5. Organização dos Sistemas Nacionais de Inteligência:Nas últimas três ou quatro décadas do século XX formaram-se sistemas governamentais de inteligência nos países mais importantes do mundo. Dotados de maior ou menor complexidade estrutural quando considerados de forma concreta, o desenho organizacional ideal-típico de tais sistemas envolve os seguintes componentes: alguma instância central de coordenação, uma ou mais agências principais de coleta de informações (normalmente imagens e sinais estão separados de humint e fontes ostensivas), alguma instância central de análise, unidades departamentais de análise com laços mais ou menos definidos com as organizações centrais de coleta de inteligência, poderosos subsistemas de inteligência de defesa e de segurança, algum órgão de formação e treinamento e, mais recentemente, órgãos mais ou menos colegiados para coordenação e instâncias de supervisão externa, seja no próprio poder executivo, no legislativo ou, mais raramente, no judiciário. Utilizando algumas variáveis muito genéricas, tais como o grau de centralização da autoridade sobre as unidades do sistema, o grau de integração analítica da inteligência disseminada para os usuários, a maior ou menor separação entre as funções de inteligência e de policymaking, além da efetividade dos mecanismos de accountability no poder executivo e no legislativo, seria o caso de se fazer comparações internacionais mais amplas para se tentar obter uma posição relativa dos casos analisados entre si e em relação ao desenho organizacional ideal-típico. Infelizmente, esse é um desafio que está além dos limites desse trabalho.[62] Apenas como indicação polêmica para tratamento posterior, me parece que há pelo menos três tipos básicos de sistemas nacionais de inteligência: 1) um modelo “anglo-saxão”, caracterizado por alta centralização da autoridade sobre as unidades do sistema, alto grau de integração analítica, média separação entre inteligência e política, além de média efetividade dos mecanismos de accountability e supervisão. Nesse modelo poderiam ser incluídos os sistemas nacionais de inteligência e segurança de países como Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e, com muitos cuidados, Índia e África do Sul. 2) Um modelo “europeu continental”, caracterizado por média centralização da autoridade sobre as unidades do sistema, média integração analítica dos produtos de intel, alto envolvimento da atividade de inteligência com as instâncias de policymaking e, finalmente, uma baixa efetividade dos mecanismos de accountability e supervisão (oversight). Nesse modelo poderiam ser incluídos os sistemas nacionais de inteligência e segurança de países como França, Alemanha, Rússia, Polônia, Itália e, com muitos cuidados, Brasil e Argentina. 3) Um modelo “asiático”, caracterizado por baixa centralização da autoridade sobre as unidades do sistema, alta integração analítica dos produtos de intel, médio envolvimento da atividade de inteligência com as instâncias de policymaking e, de forma ainda mais pronunciada do que no tipo “europeu continental”, uma baixa efetividade dos mecanismos de accountability e supervisão. Nesse modelo poderiam ser incluídos os sistemas nacionais de inteligência e segurança de países como China, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Coréia do Norte e, com muitos cuidados, Indonésia e Vietnã. Obviamente, há uma grande dose de arbitrariedade e improriedade nessa caracterização grosseira. Repito aqui as ressalvas que fiz em nota à Introdução do trabalho: A forma mais corriqueira de classificação encontrada na literatura ainda consiste na dicotomia entre um modelo descentralizado com supervisão congressual (Estados Unidos) e um modelo centralizado sem controles públicos (União Soviética). Dada a evidente função ideológica dessa dicotomia, a classificação aqui proposta me parece claramente superior. Uma taxonomia mais refinada foi utilizada por Michael Herman (1996:04), na qual o autor inglês elabora um tipo ideal a partir da abstração de traços organizacionais e operacionais observados na experiência anglo-saxã, para em seguida analisar como as regularidades se aplicam aos diversos sistemas nacionais a partir de círculos concêntricos: mais intensamente no núcleo anglo-saxão, medianamente no caso da Europa ocidental e Israel e de forma bastante fraca no caso dos países comunistas e ex-comunistas. Embora o trabalho de Herman tenha o mérito de ser a melhor obra disponível sobre problemas teóricos da área de inteligência, seu teste dos “círculos concêntricos” não chega a ser realizado. Certo, tampouco há aqui qualquer teste efetivo da classificação triádica (anglo-saxão, europeu continental e asiático), mas a prefiro pois a formulação de Herman parece ser um refinamento que não rompe no essencial com a dicotomia liberal da Guerra Fria. Particularmente problemático na classificação aqui proposta é sua dificuldade em livrar-se da referência geográfica que tende a ser bastante enganadora: o Paquistão e a Índia ficam na Ásia, mas seus aparatos de inteligência são bastante diferentes entre si. Além disso, o Paquistão é o principal aliado dos Estados Unidos na Ásia central e no subcontinente indiano, mas é a Índia que adota mais claramente o modelo anglo-saxão em seu sistema de inteligência. O caso de Israel, caracterizado por baixa centralização da autoridade sobre as unidades do sistema, baixa integração analítica dos produtos de intel das várias agências, baixo envolvimento da atividade de inteligência com as instâncias de policymaking, alta responsividade das unidades do sistema aos governantes e média efetividade dos mecanismos de accountability e controle externo, é inclassificável nos três modelos disponíveis. Da mesma forma, uma virtual categoria de “outros” ficaria ainda com dezenas de países do Mahgreb/Machrek, países latino-americanos, africanos, asiáticos e da Europa Oriental. Enfim, há uma enorme tarefa de pesquisa pela frente nessa área para quem puder realizar estudos comparativos adicionais. Mesmo com essas evidentes dificuldades, adoto provisoriamente a classificação triádica a partir da constatação preliminar de que a estrutura organizacional e os procedimentos operacionais dos serviços de inteligência japoneses e chineses se parecem mais entre si do que o sistema japonês se parece com o anglo-americano ou que o sistema chinês se parece com o soviético-russo. De todo modo, assim como no caso das capacidades militares, em termos de recursos de inteligência há que se observar a enorme disparidade entre os casos norte-americano e russo e todos os demais sistemas nacionais de inteligência.[63] O papel da escala de operações e dos volumes de recursos disponíveis, destacado na abordagem de Bayley sobre os sistemas policiais, pode ser melhor visualizado através do contraste entre dois sistemas nacionais de inteligência pertencentes a um mesmo “modelo anglo-saxão”: Estados Unidos e Grã-Bretanha. As descrições sumárias desses dois casos encerram essa seção. Não ignoro as diferenças constitucionais e os diferentes contextos institucionais que influenciaram tão decisivamente a configuração dos sistemas de inteligência na monarquia parlamentarista inglesa e na república federativa e presidencialista norte-americana. Mas o foco aqui será apenas a apresentação direta de cada caso, destacando sempre que possível o volume de gastos e o número de funcionários empregados, pois constituem um indicador razoável da capacidade dos governos em uma determinada área. Mesmo isso, no entanto, esbarra no segredo que cerca a área de inteligência, pois não é possível uma qualificação mais precisa do perfil dos gastos dentro de cada programa ou agência, assim como da composição interna da força de trabalho empregada. Mesmo com tantas restrições, espera-se que a apresentação sumária dos dois casos ajude o leitor a ter uma idéia mais concreta do que são sistemas nacionais de inteligência e da variedade de configurações possíveis.[64]
5.1. Estados UnidosNos Estados Unidos, a U.S. Intelligence Community (IC) abrange quatorze organizações principais, além das instâncias de coordenação ligadas ao diretor central de inteligência (DCI).[65] O Director of Central Intelligence (DCI) ocupa legalmente o vértice do “sistema” e desempenha três papéis principais: coordena a IC, subordina a CIA e assessora o Presidente e o Conselho de Segurança Nacional na área de inteligência. O DCI possui dois adjuntos, um para a direção da CIA e, desde 1996, outro para o gerenciamento da comunidade. Estão ligadas também ao DCI quatro instâncias colegiadas superiores da IC: o National Intelligence Council (NIC), o National Foreign Intelligence Board (NFIB), o Intelligence Community’s Executive Committee (IC/EXCOM) e o Community Management Staff (CMS). Pode-se dizer que o NIC e o NFIB dão suporte ao DCI no seu papel de principal assessor governamental de inteligência, enquanto o CMS e o EXCOM apóiam o DCI na sua função gerencial de coordenador do sistema. A principal componente da IC é formada por quatro agências nacionais de coleta de informações externas (foreign intelligence). Através do seu diretório de operações, a Central Intelligence Agency (CIA) é o principal serviço de espionagem, operações encobertas e humint. Na área de sigint e segurança de informações encontra-se a maior agência de inteligência do governo norte-americano, a National Security Agency (NSA). Por sua vez, a área de imint passou a ser coordenada por uma nova agência criada em 1996, a National Imagery and Mapping Agency (NIMA). A quarta e mais cara agência nacional é o National Reconnaissance Office (NRO), responsável pelo desenvolvimento e aquisição de satélites de sigint, imint e outras plataformas e sistemas especializados para uso das forças armadas e das agências nacionais de coleta. A instância nacional para o trabalho de análise e produção de inteligência para o governo norte-americano é o diretório de inteligência (análise) da CIA. Relatórios anuais sobre temas e áreas vitais (estimates) são produzidos colegiadamente no National Intelligence Council(NIC) dirigido pelo DCI. No âmbito “ministerial”, o trabalho de análise é feito por escritórios de inteligência nos departamentos de Defesa, Estado, Tesouro, Justiça, Energia, Comércio e Transportes. Esses escritórios participam das instâncias colegiadas da IC e respondem administrativamente aos titulares dos órgãos aos quais eles servem. O caso do Departamento de Defesa necessita um comentário adicional. Além de subordinar três das quatro agências nacionais de inteligência (NIMA, NSA e NRO), o Pentágono conta ainda com a Defense Intelligence Agency (DIA) e seu diretório de operações, o Defense Humint Service (DHS), com o Defense Airborne Reconnaissance Office (DARO), com a Defense Threat Reduction Agency (DTRA), a Defense Information Systems Agency (DISA) e o Defense Security Service (DSS). Todas essas são consideradas agências de suporte ao combate, mas enquanto a DIA e o DARO têm missões primárias na área de inteligência, a DTRA, a DISA e o DSS têm suas missões primárias na área de segurança. Além dessas organizações centrais do departamento de Defesa, o subsistema militar de inteligência é formado ainda pelo Army Intelligence and Security Command (INSCOM) do exército, pelo Office of Naval Intelligence (ONI) e peloNaval Security Group Command (NSGC) da marinha, pela Air Intelligence Agency (AIA) da aeronáutica e a Marine