Texto publicado por lideranças de esquerda
Um partido para tempos de guerra
Ocupar as ruas, construir uma Frente Popular, mudar a linha do governo e a estratégia do Partido
O Partido dos Trabalhadores está diante da maior crise de sua história. Ou mudamos a política do Partido e a política do governo Dilma; ou corremos o risco de sofrer uma derrota profunda, que afetará não apenas o PT, mas o conjunto da esquerda política e social, brasileira e latinoamericana.
A crise do PT decorre, simultaneamente, de nossas realizações e de nossas limitações.
Tivemos êxito em ampliar o bem-estar social, a democracia e a soberania nacional. E é este êxito que explica termos conseguido vencer quatro eleições presidenciais seguidas.
Mas não fomos capazes de realizar transformações estruturais, que retirassem do grande capital o controle sobre as alavancas fundamentais da economia e da politica brasileira.
Controlando estas alavancas, a oposição de direita, o oligopólio da mídia e o grande capital desencadearam uma ofensiva geral que inclui a desmoralização política e ideológica do petismo, o estímulo à sabotagem por parte de setores da base aliada, a pressão para que o governo aplique o programa dos que perderam a eleição, a mobilização de massas dos setores conservadores, a ameaça permanente de impeachment e a promessa de nos derrotar eleitoralmente em 2016 e 2018.
Frente a esta situação, o 5º Congresso do PT deve aprovar resoluções que permitam ao Partido, ao conjunto de sua militância, executar cinco tarefas principais.
A primeira tarefa é reocupar as ruas. A oposição de direita controla parte importante do Judiciário, do Parlamento e do Executivo, em seus diferentes níveis. Agora está trabalhando intensamente para também controlar as ruas, utilizando para isto sua militância mais conservadora, convocada pelos meios de comunicação, mobilizada com recursos empresariais e orientada pelas técnicas golpistas das chamadas “revoluções coloridas”. Caso a direita ganhe a batalha de ocupação das ruas, não haverá espaço nem tempo para uma contraofensiva por parte da esquerda. Assim, a primeira tarefa de cada petista deve ser apoiar, participar, mobilizar e ajudar a organizar as manifestações programadas pelos movimentos e organizações das classes trabalhadoras.
A segunda tarefa é construir uma Frente Popular. Há várias iniciativas em curso, algumas delas sem o PT e até mesmo contra o PT. Nosso Partido deve procurar as forças que elegeram Dilma no segundo turno presidencial e que defendem as reformas estruturais, propondo a elas que se constitua uma frente popular em defesa da democracia e das reformas. O programa mínimo da Frente Popular deve incluir a revogação das medidas de ajuste recessivo; a reforma tributária com destaque para o imposto sobre grandes fortunas; a defesa da Petrobrás e da industrialização nacional; o combate à corrupção; a ampliação das políticas públicas universais como saúde e educação; a reforma política e a democratização da mídia. A Frente Popular é essencial para derrotar o golpismo e libertar o governo da chantagem peemedebista. Mas o objetivo principal da Frente Popular é lutar por transformações estruturais, sendo para isto necessário construir instrumentos de articulação política e de comunicação de massas que nos permitam enfrentar e vencer o oligopólio da mídia. :
A terceira tarefa é alterar a linha do governo. É plenamente possível derrotar a direita se tivermos para isto a ajuda do governo. É possível derrotar momentaneamente a direita, até mesmo sem a ajuda do governo. Mas é impossível impor uma derrota estratégica à direita, se a ação do governo dividir a esquerda e alimentar a direita. Por isto, o 5º Congresso do PT deve dizer ao governo: que os ricos paguem a conta do ajuste, que as forças democrático-populares ocupem o lugar que lhes cabe no ministério, que a presidenta assuma protagonismo na luta contra a direita, contra o PIG e contra a especulação financeira.
