durou de 10 a 15 minutos.
– E a reação dos funcionários da prefeitura? Todos dizem que eu chutei a porta do prefeito, mas não foi bem assim. Estava com a metralhadora cruzada no peito, no gabinete do prefeito, que é precedido por três entradas, frontal e duas laterais; e quando chegamos na frontal perguntei pelo prefeito, disseram que não estava; perguntei pelo chefe de gabinete, me mandaram para a direita; não tinha ninguém, voltei e fui para a esquerda, procurando o Zanoni [Ariovaldo Zanoni, chefe do gabinete], quando voltei na sala – você sob tensão faz coisas diferentes – em vez de bater com a porta, eu bati com o coturno embaixo. A minha intenção era chamar atenção das pessoas para abrir a porta. Realmente bati com o coturno debaixo da porta, mais forte do que com a mão em cima, mas não queria derrubar a porta. O Kaminski [Wilson Kaminski, assessor do prefeito] então disse que eu tinha enfiado o pé na porta, o que não era verdade.
– Como foi a volta ao quartel? Quando voltei, me despedi e desarmei a tropa, procedimento normal de exercício. Passei o comando ao tenente e, nesse momento, a tropa soube que fiz o protesto. Só então falei para os soldados, elogiei a conduta deles e disse que, junto com o exercício, tinha feito um protesto, e que seria severamente punido por isso. Até me lembro bem que falei que fiz aquilo por amor ao Exército. Dirigi-me ao major [subcomandante da unidade] e ele me prendeu porque saí da unidade sem autorização. A partir daí, fiquei preso. Deixei-me punir, porque assinei flagrante depois de 24 horas.
– Como foi a punição? A carreira foi muito afetada? Na carreira, a única coisa que afetou foi a não-promoção a coronel (fui para a reserva como tenente-coronel). Quanto à punição, fui a julgamento em Curitiba, na 5ª Circunscrição Judiciária Militar, tendo sido condenado a três anos de prisão. Daí, fui julgado no Superior Tribunal Militar, em Brasília, onde a pena caiu para oito meses. Então, acabei beneficiado por indulto natalino e cumpri apenas cinco meses de prisão.
Nesse período, fiquei deslocado da família por dois anos, porque o Exército cometeu vários abusos. Me transferiram para Curitiba – um capitão do Exército com três filhos pequenos, o mais velho com 10 anos -, e me fizeram deixar a família em Apucarana, sem clima para ela. Em 88, a minha mulher e os filhos foram morar em Ribeirão Preto (SP). Eu ainda voltei em 89 para Apucarana, porque me deixaram numa situação esquisita, esdrúxula; fiquei em Curitiba baseado como militar do 30º BIMtz, sem receber transferência, sem receber pela mudança. Fiquei lá à disposição da Justiça, deslocado.
– O reajuste concedido na época foi reflexo do protesto? Em uma entrevista à Folha (Folha de S. Paulo), o então ministro da Fazenda Bresser Pereira, demissionário do cargo, falou sobre esse aumento aos militares e disse que o reajuste foi um absurdo (a situação econômica do País não permitia). O Exército, por sua vez, disse que o aumento já estava garantido…
– Como o senhor avalia as conseqüências? Me ensinaram nas escolas militares que o militar zela pelas condições de vida digna dos seus comandados, tanto quanto pela manutenção da disciplina e dos deveres castrenses. Eu levei isso ao máximo, talvez além. Eu cometi o crime para chamar a atenção de uma situação injusta e hoje, sem medo de errar, negligente da época. Hoje sou tenente-coronel e sei muito bem o que aquele capitão fez e eu sabia que ele ia pagar por aquilo; eu digo que ele pagou o preço disso.
