O EXERCÍCIO MILITAR NA POLÍTICA BRASILEIRA
… em fase final da Intentona Comunista de 1935: … “o presidente da República, Getúlio Vargas fez questão de visitar pessoalmente a frente de combate e foi levado ao posto de comando do Grupo-Escola, em Deodoro.Nele encontrou, em plena ação guerreira, o capitão Geisel, a quem já conhecia, dirigindo-lhe este comentário:”Mais uma revolução, não é, capitão?” E Geisel lhe respondeu:”Sem dúvida, Senhor Presidente, e esta é das piores…”*
Perdurarão para sempre as indagações, inverdades, até críticas ajuizadas, bem como elogios, verdadeiros ou mascarados, sobre as inúmeras atuações dos militares na tormentosa e poluída política brasileira.
Assim como os eventos históricos mais antigos, desde o início da Independência até o golpe republicano militar-positivista, cuja análise sempre merecerá uma coletânea volumosa e descomprometida com mitos ufanistas, com falsos troféus e com as duvidosas pacificações experimentadas brasis a fora, a controversa matéria sobre o exercício militar na política brasileira no Século XX precisará ser tocada em honesta apresentação das verdadeiras causas de luta, dos erros e vícios, das virtudes e dos benefícios públicos, dos sacrifícios de vidas, das ilusões e desilusões dos nossos velhos generais, dos que já se foram e dos que ainda sobrevivem na velhice, sem o brilho do reconhecimento geral merecido. Tem-se tratado no reino da fantasia atual, da História subvertida por meros informes litigiosos e capciosos, que segue como se fosse uma ovelha negra nacional para o abatedouro político, gerenciado pela mais odiosa mediocridade de uma nomeada comissão partidarista julgadora, nunca dantes vista no País.
Podemos considerar, ao final do Século XIX, com reflexos imediatos no século seguinte, a Revolução Federalista de 1893-1895, aliada à da Armada, como a repetição do desencontro entre o espírito liberal das revoluções históricas, vindas desde a Confederação do Equador e as forças opostas pelo poder imperial unionista, herdado pela recém fundada República. Outrossim, um exemplo merece ser lembrado, como a outra face de uma mesma moeda, foi a visão estratégica política e militar, rediviva do espírito do altíssimo estadismo herdado do Império, ocorrido no frescor republicano de 1903, relacionada à ação separatista acreana estimulada como defensiva contra a Bolívia e sua abertura a investimentos americanos na Amazônia. Viu-se, então, a anexação da República do Acre pelo Brasil como sendo um grande feito do gaúcho Plácido de Castro, sexto presidente do Acre independente, um político, agrimensor e militar, aglutinador das demandas dos seringueiros e da população invasora majoritariamente nordestina naquela área da Amazônia boliviana.
Mas, assim como a negligenciada memória sobre o idealista presidente, entreguista do Acre, a maioria dos vultos militares de monta atuantes no Século XX, estão sendo vistos com lacunas e parcialidade ideológica por falsos intelectuais, jornalistas comprometidos e historiadores por encomenda, em pleno Século XXI.
O fato inconteste é que os antigos marechais e generais que foram sendo feitos antes e até o final da Revolução de 1964, desde o golpe militar contra a monarquia constitucional, tão defendida pela espada do Duque de Caxias e pela Marinha Imperial, pelo generalíssimo que por ironia do destino acabou sendo intitulado como “Patrono do Exército” em plena república, produziram presidentes, revolucionários, o fenômeno insubordinado do “Tenentismo”, as revoluções de 1923, de 27, de 30, de 32, o enfrentamento à intentona comunista de 35 e o apoio nacionalista exacerbado à única ditadura, na verdadeira expressão da palavra, já havida em Pindorama – a getulista do Estado Novo. Depois, a deposição coerente e pacífica do respectivo ditador Vargas em 1945, após o combate da FEB na Itália contra o Eixo. Sua sucessão por eleições livres recaiu sobre a figura militar de Eurico Gaspar Dutra, apoiado pelo trabalhismo getulista. Findo o termo do Marechal Dutra, Getúlio retorna eleito e uma sucessão de acontecimentos traz a pressão civil-militar para sua renúncia, por razões tragicamente inesperadas, resultando em suicídio presidencial bombástico em 1954, legando um testamento político subjetivo e auto glorificador, são episódios que fortaleceram o exercício militar na política brasileira. Tal afirmação, reapareceu com a posse de Juscelino e de seu vice Jango, assegurada pelo Ministro da Guerra diante das insatisfações no meio militar e político e cuja estrela momentânea, compensada com espada de ouro oferecida pela politicagem favorecida, desapareceu na história após sua fracassada eleição presidencial em face da imbatível vitória da dobradinha Jânio-Jango. A presidência de Jânio acabou em renúncia intempestiva e quiçá golpista, culpando as “forças ocultas”, também vagamente denunciadas por Getúlio, deixando seu cargo aberto à crise político-militar, enquanto Jango visitava a China comunista.
