MASSACRE DE INDÍGENAS DURANTE O REGIME MILITAR
Há alguns meses que Egydio Schwade, da Comissão da verdade do Amazonas, tem empreendido bastantes esforço para trazer para a pauta de discussões a questão dos massacres de indígenas que supostamente ocorreram durante o regime militar. VEJA aqui o Documento que enviou no começo do ano para a CNV sobre o assunto.
Relatos dos índios
Como a área em que viviam os waimiris foi isolada pelo Exército e o acesso aos indígenas era controlado pelos militares, os primeiros relatos do suposto massacre só apareceram a partir de 1985, quando os indigenistas e missionários Egydio Schwade e Doroti Alice Muller Schawade iniciaram um processo de alfabetização dos waimiris em sua língua materna.
Foi assim, tipo bomba, lá na aldeia. Dos índios que estavam na aldeia, não escapou ninguém. Foi muita maldade na construção da BR-174. – Viana Womé Atroari, lider indígena
Inspirados no método Paulo Freire, ambos estimulavam os índios a contar suas histórias por meio de desenhos. Em pouco tempo, os waimiris começaram a relatar episódios de violência a que foram submetidos durante a construção da estrada e a listar os amigos e familiares mortos nas ações, além de aldeias que desapareceram no período.
Um dos waimiris conta que “o homem civilizado jogou, de um avião, um pó que queimou a garganta dos índios, que logo morreram”. De acordo com o relatório, depoimentos idênticos foram dados por outros indígenas.
No documentário, o waimiri Viana Womé Atroari também cita um ataque aéreo: “foi assim, tipo bomba, lá na aldeia. Dos índios que estavam na aldeia, não escapou ninguém. Ele veio no avião e de repente esquentou tudinho, aí morreu muita gente. Foi muita maldade na construção da BR-174. Aí veio muita gente e pessoal armado, assim, pessoal do Exército, isso eu vi. Eu sei que me lembro bem assim: tinha um avião assim, desenho de folha, assim, um pouco vermelho por baixo. Passou isso aí, morria rapidinho pessoa. Desse aí que nós víamos.”
Militares não escondiam repressão
Durante a ditadura, a Funai estava subordinada ao Exército. Seus principais dirigentes eram militares do alto escalão. Os sertanistas que atuavam junto aos waimiris foram treinados pelo 6º Batalhão de Engenharia de Construção do Exército, com sede em Boa Vista.
Em 1968, foi organizada uma expedição chefiada pelo antropólogo italiano e padre João Calleri, que, em contrato, prometeu “amansar” os índios e convencê-los a trabalhar na construção da BR-174. Resultado: dos 11 integrantes da missão, dez foram mortos pelos índios, inclusive o religioso.
Caso a Comissão da Verdade estabeleça a relação entre regime militar e o desaparecimento dos waimiris, o número de vítimas da ditadura pode quintuplicar. Atualmente, os documentos oficiais produzidos pela Comissão da Anistia listam 457 vítimas dos militares –entre mortos e desaparecidos–, a maioria militantes de esquerda.
“Os indígenas não estavam resistindo no sentido político, já que não sabiam exatamente o que era a ditadura. A resistência deles era, de certa maneira, ingênua, no sentido de preservar sua terra. Mas o tratamento dado a eles era violentíssimo”, afirma a psicanalista Maria Rita Kehl, integrante da Comissão Nacional da Verdade destacada para apurar os crimes contra povos indígenas e camponeses. “Os indígenas, assim como os camponeses, eram as vítimas da ditadura mais vulneráveis.”
“No início do século 20, pesquisa feita por antropólogos alemães estimou em 6.000 índios a população total Waimiri-Atroari. Em 1972, a população caiu pela metade, chegando a cerca de 3.000 homens, segundo dados da Funai (Fundação Nacional do Índio). Dois anos depois, entretanto, os waimiris estavam reduzidos a menos da metade, somando entre 600 e 1.000 indivíduos.”
O general do Exército Altino Berthier Brasil dedicou o seu livro de memórias sobre a construção da BR-174 aos waimiris e comparou as ações militares contra os índios aos métodos empregados pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. “Tive o privilegio de perceber, sentir e registrar os efeitos daquela blitzkrieg (tática de guerra dos militares nazistas) sobre um território desconhecido, enxotando um povo perplexo, que reagia violentamente ante a desestruturação de sua célula familiar e de seu universo telúrico.”
Leia o documento do CVMJ na íntegra:
“Proposta para o aprofundamento das investigações sobre o Genocídio dos Waimiri-Atroari
Em sua última reunião ordinária, realizada no dia 25 de fevereiro, 2ª-feira, na Sede do Sindicato dos Jornalistas em Manaus, presentes representantes de 12 entidades, o Comitê da VMJ do Amazonas, preocupado com a lentidão do andamento das investigações sobre o caso Waimiri-Atroari, formulou o seguinte documento:
No início de 1985 quando se vislumbrava novos tempos para o país, com a queda da Ditadura Militar, o então presidente da FUNAI, Gerson da Silva Alves, atendendo a reivindicação de diversos grupos (funcionários da FUNAI, acadêmicos, professores de universidades, advogados, pessoas ligadas aos movimentos populares e conhecedores da dolorosa situação a que os Waimiri-Atroari foram relegados durante a Ditadura), criou um Grupo de Estudos e de Trabalho – GT (ver anexo) que serviu em seguida de base para um grupo de ação que iniciou uma nova postura e relacionamento com este povo. Durante os dois primeiros anos, após a ditadura, esse grupo atuou com bastante liberdade na área Waimiri-Atroari. Apesar de não ser o foco do grupo pesquisar a história daquele povo indígena, foi graças a ele que se conseguiram os poucos depoimentos dos próprios Waimiri-Atroari sobre os massacres cometidos pelo governo militar. Entretanto, esse trabalho não agradou às empresas invasoras do território indígena, em especial, a Mineração Paranapanema e a Eletronorte. Certamente por preção política destas empresas, dirigentes da FUNAI e Posteriormente o Programa Waimiri-Atroari (PWA) expulsaram os atores do novo processo iniciado e que denunciavam a violência cometida contra os Waimiri-Atroari.