Corps Intelligence Activity (MCIA) dos fuzileiros navais. Capacidades orgânicas são também articuladas em torno dos Joint Intelligence Centers (JIC’s) dos nove comandos centrais unificados (Atlântico, Central, Europeu, Pacífico, Sul, Espaço, Operações Especiais, Estratégico, Transportes), além de instituições de treinamento e formação acadêmica (a nível de graduação e mestrado) em inteligência, tais como o Joint Military Intelligence College (JMIC), aNational Defense University (NDU) e a Naval Post-Graduate School (NPS). A principal agência norte-americana nas áreas de contra-inteligência e de inteligência de segurança é o Federal Bureau of Investigation (FBI), através de sua divisão de segurança nacional. As forças armadas, a guarda costeira e o secretário de defesa possuem suas próprias organizações de segurança e contra-inteligência. No âmbito do Departamento de Justiça e dos departamentos de polícia estaduais e locais já foi mencionada acima a formação de um subsistema de inteligência policial. Finalmente, a supervisão e o controle externos sobre a IC são exercidos pela presidência do país, através do Presidential Foreign Intelligence Advisory Board (PFIAB), pelos comitês de inteligência do Senado (Senate Select Committee on Intelligence – SSCI) e da Câmara (House Permanent Select Committee on Intelligence – HPSCI) e, muito indiretamente, pela mídia e o público. Em termos orçamentários e de recursos humanos, os gastos com inteligência dos Estados Unidos representaram 1,6% do orçamento federal no ano fiscal de 1999. Mas essa porcentagem representa valor absolutos realmente muito grandes para qualquer parâmetro internacional. O agregado orçamentário das atividades de inteligência norte-americanas foi oficialmente reconhecido no final de 1997, quando o Congresso aprovou 26,7 bilhões de dólares para o ano fiscal de 1998. Na estimativa da Federation of American Scientists (FAS), a IC custou aos contribuintes norte-americanos cerca de 29,4 bilhões de dólares em 1996, distribuídos em três programas principais: o National Foreign Intelligence Program (NFIP), o Joint Military Intelligence Program (JMIP) e o Tactical Intelligence and Related Activities (TIARA). Com exceção de 3,2 bilhões de dólares para a CIA e de 700 milhões para a inteligência das demais agências civis (FBI, Justice, State, Energy, Treasury, Commerce etc.), ambas as cifras fazendo parte do NFIP, o restante todo seriam fundos executados e controlados pelo Departamento de Defesa. Ou seja, o Pentágono controla cerca de 75% das verbas do NFIP, 100% do JMIP e 100% do TIARA.[66] Assumindo uma margem de erro de 5% na estimativa de 1996, a FAS estimava os orçamentos e o pessoal de algumas agências mais importantes naquele ano de referência da seguinte forma: escritório do DCI (278 funcionários e custo de 100 milhões); CIA (16.000 funcionários e 3,1 bilhões); DIA (8.500 funcionários e 850 milhões); NRO (1.700 funcionários e 6,2 bilhões de orçamento); NSA (21.000 funcionários e 3,6 bilhões); INSCOM (13.000 efetivos e custo de um bilhão); ONI (16.000 efetivos e 1,2 bilhão); AIA (15.000 efetivos e 1,5 bilhão); NIMA (9.000 funcionários e 1,2 bilhão), DSS (3.000 funcionários e 350 milhões); FBI (2.500 quadros na National Security Division, com 500 milhões de orçamento); INR (300 funcionários e custo de 20 milhões) e DEA (1.000 agentes e 250 milhões). Em resumo, nos Estados Unidos o Pentágono controla mais de 85% de todos os recursos humanos, organizacionais e financeiros da área de inteligência. O orçamento de inteligência nos Estados Unidos é maior do que o orçamento consolidado de defesa de um país como a França. Por isso, em futuras comparações internacionais é preciso considerar a escala operacional e o grau de complexidade organizacional dos sistemas nacionais como variáveis decisivas.
5.2. Grã-BretanhaNa Grã-Bretanha, a UK Central Intelligence Machinery (CIM) é formada por três serviços de inteligência principais, além das instâncias de coordenação no gabinete ministerial e de outros órgãos departamentais.[67] Também ligado ao secretário do gabinete existe a figura de um Intelligence Coordinator, que preside o Joint Intelligence Committee (JIC). É no âmbito do JIC que se dá o planejamento interdepartamental das operações de inteligência, a ligação com as agências de inteligência do exterior e, principalmente, a integração analítica e a produção final de relatórios de inteligência para as instâncias governamentais usuárias. O JIC possui um pequeno núcleo de análise central (assessments staff) e grupos interdepartamentais de análise organizados que funcionam como equivalentes britânicos do NIC para o trabalho analítico. Não há no caso britânico uma organização similar ao diretório de análise da CIA. Isoladamente, os principais corpos analíticos para assuntos de segurança nacional do governo britânico são o Defense Intelligence Staff (DIS) do Ministério da Defesa e o Research and Analysis Department do Ministério das Relações Exteriores e Comunidade Britânica (FCO). A inteligência de imagens é coletada por unidades militares e a produção e análise são feitas pelo Joint Air Reconnaissance Intelligence Center (JARIC). O JARIC é subordinado ao DIS e ao estado-maior conjunto das forças armadas, mas é a principal organização especializada em imint no governo britânico. A inteligência de sinais é coletada e processada pelo Government Communications Headquarters (GCHQ), a organização nacional de sigint subordinada ao secretário do FCO. A organização nacional de humint é o Secret Intelligence Service (SIS), que também passou a ser subordinado ao FCO desde 1994. O Security Service (MI-5) é a principal organização de inteligência de segurança e de contra-inteligência, subordinada administrativamente ao Ministério do Interior (Home Office). O RUC e os special branches das polícias também atuam nessa área, mas não fazem parte formal do CIM. Na área de criptografia e segurança de comunicações e computação, a principal agência britânica é o próprio GCHQ, através do seu Communications Eletronics Security Group. No caso britânico, a supervisão e a coordenação do CIM são feitas pelo Primeiro-Ministro, através do Ministerial Committee on Intelligence Services (CIS), pelo Secretário do Gabinete, através do Permanent Secretaries’ Committee on the Intelligence Services (PSIS), e, desde 1994, pelo Intelligence and Security Committee formado por parlamentares da Câmara dos Comuns e da Câmara dos Lordes. Além de se tratar de um comitê conjunto, a outra diferença do comitê parlamentar britânico em relação aos comitês norte-americanos é que seus membros são indicados pelo Primeiro-Ministro, após consultar o líder da oposição. Na Grã-Bretanha, o orçamento oficial de inteligência aprovado para o ano fiscal de 1999 foi de 706 milhões de libras esterlinas.[68] Diferentemente do agregado orçamentário norte-americano, esse total refere-se apenas ao orçamento das três agências principais de inteligência (SIS, GCHQ e MI-5). Em 1994, o mesmo orçamento foi de 974,5 milhões de libras. A acentuada redução nos últimos anos reflete um redimensionamento das operações e do pessoal, mas principalmente a conclusão de algumas obras e prédios que estavam em construção, especialmente o novo quartel-general do SIS. Por outro lado, há muitos gastos que nos Estados Unidos são apropriados como parte do orçamento de inteligência e que não o são na Grã-Bretanha. O serviço de monitoramento da mídia internacional da BBC, por exemplo, custa cerca de 18 milhões de libras ao ano. O equivalente desse serviço nos Estados Unidos é feito peloForeign Broadcast Information Service (FBIS), um serviço do Diretório de Ciência e Tecnologia (DS&T) da CIA. Ainda que se leve isso em conta, os gastos britânicos com inteligência são muito menores que os norte-americanos, tanto em termos absolutos como percentualmente em relação aos gastos com defesa. As três agências principais do CIM têm juntas cerca de 10.500 funcionários, sendo 2.000 do SIS, 2.000 do MI-5 e cerca de 6.500 do GCHQ. Além dos funcionários diretamente contratados pelo GCHQ, a agência tem controle operacional sobre cerca de 3.000 militares de unidades envolvidas em operações de sigint. O número total de quadros dos special branches das 52 forças policiais e constabulares britânicas chegava a 2.300 efetivos em 1994, mas não há dados consolidados sobre seu custo anual. Para o mesmo ano de referência, estima-se que os gastos britânicos com inteligência militar tenham sido de 190 milhões de libras. Esse valor inclui o DIS e o JARIC, mas provavelmente não inclui os programas táticos semelhantes ao TIARA norte-americano. Somados os gastos militares e civis oficialmente reconhecidos, o orçamento britânico de inteligência estaria em torno de um bilhão de libras, situando-se um pouco acima da média internacional em termos de gastos com inteligência e muito abaixo dos gastos norte-americanos. A despeito de diferenças de escala, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha são exemplos da tendência mais geral de formação de sistemas de inteligência bastante complexos do ponto de vista organizacional e bastante diferenciados do ponto de vista funcional. Na seção final serão tecidas algumas considerações finais sobre os impactos dessa complexidade organizacional para o desafio institucional da agilidade. 6. Conclusão: a agilidade como dilemaEm muitos países democráticos, os gastos públicos com os serviços de inteligência atualmente superam os gastos com representação diplomática. Por outro lado, os gastos com policiamento, defesa nacional ou ajuda internacional são bastante superiores aos gastos com inteligência. Isso indica que a inteligência segue sendo uma atividade “subsidiária”.Ainda assim, o peso institucional desses sistemas nos arranjos de política externa, defesa nacional e provimento de ordem pública não pode mais ser ignorado.