– O senhor faria de novo? [Hesitação] Olha, só digo que não tenho arrependimento. Já coragem para fazer [pausa], mas tive outras bravatas, na verdade, nunca deixei de ser aquele capitão, não. Eu nunca deixei de ser. É claro que a idade pesa. Até pouco tempo, essa história me emocionava muito, mas o hoje o tempo fez com que esse episódio fizesse parte da lembrança boa da minha vida. Hoje, sou conhecido por aquela atitude. Aquilo que fiz foi realmente ímpeto, coragem e ética, porque decidi contra mim o tempo todo, contra a minha família. O saldo foi positivo. Eu não dediquei ao Exército, apesar de ter dito aquilo naquela hora à tropa. Foi para quem eu comandava; eles sabem que fiz por eles. Quando lembro de certas coisas tenho certeza de que deveria ter feito. O meu subtenente, por exemplo. Ele servia numa cidade e a família noutra. A família estava em Curitiba. Nos 15 anos da filha dele – ele não esquece da festa da filha -, porque não tinha condições financeiras nem o Exército oferecia tratamento para corrigir os dentes da menina, que eram para a frente. Ele não tinha como resolver aquilo e sofria barbaridade por causa disso. Hoje, as coisas mudaram.
– O senhor acha que passou pela cabeça das pessoas e governantes da época o fantasma da ditadura? Não tive o menor apoio dos setores da esquerda local, como a própria Igreja, que me viram como filhote da ditadura e se equivocaram. Mas eu estava defendendo os interesses dos mais simples e não de nenhum graúdo. Embora os generais também ganhassem 25% de reajuste naquela noite, não foi neles que estava pensando. Estava pensando nos meus comandados, que não tinham dinheiro para cuidar dos dentes dos filhos. Nunca fui líder sindical (risos), mas acho que ninguém conseguiu um reajuste desses. Eles dizem que já tinham dado o reajuste, mas…
– A repercussão surpreendeu o senhor? Esse episódio aconteceu às 10 horas da manhã. Quando saí da prefeitura, o Kaminski ligou para o Scarpelini [Carlos Scarpelini, prefeito da época], que estava no gabinete do irmão [deputado José Domingos Scarpelini]. Um ligou para o governador Alvaro Dias e outro para um deputado federal do Paraná em Brasília. Esse parlamentar, então, foi ao Congresso, onde estava sendo discutida por deputados e senadores a Constituinte [aprovada em 88]; ele pediu a palavra na tribuna e disse: ‘senhores, eu acabo de tomar conhecimento que neste momento está havendo uma rebelião militar no Paraná, em Apucarana’.
Quando o presidente José Sarney soube, o serviço de informações do Exército ainda não sabia. O presidente ficou de 10h30 até às 14h30 sem saber o que estava acontecendo de fato. Ninguém sabia por quatro horas o que estava ocorrendo e isso é muita coisa! O presidente ficar por quatro horas sem saber o que estava acontecendo? Isso porque o ministro do Exército estava na China; meu comandante não estava, tinha viajado para Marechal Hermes (SC) para realizar reconhecimento da área onde ocorreriam manobras do Comando Militar do Sul.
Neste reconhecimento, estavam também o comandante do Comando Militar do Sul e o comandante da 5ª Brigada Militar, de Cascavel. Eles não tinham comunicação, pois estavam no meio do mato. Um avião então foi buscar o general do Comando. Enquanto os comandantes não falam, ninguém sabe o que acontece. O mais alto escalão do País, portanto, não sabia o que estava ocorrendo. Pode pesquisar: nesse dia estava prevista a posse de dois ministros, o que foi cancelado. Daí, às 20 horas, anuncia pelo Jornal Nacional o reajuste de 25% aos militares e dizem que o aumento já estava dado e que me precipitei, sei lá…
– O senhor encerrou a carreira como tenente-coronel. Isso não lhe frustrou? Eu poderia ter seguido. Eu fiz a Escola de Comando do Estado Maior do Exército, que prepara os generais. O problema é que não me reabilitei judicialmente. Achava que de alguma forma o Exército iria me reabilitar. Não tenho mágoa por isso. Eu não pedi reabilitação judicial, o que deveria ter feito dez anos atrás e só fiz no ano passado, quando não tinha tempo útil para reverter mais nada. Eu deixei o barco andar. Walther, na época: “Me viram como filhote da ditadura”.
Dados de: Entrev. Public. em Tribuna do Norte (2004) e republicada emjornalmateriaprima.jex.com.br/ Associação Nac. de pesquisa em Cienc.Sociais. Artigo:RELAÇÕES CIVIL-MILITARES NO 1º GOV. DA TRANSIÇÃO BRASIL. – Uma democracia tutelada (*) Jorge Zaverucha.
Fonte: https://www.sociedademilitar.com.br