Com a repercussão internacional das denúncias dos crimes que continuavam sendo cometidos contra os Waimiri-Atroari, o Banco Mundial (que financiava a construção da Hidrelétrica de Balbina) obrigou a Eletronorte a criar um plano de compensações por danos ambientais ao território indígena. O resultado foi a criação do Programa Waimiri-Atroari, que durante os últimos 25 anos (de indigenismo empresarial) atuou como único interlocutor do povo Waimiri-Atroari. Obviamente, nada mais avançou no processo de revelação dos crimes da ditadura militar e o depoimento dos índios foi interrompido. No ano passado, em nota, a Eletrobrás afirmou desconhecer os crimes cometidos contra os Waimiri-Atroari durante a ditadura, ao mesmo tempo, vem alegando que os mesmos não desejavam mais se referir a aquele tempo de sofrimento.
Agora ao findar o PWA (previsto para maio próximo), o Comitê da Verdade, Memória e Justiça do Amazonas propõe:
1º. Realização de uma reunião em Brasília, a ser imediatamente marcada, para avaliar as causas da dificuldade de levantar os dados sobre os crimes cometidos contra os Waimiri-Atroari e pensar estratégias para que se garanta o direito a Verdade a este povo. Para esta reunião devem ser convidados os integrantes do GT de 1985, ou seja, as lideranças Waimiri-Atroari, Mário Paruwe Atroari e Viana Wome Atroari, o ex-funcionário da FUNAI, José Porfírio de Carvalho (atualmente indigenista assessor da Eletronorte), o então delegado da 1ª.DR da FUNAI, Sebastião Amâncio, @s então funcionári@s da FUNAI Egypson Nunes Correia e Ana Lange, o advogado do CIMI, Felisberto Damasceno (atualmente assessor na Câmara Federal), o indigenista do CIMI, Egydio Schwade (atualmente coordenador do Comitê pela Verdade Memória e Justiça do Amazonas e da Casa da Cultura do Urubuí) e o pesquisador do Museu Emílio Goeldi, Stephen Baines (atualmente professor da UNB). São as pessoas ainda vivas e que integraram o Grupo de Trabalho que reencaminhou a política indigenista Waimiri-Atroari em 1985, quando da queda da Ditadura. Todos, menos José Porfírio de Carvalho e Sebastião Amâncio, foram afastados da área quando da criação do Convênio FUNAI-Eletronorte que redundou no PWA, comandado desde então por José Porfírio de Carvalho.
Além dessas pessoas sugerimos a participação de Marta Azevedo (Presidente da FUNAI), Maria Rita Kehl (CNV), Paulo Maldus (Secretaria dos Movimentos Sociais da Presidência da República), Luiza Erundina (Secretária da Comissão VMJ da Câmara Federal), Gilney Viana (Secretaria de Direitos Humanos da Pres. da República), Cleber Busatto (Secretário Executivo do CIMI), Dr. Julio José Araujo Junior, (procurador do MPF do Amazonas encarregado das questões envolvendo direitos indígenas), Gerson da Silva Alves (1º presidente da FUNAI após a ditadura militar) e outras pessoas que eventualmente fossem sugeridas. Pelo Comitê do Amazonas, participariam, além das pessoas já referidas, Wilson Reis (coordenador do Comitê da VMJ do Amazonas e presidente do Sindicato dos Jornalistas do Amazonas), Osvaldo Coelho (Associação dos Docentes da Universidade do Amazonas), Francisco Loebens (do CIMI-Norte I), o Dep. Estadual José Ricardo (PT-AM). E outros que forem sugeridos.
2º. Numa segunda etapa uma reunião igualmente ampla a ser realizada dentro da Terra Indígena Waimiri-Atroari para informá-los sobre a existência e o papel da Comissão Nacional da Verdade e do Comitê Estadual da Verdade do Amazonas bem como do direito que eles têm de que a verdade sobre sua história seja contada.
Por fim, estamos deveras preocupados com o andamento do trabalho da CNV com respeito ao caso Waimiri-Atroari. O relatório do Comitê da VMJ do Amazonas foi o primeiro Relatório Coletivo que a Comissão recebeu, conforme declaração do representante da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, Gilney Viana, na oportunidade da entrega na sede da OAB-Amazonas, no dia 17 de outubro de 2012, portanto, há quase meio ano. Até o momento não recebemos nenhuma informação sobre o andamento desse trabalho em especial ao necessário aprofundamento das investigações a não ser a acusação de recebimento e de que o mesmo estava sendo lido atentamente”.
https://sociedademilitar.com.br
Dados de: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/11/12/comissao-da-verdade-apura-mortes-de-indios-que-podem-quintuplicar-vitimas-da-ditadura.htm e https://amazonia.org.br/2013/09/constru%C3%A7%C3%A3o-de-rodovias-no-governo-militar-matou-cerca-de-8-mil-%C3%ADndios/