[69] Como foi discutido nesse trabalho, as características organizacionais dos sistemas de inteligência resultam de processos específicos de construção de soluções para os desafios da área de segurança nacional. As políticas públicas nessas áreas relacionadas com a segurança nacional têm caráter menos distributivo do que em outras áreas de atuação de burocracias governamentais e os issues principais dizem respeito, em tese, a bens públicos. Os grupos de interesse na sociedade são mais recentes e relativamente mais fracos do que em outras áreas (como negócios ou habitação, por exemplo). A informação sobre a atuação das agências governamentais de segurança nacional é menos disseminada em função das restrições de segurança e segredo. Além disso, essa é uma área onde historicamente predomina o poder executivo, com um envolvimento mais baixo e menos ativista do poder legislativo. Finalmente, as áreas de jurisdição e os temas de segurança nacional são interrelacionados e as burocracias envolvidas (e.g. forças armadas, diplomacia, polícias e órgãos de inteligência) são mutuamente dependentes, muito mais do que as burocracias voltadas para temas domésticos, onde há menos justaposição de funções e atribuições. Todos esses fatores conjugam-se para baixar os incentivos que os parlamentares teriam para envolver-se no desenho e na supervisão das agências de segurança nacional. Dadas essas especificidades das agências de segurança nacional, Amy Zegart (1999) propõe duas teses úteis para o estudo dos processos de institucionalização de serviços de inteligência. Por sua própria natureza, as burocracias da área de segurança nacional tenderiam a ser criadas por iniciativa do poder executivo (com um papel secundário e sempre relutante do parlamento), seu desenho institucional refletiria as disputas entre as burocracias de segurança nacional e os interesses da equipe presidencial, com o Congresso exercendo um tipo de supervisão pouco sistemático e efetivo. Mas, se o poder executivo tem papel predominante na decisão de criar organizações de inteligência e se essas organizações respondem primordialmente aos governantes e não ao público ou seus representantes parlamentares, por que o desenho organizacional e o padrão evolutivo dos sistemas de inteligência dificultam uma resposta ágil às necessidades dos governantes, policymakers e comandantes militares? A segunda tese proposta por Zegart fornece uma primeira indicação para esse aparente paradoxo: as escolhas estruturais feitas no nascimento de um órgão de segurança nacional tenderiam a durar no tempo e só muito lentamente essas estruturas seriam alteradas pela mudança nos interesses correntes dos principais atores (stakeholders) e por eventos externos. O argumento da autora, resumidamente, descreve um clássico problema de relacionamento entre principal e agent: Governantes eleitos (principals, ou “mandantes”) sofrem severos constrangimentos de tempo, conhecimento e controle sobre suas agendas políticas, e precisam realizar seus objetivos políticos contando com maiorias congressuais e apoio da opinião pública que são difíceis de serem adquiridos e que não podem ser arriscados com disputas sobre coisas como o melhor desenho organizacional para uma agência burocrática qualquer. Agências de segurança nacional (agents, ou “agentes”) têm conhecimento especializado sobre áreas de “vida e morte” para o país, têm agendas mais delimitadas do que as dos governantes e têm fortes incentivos para participarem ativamente do desenho organizacional e da definição das missões prioritárias dessas agências do setor. Em sistemas altamente complexos e com cadeias de comando cruzadas como a área de inteligência, isso impõe problemas de coordenação que limitam severamente a agilidade das respostas aos requerimentos de diferentes usuários (principals), desde os chefes de Estado e de governo até os policymakers e comandantes militares. Como o grau de interdependência burocrática na área de segurança nacional é maior, segundo Zegart, as disputas sobre jurisdição acrescentam mais uma dificuldade. Para James Q. Wilson (1989:179-195), a busca por autonomia (entendida mais como jurisdição não disputada sobre missões específicas e menos como liberdade para agir sem controles externos) é vital para qualquer organização governamental. Isso ocorre porque ganhos de autonomia diminuem os custos da manutenção organizacional na medida em que minimizam o número de atores externos interessados e os rivais burocráticos e, também, na medida em que isso maximiza as chances da organização desenvolver um senso de missão mais coeso. Nesse sentido, a busca por autonomia tende a ser um objetivo tão ou mais importante para os dirigentes burocráticos do que a absorção de novas tarefas ou a obtenção de maiores orçamentos, justamente porque a autonomia define os custos da aquisição e de uso dos recursos.[70] No caso das forças armadas, corpos diplomáticos, agências policiais e serviços de inteligência, é justamente a semelhança de muitas de suas tarefas informacionais e coercitivas que tende a tornar os conflitos por autonomia particularmente agudos e persistentes ao longo do processo de institucionalização, impondo sérios custos de coordenação que limitam a capacidade de qualquer serviço de inteligência ser ágil.[71] Diferentes sistemas nacionais de inteligência são mais ou menos institucionalizados, mais ou menos adaptáveis, complexos, autônomos e coerentes. Em síntese, mais ou menos ágeis. Como seu desempenho diferenciado tem conseqüências para a segurança nacional, seria preciso discutir ainda a questão dos possíveis efeitos de uma precária supervisão congressual para o desempenho dos serviços de inteligência e, de modo geral, para o segundo desafio associado à institucionalização: o desafio da compatibilização desses sistemas nacionais de inteligência com o princípio da transparência, mas isso será feito em outro trabalho específico sobre o tema dos controles externos.
Notas:
[1] Esse texto, com ligeiras modificações, corresponde ao capítulo 2 de minha tese doutoral, intitulada “Serviços de Inteligência: agilidade e transparência como dilemas de institucionalização”, defendida e aprovada junto ao IUPERJ em 2001. A pesquisa que deu origem a esse trabalho foi financiada pela CAPES e pelo CNPq. [2]Sim, creio que ainda hoje há um núcleo coercitivo nos Estados contemporâneos que garante os atributos centrais da soberania, sendo essa definida weberianamente enquanto autoridade exclusiva sobre um território e uma população; o fundamento último dessa autoridade repousa tanto sobre a legitimidade quanto sobre a posse concentrada de meios de força (forças armadas e polícias) e o monopólio da representação nacional no exterior (diplomacia). Os serviços de inteligência são organizações complementares para o exercício dessa capacidade coercitiva. A crescente complexidade do Estado moderno não autoriza a conclusão despropositada de Adam Przeworski, no de resto útil Estado e Economia no Capitalismo (1995), onde o autor afirma que o “Estado é um sistema complexo sem um centro fixo de coesão” e cita uma afirmação ainda mais tola de Philippe Schmitter, segundo a qual o Estado capitalista contemporâneo constituiria “um complexo amorfo de órgãos governamentais com fronteiras muito mal definidas, desempenhando uma grande variedade de funções não muito diferenciadas”. Cf. PRZEWORSKI (1995: 86). O Estado não é o “centro” da sociedade como pretende a literatura estatista criticada corretamente, dentre outros, por Charles Tilly (1992) e por Adam Przeworski (1990), mas disso não segue que esse sistema complexo não tenha um centro coesionador, um núcleo duro econômico e militar. Obviamente o Estado não é apenas isso, como aliás se pode verificar lendo o artigo de: THOMSON, Janice E. (1995). “State Sovereignty in International Relations: Bridging the Gap Between Theory and Empirical Research”. In: International Studies Quarterly (1995) # 39, pp. 213-233. [3] Para uma abordagem das instituições como variáveis independentes ou dependentes, ver os capítulos sobre o Novo Institucionalismo em: GOODIN, Robert E. and KLINGEMANN, Hans-Dieter. (1996). A New Handbook of Political Science. Oxford-UK, Oxford University Press, 2000. Para uma discussão clássica sobre informações e expertise como recursos diferenciais que os burocratas têm para influenciar a política, cf.: WEBER, Max. (1918). Parlamento e Governo na Alemanha Reordenada. Petrópolis, Vozes, 1993. Ver principalmente os capítulos II (“Domínio dos Burocratas e Liderança Política”) e IV (“A Direção Burocrática na Política Externa”). [4] A distinção entre organizações e instituições é fonte de confusão e polêmica na literatura especializada. Alguns autores preferem simplesmente deixar que o leitor escolha um entendimento tácito qualquer do que sejam instituições, o que impede qualquer operacionalização conceitual e testes heurísticos. Esta foi a posição adotada por Fernando Limongi em conhecida resenha publicada há alguns anos: LIMONGI, Fernando (1994). “O Novo Institucionalismo e os Estudos Legislativos: A literatura norte-americana recente”. In: BIB – Boletim de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais. Número 37, 10 semestre 1994, pp. 03-38. Prefiro, para ser consistente com o ponto de partida adotado na Introdução, considerar como instituições simplesmente aquelas organizações e/ou procedimentos formais e informais que adquiriram valor e estabilidade para os atores envolvidos nas interações. Cf. HUNTINGTON (1968:25-36) e GOODIN (1996:21). Devo registrar, porém, a formulação influente de Douglass North sobre o tema. Para North, em Institutions, Institutional Change and Economic Performance (1990), as organizações seriam os jogadores, enquanto as instituições seriam as regras do jogo (formais e informais). A explicação da mudança institucional seria obtida observando-se a interação ao longo do tempo entre escolhas organizacionais e diferentes conjuntos de constrangimentos institucionais. Vale aqui uma citação extensa desse autor: “Institutions are the rules of the game in a society or, more formally, are the humanly devised constraints that shape human interaction. (…). In the jargon of the economist, institutions define and limit the set of choices of individuals. (…) Like institutions, organizations provide a structure to human interaction. Indeed when we examine the costs that arise as a consequence of the institutional framework we see they are a result not only of that framework, but also of the organizations that have developed in consequence of that framework. Conceptually, what must be clearly differentiated are the rules from the players. (…) Organizations include political bodies (political parties, the Senate, a city council, a regulatory agency), economic bodies (firms, trade unions, family farms, cooperatives), social bodies (churches, clubs, athletic associations), and educational bodies (schools, universities, vocational training centers). They are groups of individuals bound by some common purpose to achieve objectives. Modeling organizations is analyzing governance structures, skills, and how learning by doing will determine the organization‘s success over time. Both what organizations come into existence and how they evolve are fundamentally influenced by the institutional framework. In turn they influence how the institutional framework evolves”. NORTH (1990:03-05). Por outro lado, em Peças e Engrenagens das Ciências Sociais (1989), Jon Elster propõe uma distinção entre instituições e normas sociais que poderia ser complementar a de North: “Para esse propósito, uma instituição pode ser definida como um mecanismo de imposição de regras. As regras governam o comportamento de um grupo bem definido de pessoas, por meio de sanções externas, informais, e com regras internalizadas. Um policial pode multar-me se eu jogar lixo no parque. Se não houver policial nas imediações, outras pessoas podem olhar-me ferozmente. Se não houver outras pessoas nas imediações, minha própria consciência pode ser impedimento suficiente. As instituições podem ser privadas ou públicas, dependendo da natureza das sanções” ELSTER (1994:174). À diferença das vertentes históricas e sociológicas de análise das instituições, a posição de Jon Elster é radicalmente individualista do ponto de vista metodológico: “Estive dizendo que as instituições ‘fazem’ ou ‘pretendem’ isso ou aquilo, mas falando estritamente, isso é bobagem. Apenas indivíduos podem agir e pretender. Se pensarmos em instituições como indivíduos em grande escala e esquecermos que as instituições são compostas de indivíduos com interesses divergentes, podemos ficar irremediavelmente perdidos. As noções, particularmente, de ‘vontade popular’, o ‘interesse nacional’ e o ‘planejamento social’ devem sua existência a essa confusão” ELSTER (1994:182). Esse é um alerta que deve ser levado em conta para que se evite a reificação dos objetos de pesquisa, embora também seja necessário salientar que organizações como partidos, Estados e, no caso em tela, serviços de inteligência, são atores coletivos irredutíveis à mera soma de suas partes individuais. Para uma reavaliação do tema no contexto da Sociologia, ver PRATES, Antônio Augusto (2000). “Organização e Instituição no Novo Institucionalismo”. In: Teoria & Sociedade, # 05, junho de 2000, páginas 123-146. Para uma crítica sociológica da ‘ambigüidade moral’ envolvida na distinção entre normas, instituições e organizações, ver: PERROW, Charles (1972). Complex Organizations: A Critical Essay. San Francisco-CA, McGraw-Hill, 1986. 