O retorno de Jango à Brasília, foi extremamente negociado entre as autoridades militares e o Poder Legislativo da República, oferecendo a Jango a condicionada alternativa parlamentarista de governo. Inconformados com a limitação preventiva imposta a privilégios presidenciais, as forças de apoio a Jango lograram forçar plebiscito nacional, causando o retorno ao presidencialismo, de onde Jango acabou partindo para o exílio de suas fazendas platinas, após sua deposição em 1964. Só voltaria ao Brasil morto e sepultado em seu torrão missioneiro de São Borja.
É fácil entender que os moços vindos do Tenentismo idealista e que chegaram às altas patentes das Forças, com suas diversificadas experiências políticas, culturais e profissionais, adquiridas na penosa travessia de suas carreiras, sujeitos aos riscos e atentos às nefastas peripécias das politicagens que periodicamente assolavam, e que ainda prejudicam a decantada República, o Estado ficção, a Administração caótica constitucionalizada e a Pátria que juraram defender até a morte, enfim, se tornassem, desde então, participantes passivos, ocultos e ou ativos nos recuos e avanços das sístoles e diástoles do conturbado Brasil Uno que habitamos.
Nos dias atuais, tornou-se hábito, inoculado pela intensiva e raivosa subversão intencional dos fatos, das ocorrências decorrentes da deposição do governo federal catastrófico em 31 de março de 1964, chamar-se o movimento civil-militar vitorioso de “Golpe Militar”. Não se faz justiça, nem sequer são citadas, portanto, as forças autonômicas dos Estados Federados envolvidos na preparação e adesão revolucionária civil-militar, como os de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Sta. Catarina e de vários outros, além do imenso apoio popular dispensado ao movimento de 64, com seus experimentados e conhecidos líderes militares para a deposição de um presidente dominado pelas piores agitações das greves gerais, da desordem e da hierarquia militar contestada, patrocinadas sob influências politiqueiras e da corrupção, de pelegos sindicais e de comunistas nacionais e internacionais, em pleno ambiente bipolar desafiador da Guerra Fria.
Os grandes chefes militares das Forças Armadas daquela época e de suas respectivas hierarquias organizadas, já se foram ou estão em merecida aposentadoria. No atual quadro ativo das Forças, temos a maioria dos homens e mulheres que foram incitados ao profissionalismo apolítico pelos próprios líderes da revolução que se autodenominou de organicamente democrática, cognominada pelos vermelhos, pelos simplórios, pelos oportunistas de plantão e pelos que foram ensinados a não saber, de mero “golpe militar”.
Hoje sim, por outro lado, vivenciamos um golpe na tradição militar, costumeira desde a Proclamação da República. Um golpe, que parecia impossível, que estaria afugentando o sebastianismo salvador das intervenções originárias, contra uma sacramentada responsabilidade de custódia republicana e de um poder distinto, nascido de um coup d’étatcontra o regime monárquico e movido por conceitos corporativistas e pela agitação ideológica e radical da seita positivista, já então ultrapassada no Velho Mundo, mas tida na época como “científica” pelo meio acadêmico militar e por alguns civis adeptos da sinistra ditadura da Ordem e Progresso.
Na data de 15 de novembro, aliado aos preconceitos, vingou a xenofobia relacionada à futura sucessão dinástica de direito, o Exército e parte da Marinha então, com auxílio da ausência amedrontada da elite trânsfuga e dos ex-escravagistas prejudicados pelo ato libertador derradeiro de uma possível rainha, D. Isabel, casada com o francês Conde D’Eu, demoliram um colossal império constitucional, com sua população ainda alheia depois boquiaberta diante do desalmado banimento de seu velho e sábio Pedro II. Eis uma passagem que pouco tem merecido estudos complexos de seus efeitos geopolíticos sobre a futura permanência da integridade continental brasileira.