3a edição, páginas 157-177. [5] Para uma revisão da agenda de pesquisa sobre os atributos da soberania, ver: THOMSON (1995: 213-233). Sobre o papel da coerção e da informação na formação dos Estados nacionais, ver: GIDDENS, Anthony. (1987). The Nation-State and Violence. Berkeley and Los Angeles, University of California Press, 1987. Na verdade, a literatura relevante sobre o Estado é imensurável, mas vale mencionar alguns outros trabalhos que oferecem sólidos pontos de partida. Sobre a evolução do Estado moderno, ver: STRAYER, Joseph (1970). On the Medieval Origins of the Modern State. Princeton-NJ, Princeton University Press, 1970. E também: POGGI, Gianfranco. (1978). A Evolução do Estado Moderno: Uma Introdução Sociológica. Rio de Janeiro, Zahar, 1981. Para a relação entre capitalismo e sistema de Estados a partir do conceito de “ciclos sistêmicos de acumulação”, ver: ARRIGHI, Giovanni. (1994). O Longo Século XX: Dinheiro, Poder e as Origens de Nosso Tempo. São Paulo, Unesp, 1996. Para uma exposição didática de teorias sobre o Estado contemporâneo, ver: DUNLEAVY, Patrick & O’LEARY, Brendam. (1987). Theories of the State: The Politics of Liberal Democracies. London, MacMillan Press, 1987. Para um balanço das teorias marxistas do Estado, ver: JESSOP, B. (1990). State Theory: Putting Capitalist States in their Place. Cambridge, Polity Press, 1990. Finalmente, vale confrontar ainda a revisão crítica das teorias do Estado feita por: PRZEWORSKI, Adam. (1990). Estado & Economia no Capitalismo. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1995. [6] O trabalho mais recente de Tilly mantém a ênfase explicativa “centrada no Estado” no que diz respeito à direção da causalidade, mas se fortalece analiticamente ao reintegrar de forma mais sistemática no modelo a dinâmica internacional, a economia e os resultados contingentes de conflitos sociais. Ver: TILLY, Charles (1992). Coerção, Capital e Estados Europeus: 990-1992. São Paulo, EdUSP, 1996. Versões anteriores menos desenvolvidas do modelo encontram-se em: TILLY, Charles (1985). “War Making and State Making as Organized Crime”. In: EVANS, Peter B., RUESCHEMEYER, Dietrich & SKOCPOL, Theda [orgs.]. (1985). Bringing the State Back In. Cambridge-UK, Cambridge University Press, 1985. Pages 169-191. Ver ainda o trabalho anterior já mencionado: TILLY (1975:601-638). Para um contraponto crítico à abordagem recente de Charles Tilly, ver: SPRUYT, Hendrik (1996). The Sovereign State and Its Competitors. 2ª edição. Princeton-NJ, Princeton University Press, 1996. [7] Ao cabo, o argumento de Tilly também é tautológico, não obstante sua tentativa explícita de evitar isso através de uma explicação de tipo genético-estratégico: sabemos que o Estado capitalista foi mais adaptativo e poderoso porque ele venceu os modelos concorrentes, e ele venceu os modelos de “intensa coerção” porque foi mais adaptativo e fundamentou-se em coalizões sociais mais poderosas. Para uma explicação macro-histórica sobre a dupla dinâmica formativa do mundo moderno (sistema de Estados e modo de produção capitalista), ver ARRIGHI (1994). [8] Robert Goodin (1996) menciona uma variante diferente de explicação evolutiva sobre a gênese e desenvolvimento de instituições. Além dos mecanismos de seleção, ele usa a idéia “hegeliana” de contradição dialética como um mecanismo que força por si mesmo, independente da vontade dos atores, a evolução. Segundo o autor, a tensão entre uma Constituição que proclama os homens livres e iguais nos Estados Unidos e a instituição da escravidão, por exemplo, geraria inevitavelmente um momentum próprio de resolução da contradição, no caso, a Guerra Civil. Na situação aqui analisada dos serviços de inteligência, a tensão entre agilidade e transparência levaria, dependendo da profundidade da contradição entre os dois valores, a uma resolução sintética pela negação e destruição de um dos dois termos. Para uma crítica dessa linha de raciocínio ver, além do próprio Goodin que adota a perspectiva intencional/acional como central para uma teoria do desenho institucional, o texto de: PETTIT, Philip (1996).”Institutional Design and Rational Choice”. In: GOODIN, Robert E. [ed.]. (1996).The Theory of Institutional Design. Cambridge-UK, Cambridge University Press, 1996. Pages 54-89. [9] Como se concebe a origem das instituições é um dos critérios utilizados para se distinguir as abordagens histórico-sociológicas da vertente da “escolha racional” (rational choice) no chamado novo-institucionalismo. Esse critério é complementar àquele que postula o caráter endógeno ou exógeno (em relação às interações políticas…) da formação das preferências dos atores. O que o caso dos serviços de inteligência na Europa moderna parece implicar é que ambos os critérios são falhos (assim como a própria separação entre explicação sociológica e econômica…), na medida em que tais serviços responderiam a imperativos estratégicos e a regras de adequação ao mesmo tempo. Isso reforça os argumentos de Elinor Ostrom sobre o caráter complementar dos dois tipos de explicação. Ver: OSTROM, Elinor (1991). “Rational Choice Theory and Institutional Analysis: Toward Complementarity”. In: American Political Science Review, volume 85 # 01, March 1991, pages 237-243. Ver também: OSTROM, Elinor. (1990). Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective Action. New York, Cambridge University Press, 1990. A distinção entre as três (ou quatro) vertentes diferentes do novo-institucionalismo é feita precariamente por: HALL, Peter and TAYLOR, Rosemary (1996). “Political Science and the Three Institutionalisms”. Mimeo. [editado posteriormente em Political Studies]. Ver também: STEINMO, Sven and THELEN, Kathleen and LONGSTRETH, Frank [eds.]. (1992). Structuring Politics: Historical Institutionalism in Comparative Analysis. Cambridge-UK, Cambridge University Press, 1992. Sobre as origens do rational choice institutionalism nos estudos legislativos, ver o artigo já mencionado de LIMONGI (1994). Um comentário bastante sensato sobre as tendências analíticas recentes nos estudos legislativos é oferecido no primeiro capítulo da tese de: MELO, Carlos Ranulfo Félix (1999). “Retirando as Cadeiras do Lugar: Migração Partidária na Câmara dos Deputados (1985-1998)”. Tese de Doutorado defendida na UFMG em 1999. Sobre o novo institucionalismo sociológico, ver: MARCH, James G. and OLSEN, Johan P. (1984). “The New Institutionalism: Organizational Factors in Political Life”. In: American Political Science Review, volume 78 # 03, 1984, pages 734-749. Um desdobramento posterior desse artigo seminal é feito em: MARCH, James G. and OLSEN, Johan P. (1989). Rediscovering Institutions: The Organizational Basis of Politics. New York-NY, Free Press, 1989. Ver ainda: POWELL, Walter W. & DiMAGGIO, Paul J. [eds.].(1991). The New Institucionalism in Organizational Analysis. Chicago, The University of Chicago Press, 1991. Nesse volume, particularmente útil para a modelagem de estudos sobre surgimento e transformação de instituições é o artigo de: BRINT, Steven and KARABEL, Jerome. (1991). “Institutional Origins and Transformations: The Case of American Community Colleges”. In: Op. Cit. Pp. 337-360. [10] A ênfase no papel exclusivamente informacional dos serviços de inteligência aparece também na Ciência Política de corte funcionalista. Para ALMOND & POWELL (1966), o conhecimento e a informação permeiam todas as capacidades[capabilities] dos sistemas políticos, tais como a capacidade extrativa, a regulativa e a distributiva, além de estarem no centro de duas delas, a capacidade simbólica e a capacidade de resposta aos inputs do sistema. Também desde uma perspectiva “cibernética” como a de Karl Deutsch em The Nerves of Government (1966), seria a qualidade da informação que circula através dos canais de comunicações que responderia pela coesão social e, em última análise, pela possiblidade de congruência entre comandos e ações executadas: “If politics requires a machinery of enforcement, and a set of habits of compliance, then politics is impossible without a flow of information to those who are expected to comply with the commands” DEUTSCH (1966:157). Aliás, justamente devido a essa ubiqüidade da informação na sociedade e no Estado, creio que é mais produtivo e analiticamente mais relevante estudar fluxos informacionais e organizações claramente delimitados, como é o caso da atividade de inteligência por exemplo, do que pretender falar de “sociedades informacionais” ou de “era da informação”, que são expressões vazias de significado sociológico preciso. [11] Essa é a visão, por exemplo, de Norberto Bobbio: “não por acaso, a política dos arcana imperii caminhou simultaneamente com as teorias da razão de Estado, isto é, com as teorias segundo as quais é lícito ao Estado o que não é lícito aos cidadãos privados, ficando o Estado portanto obrigado a agir em segredo para não provocar escândalo (…). Diferentemente da relação entre democracia e poder oligárquico, a respeito da qual a literatura é riquíssima, o tema do poder invisível foi até agora pouquíssimo explorado”. BOBBIO (1986:28-30). Embora o ponto de Bobbio seja normativo, a suposição de base em sua crítica é que o “governo invisível” seria algo herdado historicamente e não uma construção contemporânea dos próprios regimes e atores políticos liberais-democráticos. [12]A descrição da variação espaço-temporal do “crescimento institucional” é uma dimensão importante dos estudos sobre desempenho institucional, como destaca Robert Putnam no capítulo introdutório de seu impressionante livro “Comunidade e Democracia: A Experiência da Itália Moderna” (1993). Segundo o autor: “Nossa análise da evolução dos governos regionais em seus dois primeiros decênios inclui uma comparação ‘antes e depois’ que nos ajuda a avaliar o impacto da reforma institucional. Como a instituição e suas lideranças foram aprendendo e se daptando com o passar do tempo – a ‘biologia desenvolvimentista’, por assim dizer, do crescimento institucional – é tema que se inclui em nossa pesquisa”. PUTNAM (1996: 26). [13]Esse primeiro exercício toma o roteiro de HERMAN (1996:02-35) e procura ampliar o uso de fontes bibliográficas que sustentem o argumento, mas é ainda nitidamente insuficiente, pois comparações internacionais sistemáticas precisariam estar baseadas em dados agregados e fontes arquivísticas para dar conseqüência ao programa de pesquisa descrito no texto já citado de HASTED (1991:55-72). Um exemplo do que deve ser feito em termos empíricos é o trabalho excelente em que David Bayley compara a emergência dos sistemas nacionais de polícia na Europa e tenta explicar os atributos dos sistemas policiais a partir da estrutura dos Estados, escrito há mais de vinte cinco anos: BAYLEY, David H. (1975). “The Police and Political Development in Europe”. In: TILLY, Charles. [editor]. (1975). The Formation of National States in Western Europe. Princeton-NJ, Princeton University Press, 1975. Páginas 328-379. Muitas das conclusões de David Bayley aplicam-se também para o estágio atual da pesquisa sobre serviços de inteligência. [14] Sobre a evolução das instituições diplomáticas modernas e sua relação com a espionagem, dois trabalhos principais são citados por HERMAN (1996:03). Para uma história mais convencional sobre as raízes da atividade de inteligência na diplomacia secreta praticada pelos soberanos modernos, ver: THOMPSON, James W. and PADOVER, Saul K. (1965). Secret Diplomacy, Espionage and Cryptography: 1500-1815. New York, Ungar Publisher, 1965. Um trabalho mais recente, sobre o significado moderno do termo inteligência na experiência diplomática britânica e francesa a partir do século XVI, ver: DERIAN, J. Der (1992). Antidiplomacy: Spies, Terror, Speed and War. Oxford, Blackwell, 1992. Embora tenha elementos interessantes aqui e ali, de modo geral o trabalho de Der Derian perde-se num cipoal de análises pós-estruturalistas sobre a intertextualidade dos termos inteligência e anti-diplomacia, ou sobre o poder discursivo de uma concepção “cronopolítica” e “tecno-estratégica” da guerra. Para quem se interessar por uma aplicação da aparelhagem discursiva do pós-estruturalismo à discussão sobre teoria da atividade de inteligência e vigilância, ver do mesmo autor: DERIAN, James Der. (1993). “Anti-Diplomacy, Intelligence Theory and Surveillance Practice”. In:Intelligence and National Security. Volume 8, # 3, July 1993. Pages 29-51. [15] A predominância de uma abordagem histórica nos trabalhos britânicos sobre inteligência favorece que se use a Inglaterra como exemplo nessa seção. Sobre as diferentes ênfases e os respectivos problemas nos estudos sobre inteligência nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, ver: GODSON, Roy & ROBERTSON, Kenneth G. [eds.]. (1987). British and American Approaches to Intelligence. New York, St. Martin’s, 1987. Sobre a origem, evolução e configuração atual do sistema britânico de inteligência, ver: GODSON, Roy [ed.] (1988). Comparing Foreign Intelligence: the U.S., the USSR, the U. K. & the Third World. London, Pergamon-Brassey’s, 1988. Ver também os capítulos sobre Inglaterra em: RICHELSON, Jeffrey T. (1988).Foreign Intelligence Organizations. Cambridge-MA, Ballinger Publishing Company, 1988. Bem como em: RICHELSON, Jeffrey T. & BALL, D. (1985). The Ties that Bind: Intelligence Cooperation between the UKUSA Countries. Boston, Allen & Unwin, 1985. Para a experiência da inteligência britânica na II Guerra, ver: HINSLEY, F.H. (1993). British Intelligence in the Second World War: [Abridged Edition]. London, HMSO, 1993. O próprio livro de HERMAN (1996) traz referências importantes embora dispersas. Cf. ainda os verbetes sobre Inglaterra e agências britânicas em POLMAR & ALLEN (1997: 181-191). [16]Sobre a gênese da esfera pública burguesa e a posterior transformação da função política da esfera pública e do princípio da publicidade, ver: HABERMAS, Jürgen (1962). The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Burgeois Society. Cambridge-MA, MIT Press, 1994. Páginas 17-26 e 181-211. Sobre a distinção público/secreto, um comentário adicional pode ser encontrado em: BOBBIO, Norberto (1989). “Público/Privado”. In: Enciclopédia Einaudi, volume 14 [Estado-Guerra]. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989. Páginas 176-190. [17] A atividade de decifração é tão antiga quanto o uso da escrita para a comunicação de mensagens importantes e o uso de códigos secretos para sua redação. Segundo David KAHN (1996:93), o manual de criptologia mais antigo preservado até hoje é um trabalho árabe do século IX, descoberto em 1992. Até então, acreditava-se que o documento criptológico mais antigo fosse um outro manual árabe, escrito em 1492. O que o Estado europeu moderno talvez tenha introduzido originalmente foi a organização de serviços especializados para esse fim, mas a pequena escala das black chambers européias dos séculos XVI a XIX poderia perfeitamente ser equivalente ou até menor do que organizações semelhantes existentes na China ou nos Califados árabes. Cf. KAHN, David. (1967). The Codebreakers: The Comprehensive History of Secret Communication from the Ancient Times to the Internet. New York, Scribner, 1996. [new edition revised and updated]. [18] Ver o capítulo 3 (“As Finanças, a Geografia e a Vitória nas Guerras: 1660-1815”) do livro de: KENNEDY, Paul. (1987). Ascensão e Queda das Grandes Potências. Rio de Janeiro, Campus, 1989. Páginas 79-140. [19] Cf. YOUNG, Robert J. (1986). “French Military Intelligence and Nazi Germany, 1938-1939”. In: MAY, Ernest R. (1984) [ed.]. Knowing One’s Enemies: Intelligence Assessments before the Two World Wars. Princeton-NJ, Princeton University Press, 1984. Pp. 273-274. [20] Na Grã-Bretanha, o Intelligence Services Act of 1994 subordinou administrativamente o SIS e o GCHQ, as duas agências de coleta de inteligência externa, ao ministério das relações exteriores, o Foreign and Commonwealth Office (FCO). A subordinação direta dos órgãos de inteligência externa aos responsáveis pela tomada de decisões e implementação de políticas externas reflete a prática britânica de envolver os oficiais de inteligência e os policymakers no processo de preparação de assessments, o que no contexto norte-americano é considerado um anátema, por implicar risco de politização e enviesamento (bias) das análises. Para uma comparação direta entre as práticas britânicas e norte-americanas de produção de análises em inteligência, ver: HERMAN, Michael. (1994). “Assessment Machinery: British and American Models”. Paper delivered at the Conference on Intelligence Analysis and Assessment: The Producer and Policymaker Relationship in a Changing World. Canada, CASIS, October 1994. Para uma utilização dessa variável (“grau de envolvimento da inteligência no proceso de produção de políticas”) num modelo comparativo mais amplo, ver o capítulo 5 (“The Distinctiveness of American Intelligence”) de: JOHNSON, Loch. (1996). Secret Agencies: U.S. Intelligence in a Hostile World. Binghamton-NY, Yale University Press, 1996. Páginas 119-145. [21] O serviço de inteligência exterior (humint) mais efetivo do século XX foi o Primeiro Diretório do KGB soviético. O serviço mais eficiente foi o da Alemanha Oriental, o Hauptverwaltung Aufklärung (HVA). Ambos eram parte de organizações muito maiores, fundamentalmente voltadas à inteligência de segurança e ao policiamento político interno (caso dos diretórios de segurança do KGB e, no caso da Alemanha Oriental, da STASI). Sobre a inserção específica do HVA e da STASI no Ministério da Segurança do Estado da RDA, ver a autobiografia de Marcus Wolf, ex-diretor do serviço de inteligência exterior da Alemanha Oriental: WOLF, Marcus e McELVOY, Anne. (1997). O Homem sem Rosto. Rio de Janeiro, Record, 1997. Sobre as organizações de segurança e de inteligência da União Soviética, ver RICHELSON, Jeffrey T. (1986). Sword and Shield: Soviet Intelligence and Security Apparatus. Cambridge-UK, Ballinger, 1986. E também: PARRISH, Michael (1991). Soviet Security and Intelligence Organizations (1917-1990): A Biographical Dictionary and Review of Literature in English. Westport-CT, Meckler Corp., 1991. Sobre as organizações de inteligência e segurança da Rússia após o colapso do regime soviético em 1991, ver: GALEOTTI, Mark. (1995). The Kremlin’s Agenda. London, Jane’s Intelligence Review Press, 1995. E ainda: KNIGHT, Amy. (1996). Spies Without Cloaks: The KGB’s Successors. Princeton-NJ, Princeton University Press, 1996. [22] Há várias referências à espionagem nos cinco livros de Moisés do Velho Testamento, que os judeus chamam de Torah, especialmente em Números, capítulo 13, onde Deus ordena a Moisés que envie espiões à terra de Canaã, sendo cada um deles de uma das tribos de Israel, cujas funções os tornam então príncipes. A outra referência direta é no livro de Josué, capítulo 02, em que Josué envia dois espiões para fazer o reconhecimento avançado de Jericó. A estadia dos espiões de Josué na casa da prostituta Raabe, tal como aparece na Bíblia, provavelmente foi a origem do tratamento bastante comum da espionagem como a “segunda profissão mais antiga do mundo”. Além da Bíblia, confrontar o verbete biblical spies em POLMAR & ALLEN (1997: 65-66). [23] No último capítulo (XIII) do Ping-fa, Sun Tzu destaca o papel dos diferentes tipos de espiões para o conhecimento avançado dos planos do inimigo, das dificuldades do terreno, das movimentações e do estado de espírito das tropas. “O que possibilita ao soberano inteligente e ao bom general atacar, vencer e conquistar coisas além do alcance dos homens comuns é a previsão. Ora, essa previsão não pode ser extraída da coragem, nem também por indução decorrente da experiência, nem por qualquer cálculo realizado. O conhecimento das disposições do inimigo só pode ser conseguido de outros homens”. In: SUN TZU. A Arte da Guerra. Rio de Janeiro, Record, 1985. Quinta edição. [24] Cf. CREVELD, Martin Van. (1985). Command in War. Cambridge-MA, Harvard University Press, 1985. Capítulo 2, páginas 17-57. [25] Para uma análise bastante crítica sobre o significado da expressão “Revolução nos Assuntos Militares” (RMA), ver o capítulo final de PROENÇA Jr, D. & DINIZ, E. & RAZA, S.G. (1999).Guia de Estudos de Estratégia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999. Cf. também VICKERS, Michael J. (1997). “The Revolution in Military Affairs and Military Capabilities”. In: PFALTZGRAFF, Robert L. Jr. & SHULTZ, Richard H. Jr. (1997). War in Information Age: New Challenges for U.S. Security. Washington/London, Brassey’s. Sobre a RMA ocorrida com as guerras napoleônicas, ver o já citado CREVELD (1985: 58-102). Cf. também o capítulo 6 (“tactical and strategical transformation in the Era of the French Revolution and Napoleon: 1791-1815”) do livro de JONES, Archer (1987). The art of war in the western world. Oxford-UK, Oxford University Press, 1987. Páginas 320-386. Sobre inteligência e RMA nos dias de hoje, ver: FITZSIMONDS, James R. (1995). “Intelligence and The Revolution in Military Affairs”. In: GODSON, Roy; SCHMITT, G. & MAY, E. [eds.] (1995). U.S. Intelligence at the Crossroads: Agendas for Reform. New York, Brassey’s, 1995. Páginas 265-287. [26] Cf. COAKLEY, Thomas P. [editor]. (1991). C3I: Issues of Command and Control. Washington-DC, NDU Press, 1991. Ver também, para aspectos mais técnicos do problema: BOYES, Jon L. [editor]. (1985). Issues in C3I Program Management: Requirements, Systems and Operations. Washington-DC, AFCEA Press, 1985. [27] Isso não quer dizer que a espionagem militar não fosse uma prioridade dos novos serviços. Casos como o do coronel Redl (espião russo na Áustria) e do Barão Schluga (espião alemão em Paris), logo antes da I Guerra Mundial, servem de lembrete contra simplificações acerca da natureza da inteligência militar. Além disso, o uso de redes extensas de fontes humanas para monitorar a mobilização e as linhas de comunicação e abastecimento nos territórios ocupados (“low level assets”) também indica que não se tratava simplesmente de escolher entre fontes ostensivas e espionagem. Cf. RICHELSON, Jeffrey. (1995). A Century of Spies: Intelligence in the Twentieth Century. Oxford-UK, Oxford University Press. 