Que não se fale do plebiscito covarde havido após um século de esquecimentos e discriminações, por obrigação dissimulada prometida na constituição republicana, sobre o regime deposto. Tratava-se de um regime dotado de parlamentarismo, com chefes de governo exercido, ora por liberais, ora por conservadores e equilibrado por um poder moderador de um monarca sóbrio, em sistema atípico, vedados os direitos a heranças de títulos de nobreza e que foi golpeado para sempre por seus próprios sentinelas.
Não parece ser, por enquanto, plausível esperar nada revolucionário das atuais Forças. Obedecerão a Presidenta e a Constituição “vigenta”, a não ser diante de um turbilhão bolivariano na edificação doentia da chamada “Pátria Grande”, ou por outro qualquer estado de grande comoção intestina. Enquanto isso, apequenadas, patrulharão espetáculos, cenários urbanos conflituosos, vielas e comunidades dominadas pelo tráfico de drogas e a pedido de governadores, com poderes jugulados pelo Poder Central. Construirão pontes e estradas. Farão pesquisas e estudos tecnológicos. Tornar-se-ão parceiras da Polícia Federal não autônoma e da “SS” experimental petista, chamada de Guarda Nacional de Segurança. E, possivelmente, se deixarem, parceiras de nova polícia geral centralizada, anti-federativa, sediada em Brasília. Mesmo com distrofias orçamentárias, vigiarão a Amazônia com denodo exemplar. Continuarão a ser forças de pacificação internacional aonde os países adiantados não irão jamais, por conta de nossos bolsos e para discutível prestígio internacional de nossos governos medíocres e ladravazes… Estarão sonhando com o cumprimento de um plano estratégico continuadamente prorrogado. E terão, sobre suas cabeças a limitada simpatia de um porta-voz civil gaiato, nomeado como Ministro da Defesa.
Portanto, tornou-se inócuo aglomerar aflições de patriotas diante dos quartéis. Os militares não podem dar o que não tem e se tiverem, talvez, não tenham mais consciência disso. Eles, também, devem ter aprendido a dura lição de que, no cumprimento do dever na defesa da república que ousaram proclamar, não obterão qualquer justo reconhecimento dos beneficiários futuros, sempre mal dotados de memória e ou ensinados a esquecer o que não interessa aos novos donos do poder.
O Brasil republicano, do alto do observatório de sua História, pode ser visto como um campo gigantesco de contradições continentais, onde governados sempre precisaram dos militares para restaurar a ordem e a paz nos intermitentes conflitos dos valores morais de uma insegurança política permanente.
O Gen. Humberto Castelo Branco, cearense, chefe militar com brilho intelectual de primeira grandeza, disse: “As Forças Armadas não podem, se são fiéis à sua tradição, fazer do Brasil uma outra ‘republiqueta’ sul-americana. Se nós adotarmos esse regime, entraremos nele pela força. Haveremos de mantê-lo pela força e sairemos dele pela força”. A lógica permite concluir, que um grave acidente de percurso ocasionado pelo terrorismo deflagrado por atentados, agitações e guerrilhas apadrinhadas por regimes tirânicos do Exterior, adeptos do regime totalitário comunista e de seus eventuais aliados, forçou o governo sucessório de generais a esticar-se, até alcançar a vitória sobre o terrorismo de oposições armadas e adeptas do terrorismo, coroado de êxito com a purgação de uma anistia pacificadora geral irrestrita e suas aberturas democráticas, quando nas tratativas sucessórias apareceu, entre outros, o confiável político de experimentada grandeza moral, o impoluto e resoluto mineiro Tancredo Neves, sendo eleito presidente pelo Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, em seguida vitimado por uma diverticulite, para azar do Brasil. O sucessor, foi o vice José Sarney. O resto, quase todo mundo já sabe. Ou não?
Jorge Ernesto Macedo Geisel (Advogado)
*Extraído de “GEISEL, DO TENENTE AO PRESIDENTE” (Armando Falcão) , PÁG. 95,
Editado para 15 de Novembro de 2014.