1995. [28] Cf. HERMAN (1996:16-19). [29] Para um relato histórico sobre os usos da inteligência na I Guerra Mundial, ver: RICHELSON (1995:18-46). Para os problemas de avaliação (assessment) e as percepções de ameaça, ver MAY (1984:13-233). [30] Um comentário sobre Pearl Harbor, breve mas atualizado do ponto de vista historiográfico, pode ser encontrado em RICHELSON (1995: 115-123). O tratamento analítico mais interessante sobre o episódio foi feito por WOHLSTETTER, Roberta. (1962). Pearl Harbor: Warning and Decision. Stanford-CA, Stanford University Press, 1962. [31] A tradução mais adequada para joint seria conjunto, mas como no jargão militar brasileiro o termo conjunto indica uma articulação fraca (“cooperativa”) entre as forças, fazendo com que o próprio estado-maior conjunto não unifique o comando das forças singulares em operações militares, preferi adotar aqui o termo integrado (seguido da expressão internacional original entre parênteses). Para uma justificativa adicional dessa prática, ver: PROENÇA Jr, Domício. & DINIZ, Eugênio. (1998). Política de Defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília, Ed. UnB, 1998. Páginas 77-79 (nota 6). [32] Países como a Costa Rica, que não têm forças armadas, poderiam ser uma exceção, mas isso dependeria de uma análise das capacidades de inteligência presentes em sua diplomacia, forças constabulares e polícia nacional. De todo modo, o problema da componente militar dos sistemas nacionais de inteligência me parece mais afeito aos Estados mais poderosos do sistema internacional, incluindo potências regionais e países relevantes em diferentes “complexos de segurança”. Cf. BUZAN, Barry and WÆVER, Ole and WILDE, Jaap de. (1998).Security: A New Framework for Analysis. Boulder-CO, Lynne Rienner Publishers, 1998. [33] Para uma descrição detalhada das organizações militares de inteligência norte-americanas, ver: RICHELSON, Jeffrey T. (1985). The U.S. Intelligence Community. Cambridge-MA, Ballinger Publishing Co., 1999. Quarta edição revisada e ampliada. Páginas 55-129. [34] DANDEKER, C. (1990). Surveillance, Power and Modernity: Bureaucracy and Discipline from 1700 to the Present Day. Cambridge-UK, Polity Press, 1990. Páginas 119-133. Ver também GOLDSTEIN, R. J. (1983). Political Repression in Nineteenth-Century Europe. London, Croom Helm, 1983. [35] Na França, o policiamento organizado sob controle das autoridades centrais remonta à segunda metade do século XVII. Segundo BAYLEY (1975: 343-345), a coleta de informações de segurança foi instituída já durante a Revolução Francesa, mas adquiriu uma expressão organizacional mais definida depois do 18 de Brumário. Para Charles Tilly: “Durante os anos iniciais da Revolução, as forças de polícia do Antigo Regime se dissolveram de forma geral quando os comitês populares, os guardas nacionais e os tribunais revolucionários assumiram suas atividades quotidianas. Todavia, com o Diretório, o Estado concentrou a fiscalização e apreensão numa organização isolada e centralizada. Fouché de Nantes tornou-se ministro da polícia em VII/1799 e, daí por diante, passou a existir um ministério cujos poderes se estenderam a toda a França e aos territórios conquistados. Na época de Fouché, a França havia se transformado num dos países mais policiados do mundo”. TILLY (1996: 174). [36] Cf. ANDREW, Christopher. (1986). “France and the German Menace”. In: MAY, Ernest R. (1986) [ed.]. Knowing One’s Enemies: Intelligence Assessments before the Two World Wars. Princeton-NJ, Princeton University Press, 1986. Ver também: FISCHER, Ben B. (1997). OKHRANA: The Paris Operations of the Russian Imperial Police. Unclassified Monography from the Center for the Study of Intelligence at CIA. Disponível em: https://www.cia.gov/csi/monograph. [37] No caso dos Estados Unidos, por exemplo, até o final da II Guerra Mundial o FBI controlava as operações de inteligência na América Latina. Mesmo após o final da Guerra Fria, há considerável pressão para a atuação internacional do órgão em temas como terrorismo, proliferação de armas de destruição massiva, crime organizado, lavagem de dinheiro, crimes eletrônicos e tráfico de drogas. Em todas essas áreas há disputas jurisdicionais com a CIA, a DEA, o SECRET SERVICE e o INR. Para uma primeira avaliação das operações do FBI no exterior, ver: HOLT, Pat M. (1995).Secret Intelligence and Public Policy: A Dilemma of Democracy. Washington-DC, Congressional Quarterly Press, 1995. Pages 20-37. [38] Em nenhuma dessas atividades é fácil delimitar a jurisdição das polícias e dos serviços de inteligência. As culturas organizacionais, os mandatos legais e os objetivos da coleta e análise de informações são muito diferentes nesses dois tipos de organizações estatais. Mesmo levando-se em conta que uma das matrizes organizacionais dos serviços de inteligência contemporâneos foi o policiamento político voltado para a repressão dos dissidentes, há pelo menos duas linhas de separação entre polícia e inteligência que tem sido persistentes ao longo do tempo e em diferentes contextos nacionais: a) Tipicamente, enquanto as investigações criminais buscam elucidar a autoria de crimes e contravenções penais específicas, os alvos dos serviços de inteligência são atores e fenômenos mais abrangentes, os quais precisam ser conhecidos para que políticas públicas mais eficazes possam ser desenhadas. O produto final de uma investigação criminal é a instrução de um processo judicial, enquanto o produto de uma operação de inteligência é um relatório sobre o conhecimento adquirido. b) Grosso modo, polícia cuida de problemas “internos” do país, enquanto inteligência está mais voltadas para o “exterior”. Nos Estados Unidos, o National Security Act of 1947 “as amended” prevê, na seção que trata das atribuições do DCI, que as responsabilidades da CIA (uma organização diretamente subordinada ao DCI) envolvem a coleta de inteligência de fontes humanas e através de outros meios, com a exceção de que a CIA não deve exercer quaisquer funções de polícia, de intimação judicial, de imposição da lei ou de segurança interna (“… the Agency shall have no police, subpoena, or law enforcement or internal security functions;”). Cf, U.S. GOVERNMENT (1998). “Section 103 (d) (3) [50 U.S. Code 403-1], National Security Act of 1947”. In: Compilation of Intelligence Laws and Related Laws and Executive Orders of Interest to the National Intelligence Community. Washington-D.C., GPO, 1998. Página 14. Essa restrição legal foi justificada pelos legisladores norte-americanos do imediato pós-II Guerra como sendo necessária para evitar que a CIA se transformasse numa espécie de “Gestapo” nas mãos de presidentes inescrupulosos. Mas ela também refletia o lobby do FBI contra o que era considerado uma violação de sua jurisdição. Afinal, desde pelo menos 1919 a polícia federal norte-americana também tinha uma divisão especializada em inteligência de segurança (security intelligence) contra a espionagem internacional, a sabotagem, a “subversão comunista” e, mais tarde, voltada para a obtenção e análise de informações sobre o crime organizado, terrorismo internacional e doméstico, além de organizações clandestinas utilizando “violência politicamente motivada” (PMV). Na prática, nem a CIA acatou 100% a prescrição legal de não se envolver em operações de inteligência doméstica, nem o FBI absteve-se 100% de ir ao estrangeiro e montar suas próprias redes de informações sobre temas determinados pelo diretor. Além de abusos de poder e extrapolação de mandatos, isso decorreu das dificuldades inerentes a uma separação entre as funções de inteligência externa, inteligência de segurança para fins internos, contra-inteligência (em suas dimensões defensivas e ofensivas) e inteligência policial, mais próxima da investigação criminal propriamente dita. Mesmo nos países que procuraram delimitar legalmente as jurisdições sobre essas áreas, a complexidade atual do fenômeno criminal e o crescimento de ameaças transestatais à ordem pública e aos ordenamentos legais dos países estão forçando uma significativa revisão de fronteiras. Para um comentário sobre o caso dos Estados Unidos, ver: SNIDER, L. Britt. (1995). “Intelligence and Law Enforcement”. In: GODSON, Roy; SCHMITT, G. & MAY, E. [eds.] (1995). U.S. Intelligence at the Crossroads: Agendas for Reform. New York, Brassey’s, 1995 [páginas 243-264]. Vale notar o comentário de John Coleman no mesmo volume sobre as dificuldades operacionais no relacionamento entre a CIA e a Drugs Enforcement Administration(DEA) em países latino-americanos e, de modo geral, sobre as dificuldades de relacionamento entre as agências policiais e os órgãos de inteligência. Na época em que redigiu o comentário, Coleman era o chefe de operações da DEA em New Jersey, mas já exercera a função de conselheiro do diretor da DEA para programas no estrangeiro. Para a dificuldade que os serviços de inteligência têm com suas próprias unidades de contra-inteligência e com a atuação das organizações de “law enforcement” na área de contra-inteligência, ver: HULNICK, Arthur S. (1997). “Intelligence and Law Enforcement: The ‘Spies are not Cops’ Problem”. In: International Journal of Intelligence and Counterintelligence. Volume 10, # 3, Fall 1997. Páginas 269-286. [39] Nos países que seguiam o modelo soviético (KGB), havia uma organização centralizada de inteligência e segurança, organizada em moldes militares, dividida em diretórios responsáveis por humint, contra-inteligência, inteligência de segurança, operações encobertas, sigint, infosec etc. A manutenção da ordem pública e a repressão política eram realizadas também pelas polícias e pelas tropas do Ministério do Interior (MVD). O modelo de organização do aparato de segurança e inteligência brasileiro durante o regime militar (1964-1985), baseado numa agência central (SNI) que vertebrava um sistema nacional (SISNI), foi descrito por analistas como sendo mais próximo do modelo soviético do que dos modelos liberais ocidentais. Cf. STEPAN, Alfred. (1988). Rethinking Military politics: Brazil and the Southern Cone. Princeton-NJ, Princeton University Press, 1988. Pages 19-20. Ver também: BRUNEAU (2000: 01-36). [40] Sobre as missões do FBI na área de inteligência doméstica (security intelligence), contra-inteligência e contra-terrorismo, ver: WATSON, Patrick. (1995). “The FBI’s Changing Mission”. In: GODSON, Roy; SCHMITT, G. & MAY, E. [eds.] (1995). U.S. Intelligence at the Crossroads: Agendas for Reform. New York, Brassey’s, 1995 [páginas 146-153]. Sobre as funções de inteligência policial e análise criminal, ver: PETERSON, Marilyn B. [editor] (2000). Intelligence 2000: Revising the Basic Elements. Lawrenceville-NJ, IALEIA/L.E.I.U. Publications, 2000. [41] Sobre as agências de inteligência do Japão, ver: HANSEN, James H. (1996). Japanese Intelligence: The Competitive Edge. Washington-DC, NIBC Press, 1996. [42] Isso resulta do fato das próprias polícias originarem-se em parte das forças armadas, a partir de uma bifurcação de missões que, na Europa, ocorreu em épocas muito diferentes em cada país. Na Inglaterra esta divisão é clara desde o surgimento do atual modelo de policiamento civil, entre 1829 e 1889. As linhas militares de organização do trabalho policial predominam ainda hoje em muitos países, como a Itália, a França, a Rússia e o Brasil. Por outro lado, hoje em dia a maioria das forças armadas têm organizações de segurança e contra-inteligência próprias, inclusive em nível ministerial, como é o caso do Defense Security Service (DSS) do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Embora essas organizações tenham como missão a proteção de segredos governamentais, o que as torna bastante próximas dos serviços de inteligência propriamente ditos na medida em que existem trocas de experiência que beneficiam mutuamente as operações informacionais ofensivas e defensivas, elas não são formalmente consideradas como parte integrante dos sistemas nacionais de inteligência. Como foi mencionado acima, a principal organização departamental de inteligência do Departamento de Defesa dos Estados Unidos é a Defense Intelligence Agency (DIA). Em outros países, a contra-inteligência e a inteligência de segurança são ainda fortemente vinculadas à inteligência militar. Na Inglaterra atual, o serviço de inteligência de segurança é uma organização civil subordinada diretamente ao ministro do interior. [43] Para um excelente tratamento do caso inglês em perspectiva comparada com os sistemas policiais da França, Alemanha e Itália, ver o texto já citado de: BAYLEY (1975: 328-379). [44] Atualmente, o SIS é subordinado ao Foreign Office e o MI-5 é subordinado ao Home Office, que são, respectivamente, os ministérios das relações exteriores e do interior no governo britânico. [45] Ver, por exemplo, o excelente trabalho de: GILL, Peter. (1994). Policing Politics: Security Intelligence and the Liberal Democratic State. London, Franck Cass., 1994. [46] Esses percentuais sobre prioridades e alocações de recursos estão disponíveis em: https://www.mi5.gov.uk. [47] Cf. CANADA. (1989). Canadian Security Intelligence Service Act. R.S. 1985, as amended. Ottawa, Ministry of Supply and Services, August 1999. Sobre os serviços de inteligência de segurança do Canadá, Inglaterra, Rússia, França e Estados Unidos, cf. RICHELSON (1988). [48] No Brasil, o decreto número 3.448, de maio de 2000, criou um Subsistema Brasileiro de Inteligência de Segurança Pública no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), que por sua vez fora instituído pela Lei 9.883/99, a mesma lei que criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Em tese, a criação de um subsistema de inteligência de segurança pública permitiria a coordenação, integração e compartilhamento de informações relevantes nas áreas de inteligência de segurança, contra-inteligência e inteligência policial. Integram o Subsistema a própria ABIN, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, o Ministério da Justiça (através da unidade de inteligência da Polícia Federal), o Ministério da Defesa, o Ministério da Integração Regional (através da área de Defesa Civil) e, mediante adesão, os órgãos de inteligência das polícias civis e militares dos 26 estados e do Distrito Federal. Além da forte rivalidade entre a PF e a ABIN, a efetivação do decreto terá ainda que superar a precariedade (em termos de agilidade e transparência) das unidades de inteligência das polícias militares e civis, cuja reforma ainda sequer foi iniciada na maioria das unidades da Federação. O Decreto 3.448/00 e a Lei 9.883/99 estão disponíveis em formato PDF na página da ABIN: www.abin.gov.br. [49] Para um comentário útil sobre inteligência policial, mais especificamente sobre as relações entre investigação criminal e operações de coleta de inteligência, ver: LYMAN, Michael D. (1999). The Police: An Introduction. Upper Saddle River-NJ, Prentice Hall, 1999. [páginas 425-427]. Sobre inteligência criminal enquanto produto analítico, ver: PETERSON, Marilyn B. (1994). Applications in Criminal Analysis. Westport-CT, Greenwood Press, 1994. Referências adicionais podem ser encontradas na página da International Association of Law Enforcement Intelligence Analysts: https://www.ialeia.org . [50] A marinha foi a única força armada dos Estados Unidos que manteve um comando de primeiro escalão separado para as funções de sigint e infosec/comsec. No exército (INSCOM), força áerea (AIA) e fuzileiros navais (MCIA) essas funções são exercidas por comandos subordinados de segundo escalão, que também podem ser colocados sob opcon do diretor da NSA. Aliás, pessoal do INSCOM é encarregado da operação das principais estações fixas de interceptação da NSA no exterior. Cf. RICHELSON (1999: 55-129). [51] Para uma visão mais detalhada das mudanças organizacionais na inteligência militar nos Estados Unidos, ver o livro já citado de: RICHELSON, Jeffrey T. (1985). The U.S. Intelligence Community. Cambridge-MA, Ballinger Publishing Co., 1999. Quarta edição revisada e ampliada. Páginas 55-129. Para uma discussão mais detalhada das linhas de comando e controle em inteligência militar, ver a seção IV (“The Defense Department’s Intelligence Structure: A Review and Reccomendation for Reform”) do relatório de ODOM (1997: 51-68). Sobre a integração vertical da área de sigint no establishment de defesa daquele país, ver a seção V (“The Signals Intelligence Discipline: Structure and Management”) do mesmo relatório: ODOM (1997: 69-78). Sobre doutrina de operações integradas em inteligência, ver três documentos principais: a) Joint Intelligence Support to Military Operations. DoD Joint Publication # 2-01. November, 1996. 175pp. b) Joint Intelligence Doctrine. DoD Joint Publication # 2-0. May, 1995. 189pp. c) Intell XXI: A Concept for Force XXI Intelligence Operations. Tradoc Pamphlet 525-XX. January, 1996. 80pp. Esses documentos estão acessíveis na página do Pentágono na Internet: https://www.defenselink.mil/pubs. [52] Em Israel, por exemplo, a principal instância de coordenação ainda é o comitê dos dirigentes das agências de inteligência, segurança e polícia, o Va’adat Rashei Hasherutim (VAADAT), que é coordenado pelo chefe do MOSSAD. Mas o gabinete do Primeiro Ministro tem agora uma unidade própria de supervisão e definição de prioridades de coleta de informações (requirements) que coordena suas atividades com o VAADAT. No Brasil, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) é o órgão central e, do ponto de vista legal, coordena o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN). Embora a agência devesse ser ligada diretamente ao Presidente da República segundo os termos de sua lei de criação, na prática a ABIN encontra-se subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República. A supervisão externa será feita, segundo a legislação em vigor em julho de 2000, pela Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN) do Conselho de Governo, no poder executivo, e por comissão mista da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Cf. ANTUNES, Priscila. (2000). Agência Brasileira de Inteligência: Gênese e Antecedentes Históricos. Dissertação de Mestrado defendida no programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF). [53] Os quatro sistemas nacionais de polícia analisados por David Bayley foram diferenciados em treze atributos: 1) Maior ou menor extensão das tarefas formais, tais como a prevenção do crime e a fiscalização da cobrança de impostos. 2) maior ou menor extensão das tarefas informais, tais como a mediação de conflitos entre as partes. 3) A presença ou não de tarefas políticas, tais como a segurança do regime político, do governo ou mesmo a coleta de inteligência. 4) O grau de agregação da autoridade sobre as unidades do sistema (local ou nacional, descentralizada ou centralizada). 5) O número de forças policiais especializadas. 6) A esfera de controle político, se local ou nacional, e se a prestação de contas é feita para um corpo político representativo ou burocrático. 7) A esfera de controle legal, se a polícia submete-se a um sistema legal unificado ou a cortes administrativas especiais. 8) Se a carreira é unitária ou se é diferente para oficiais e para policiais/praças. 9) Se o treinamento é predominantemente militar ou civil. 10) se a especialização funcional é alta ou baixa, por exemplo em relação ao patrulhamento, investigação criminal, periciamento técnico, guarda de fronteiras, polícia fiscal etc. 11) Como a polícia é percebida pelo público em relação a temas como confiabilidade, autoritarismo, corrupção, eficiência etc. 12) Se o modo de intervenção policial é mais ou menos invidualizado, mais ou menos formal. 13) Dinâmicas do uso da força e de armamento. Embora os quatro casos sejam significativamente diferentes entre si, se fosse para tratar esses indicadores tipológicos como parte de um continuum, a Inglaterra de 1975 estaria num extremo e a Itália em outro. Tomando como ponto de partida essa diferença, Bayley estuda porque as características decisivas dos sistemas de cada país formam-se em diferentes períodos do processo moderno de desenvolvimento nacional e quais as variáveis independentes mais importantes na explicação dos atributos de cada caso nacional. Cf. BAYLEY, David H. (1975). “The Police and Political Development in Europe”. In: TILLY, Charles. [editor]. (1975). The Formation of National States in Western Europe. Princeton-NJ, Princeton University Press, 1975. Páginas 328-379. [54] Um conjunto adicional de interações entre variáveis é utilizado pelo autor para explicar as diferenças entre os quatro casos. Em especial, Bayley destaca que as práticas de organização do poder anteriores ao momento de surgimento e amadurecimento dos sistemas nacionais de polícia influenciou diretamente a abrangência das tarefas e o grau de centralização do sistema. A natureza da violência social existente, a presença ou não de uma forte resistência popular ao governo, a mudança nas demandas societais por lei e ordem como resultado da composição interna da população, a existência ou não de ortoxias religiosas ou políticas, as reações das elites à incorporação e, finalmente, a própria posição internacional do país, de maior ou menor segurança internacional. Ao final do ensaio, Bayley levanta uma hipótese interessante sobre a tendência a uma maior convergência internacional dos padrões nacionais de organização, procedimentos e accountability no trabalho policial. Essa convergência seria muito mais clara em relação ao desempenho operacional, onde existem medidas e padrões relativamente internacionalizados. Cf. BAYLEY (1975:328-379). [55] Um trabalho clássico sobre a expansão do governo central nos Estados Unidos é: LÖWI, Theodore. (1968). The End of Liberalism. New York, W.W. Norton, 1979. 2nd edition. Os dados mencionados aqui são retirados de: STANLEY, Harold W. & NIEMI, Richard G. (1995). Vital Statistics on American Politics. Washington-D.C. Congressional Quarterly Press. Fifth Edition. E também de: BANCO MUNDIAL (1997). O Estado num Mundo em Transformação / Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial. Washington-D.C., World Bank Group, 1997. Para dados comparativos sobre gastos governamentais que invalidam o núcleo da teoria da escolha pública sobre os “gastos excessivos”, ver: PRZEWORSKI (1995:85). [56] Cf. ZEGART, Amy. (1999). Flawed by Design: The Evolution of the CIA, JCS and NSC. Stanford-CA, Stanford University Press, 1999. [57] Para uma síntese das premissas neo-institucionalistas e de sua aplicação ao estudo das burocracias domésticas de serviços e de regulação, ver: MOE, Terry (1990). “The Politics of Structural Choice: Toward a Theory of Public Bureaucracy”. In: WILLIAMSON, Oliver E. [editor]. (1990). Organizational Theory: From Chester Barnard to the Present and Beyond. New York, Oxford University Press, 1990. [58] No capítulo 1 (“Towards a Theory of National Security Agencies”), além do tema principal sobre a necessidade de reformular o modelo neo-institucionalista para dar conta das diferenças entre agências domésticas de políticas públicas e agências de segurança nacional, Zegart também faz comentários úteis, embora incidentais, sobre as diferenças entre o Novo Institucionalismo e a abordagem da Política Burocrática (Graham Allison). O esquema analítico de Zegart é ousado e de modo geral bastante consistente, mas três aspectos me pareceram muito problemáticos. Primeiro, seu ponto de partida para propor um modelo de agências de segurança nacional é uma crítica superficial e absolutamente equivocada ao “realismo” na área de Relações Internacionais. Além de errada, sua crítica é fútil, pois não tem nenhuma função posterior na construção do modelo. Em segundo lugar, é problemática sua suposição de que os presidentes, ao contrário dos legisladores e dos burocratas, são mais protegidos do assédio dos grupos de interesses e têm mais incentivos para concentrarem-se em grandes temas nacionais. Afinal, esses incentivos não surtiram muitos efeitos em alguns dos presidentes norte-americanos que mais influenciaram o desenho organizacional das agências de segurança nacional (e.g. Truman, Reagan e Clinton). A própria caracterização dos presidentes como agentes perfeitos do público e vítimas indefesas do poder dos burocratas é claramente demasiada. Finalmente, a excessiva preocupação de Zegart em não parecer “funcionalista” e concentrar sua explicação nas preferências e constrangimentos institucionais dos agentes, fez com que seu modelo subestimasse a um ponto inaceitável o conhecimento sobre o que as agências realmente “fazem”, ignorando as funções exercidas e os requisitos tecnológicos como fatores explicativos sobre o desenho organizacional das agências de segurança nacional. Além desses três problemas mais sérios, o critério de diferenciação entre agências domésticas e agências de segurança nacional baseado no grau de interdependência burocrática (“degree of bureaucratic interconectedness”) me parece exigir maior especificação, pois a falta de delimitação clara de jurisdição entre agências ocorre também – e talvez em graus mais elevados – em setores da burocracia no ambiente interno (e.g. atividades urbanas ou planejamento governamental). O último ponto é que sua pretensão (explicitada na Conclusão do livro) de estar fundando as bases para uma “teoria geral da burocracia” parece esbarrar nos problemas mencionados e também na necessidade de muitos estudos comparativos em escala internacional. Cf. ZEGART (1999:12-53 e 223-236). [59] Os dados sobre grupos de interesse utilizados por Amy Zegart são resultados de pesquisas sobre associativismo civil, lobbies no Congresso e fontes de financiamento de campanhas de deputados. Os grupos de interesse na área de segurança nacional são mais recentes: enquanto 75% dos Think Tanks de política internacional e dos escritórios de lobby na área de defesa sediados em Washington-D.C. começaram a operar na década de 1970, organizações ambientalistas como o Sierra Club (1892), associações empresariais como a National Association of Manufacturers (1892) e grupos de pressão temáticos como a National Education Association (1857) são muito mais consolidadas. Os grupos de interesse na área de segurança nacional são menos numerosos: em 1990, de um total de 9.138 grupos de pressão atuando sobre o Congresso dos Estados Unidos, 922 eram de alguma forma relacionados com assuntos internacionais. Os grupos da área de saúde sozinhos eram mais numerosos (1.054) do que os de política externa. Em terceiro lugar, grupos de interesse na área de segurança nacional investem menos nas campanhas dos Congressistas membros dos comitês de sua área. Segundo Zegart, enquanto um membro do Senate Committee on Banking recebia em média 29% dos recursos para campanha de doadores de fundos relacionados ao setor bancário, um membro do Senate Committee on Armed Services recebia apenas 6% dos fundos de sua campanha de doadores com interesses no setor. Cf. ZEGART (1999: 22-27 e 239-240). [60] Ver, por exemplo, o projeto internacional de pesquisa comparada “Intelligence and Democracy in the Americas: Challenges for the 21st Century”, no qual os pesquisadores estão trabalhando com uma versão modificada do modelo neo-institucionalista para analisar as recentes reformas nos serviços de inteligência na Argentina, Brasil, Chile, Ecuador e Guatemala:https://www3.ndu.edu/chds. [61] As diferenças existentes entre as próprias burocracias de segurança nacional (NSC, JCS e CIA) desdobra-se na diversidade interna dos próprios sistemas de inteligência (CIA, FBI, DIAetc). Os padrões de desenvolvimento dos sistemas nacionais de inteligência refletem também essas diferenças entre os vários tipos de organizações de inteligência, bem como suas diferenças em relação às forças armadas, polícias, serviço diplomático ou instâncias de formulação de políticas (tais como os staffs dos Conselhos Nacionais de Segurança). Entre os dois tipos extremos de organizações governamentais, Zegart aponta a necessidade de incorporar a uma teoria geral da burocracia uma vasta quantidade de agências que ficariam a meio caminho no spectrum burocrático. Em particular, seria interessante ver como ficariam posicionadas no modelo as organizações de política econômica que atravessam a dicotomia externo/interno (Bancos Centrais, Comércio Exterior, Conselhos de Política Econômica etc). Cf. ZEGART (1999:233). [62] Para uma escala comparativa (muito limitada) entre (poucos) casos nacionais que situa as posições de cada país ao longo de um continuum e não de forma polar, ver: JOHNSON (1996: 119-145). [63] Para uma descrição sumária dos sistemas de inteligência de países selecionados, ver: www.fas.org/irp. [64] A comparação direta entre Estados Unidos e Grã-Bretanha é feita com base em: HERMAN (1996:29-38). [65] Cf. a seção 3 do National Security Act of 1947 “as amended”. In: Compilation of Intelligence Laws and Executive Orders of Interest to the National Intelligence Community. Washington-DC, HPSCI, 1998. Os itens G e J do parágrafo 4 da seção 3 desse ato deixam em aberto a inclusão de quaisquer outros departamentos ou escritórios como parte da IC, conforme o DCI e o Presidente julgarem adequado. Deriva dessa abertura legal a confusão sobre a inclusão ou não de importantes agências governamentais norte-americanas como parte das capacidades de inteligência daquele país. Para uma abordagem mais detalhada sobre o sistema norte-americano, ver RICHELSON, Jeffrey T. (1999). The U.S. Intelligence Community. Cambridge-MA, Ballinger Publishing, 1999. Fourth Edition. Especialmente os capítulos 2 a 6, páginas 16-149. [66] Cf. www.fas.org/irp/budget.html. Sobre a dinâmica de preparação do orçamento de inteligência nos Estados Unidos, ver: LOWENTHAL (2000:34-38) e, principalmente, o relatório: U.S. GOVERNMENT (1997). An Intelligence Resource Manager’s Guide. Preparado por Dan ELKINS para o Joint Military Intelligence Training Center da DIA. 1997 edition. 208 pp (plus 79 appendix). [67] Atualmente o governo britânico publica na Internet alguns dados básicos sobre as agências civis de inteligência, mas quase nada sobre as capacidades de inteligência das forças armadas, por motivos que podem ser considerados óbvios por enquanto: www.cabinet-office.gov.uk/cabsec/1998/cim. [68] A decisão de tornar público o agregado orçamentário das três agências britânicas principais de inteligência foi tomada pelo governo trabalhista do primeiro-ministro Tony Blair em 1998.Ver: www.cabinet-office.gov.uk/cabsec/1998/cim. [69] Cf. HERMAN (1996: 341-361). [70]A formulação de James Q. Wilson é uma resposta direta às abordagens predominantes sobre o comportamento dos burocratas, derivadas da teoria da escolha pública (public choice theory). Cada autor define a autonomia das agências governamentais de acordo com sua premissa sobre o que quer que sejam as preferências fundamentais dos burocratas: maximização de orçamentos, de recursos organizacionais, de prestígio, de remuneração pessoal, de estabilidade funcional, “bureau shaping”, jurisdição indisputada etc. De todas essas, a mais plausível me parece ser essa de Wilson (autonomia), na medida em que consiste em uma suposição substantiva sobre as preferências dos burocratas (atendendo assim à exigência metodológica da economia neo-clássica sobre o confinamento dessas suposições ao lado da oferta), ao mesmo tempo em que essa suposição consiste em afirmar a busca de autonomia como uma pré-condição para outras preferências endogenamente formadas nas próprias interações conflitivas. Sobre autonomia e a racionalidade desses “bureaucratic turfs”, ver: WILSON, James Q. (1989). Bureaucracy: What Government Agencies Do and Why they Do It. United States, Basic Books, 1989. A posição de Wilson sobre a autonomia burocrática é, nesse aspecto, compatível com as posições de Adam Przeworski (“o Estado é ‘autônomo’ quando ele formula suas próprias metas e as realiza em face à oposição”) e do próprio Samuel Huntington (“institucionalização política, no sentido de autonomia, significa o desenvolvimento de organizações e procedimentos políticos que não sejam apenas expressões dos interesses de grupos sociais determinados”). Para a “explicação” do crescimento institucional baseada na postulação de que burocratas maximizam orçamentos e ofertam níveis excessivos de serviço (sub-ótimos para o público) porque são precariamente supervisionados, ver dois textos seminais da public choice: NISKANEN, W. A. (1971). Bureaucracy and Representative Government. Chicago, Aldine Atherton, 1971. E também: BUCHANAN, J. M. (1977). “Why Does Government Grow?”. In: BORCHERDING, Thomas [org.] Budgets and Bureaucrats: The Sources of Government Growth. Durham, N.C.: Duke University Press, 1977. Para uma exposição didática das diversas ramificações dessa literatura, ver o texto já citado de Wayne PARSONS (1995: 306-323). Para uma crítica da explicação da autonomia estatal feita pela corrente principal da public choice, ver: PRZEWORSKI (1995:77-85). Para uma crítica do modelo “maximizador de orçamentos” e a formulação alternativa de um modelo explicativo do “crescimento institucional” baseado nas alternativas estratégicas e nos dilemas de ação coletiva dos burocratas (“bureau-shaping model”), ver: DUNLEAVY, Patrick. (1991). Democracy, Bureaucracy & Public Choice. London, Harvester Wheatsheaf, 1991. Especialmente as páginas 147-259. [71] Se as agências governamentais conseguem garantir razoavelmente sua autonomia, então elas provavelmente vão tentar obter mais recursos ou ampliar sua jurisdição. O problema, segundo James Wilson, é que isso envolve um enorme “se” condicional: “Turf problems were not major problems when the only important federal agencies were the Post Office, the Pension Bureau, the Army, and the Customs Service. Turf problems are large, and largely insoluble, when the government has within it dozens of agencies that make foreign policy, scores that make or affect economic policy, an countless ones that regulate business activity and enforce criminal laws”. WILSON (1989:195). Disputas interburocráticas não são insanáveis e tampouco são irracionais, apenas são difíceis porque envolvem aspectos vitais da identidade e das preferências de atores políticos organizados.
Fonte: https://www.senado.gov.br/sf/comissoes/CCAI/txtCepik.htm e Revista de Ciências Sociais – IUPERJ |