A quarta tarefa é mudar a estratégia do Partido. Se queremos melhorar a vida do povo, se queremos ampliar a democracia, se queremos afirmar a soberania nacional, se queremos integrar a América Latina, é preciso realizar reformas estruturais no Brasil, que permitam à classe trabalhadora controlar as principais alavancas da economia e da política nacional. Para isto, precisamos de uma aliança estratégica com as forças democrático-populares, com a esquerda política e social. Precisamos, também, combinar luta institucional, luta social e luta cultural. Recuperar o apoio ativo da maioria da classe trabalhadora, ganhar para nosso lado parte dos setores médios que hoje estão na oposição, derrotar o grande capital transnacional-financeiro. Isso implica abandonar a conciliação de classe com nossos inimigos.
A quinta tarefa é mudar o próprio PT. O Partido que temos não está à altura dos tempos em que vivemos. Das direções até as bases, é preciso realizar transformações profundas. Precisamos de um partido para tempos de guerra.
O Partido dos Trabalhadores precisa compreender que entre as causas profundas da crise está um impasse político de fundo: nosso sistema político-eleitoral não agrada nem a oposição de direita, nem agrada a esquerda.
A oposição de direita assistiu as atuais regras do jogo permitirem (ou não impedirem) ao PT vencer por quatro vezes a presidência da República.
A esquerda assistiu as atuais regras do jogo permitirem (e estimularem) a formação de maiorias congressuais de centro-direita.
A esquerda tenta resolver este impasse político através de uma reforma política democratizante, Assembléia Constituinte e participação popular.
A direita tenta resolver o impasse via reforma política conservadora, judicialização da política e criminalização da mobilização social.
É neste contexto que deve ser interpretada a onda de violência policial-militar contra a juventude pobre e negra da periferia das grandes cidades. Não se trata de um desvio, mas sim de uma reação organizada de setores da direita.
É também neste contexto que deve ser analisada a mobilização de massas do dia 15 de março. Não se trata apenas de descontentamento “republicano e pacífico”, nem da defesa “legítima” do impeachment. A mobilização da direita visacriminalizar não só o PT e o conjunto da esquerda, mas também a classe trabalhadora e suas mais diversas organizações – sem terras, sem tetos, sindicais, populares etc. Não pode ser outra a leitura do ódio presente nos atos do dia 15 de março.
O impasse político desgasta a esquerda (que não consegue maioria congressual para implementar mudanças) e fortalece a direita (que sonha com utilizar a maioria congressual não apenas para achacar e sabotar o governo, mas também para fazer o impeachment).
O Partido dos Trabalhadores defende que a solução para a crise política passa por mais democracia, não por menos democracia. Por isto reafirmamos nossa defesa da Assembleia Constituinte, da participação popular e da legitimidade dos processos eleitorais. Se a oposição de direita quer nos derrotar, que se organize para disputar as eleições de 2016 e 2018.
Por isto mesmo, o PT defende tolerância zero com a facção golpista da direita. As articulações golpistas, especialmente as vindas de militares da reserva e de meios de comunicação, devem ser tratadas como determina a Constituição e a legislação nacional.
O Partido dos Trabalhadores deve compreender, também, por quais motivos setores importantes da direita – inclusive líderes do porte de Aécio Neves, José Serra, Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso – flertam abertamente com o discurso golpista.
A influência da extrema-direita decorre de um impasse econômico-social de fundo vivido pelo Brasil há várias décadas. Assim como 1954 e 1964 não foram por acaso, o que está ocorrendo agora também não é por acaso.
Toda vez que o Brasil teve governos que adotaram uma política externa soberana, que garantiram progressos na qualidade de vida do povo e certa ampliação nas liberdades democráticas, as classes dominantes reagiram em favor das medidas opostas: dependência externa, restrições às liberdades, desigualdade social.
Hoje vivemos mais um destes momentos de definição entre dois caminhos para o Brasil: ou bem regressamos ao desenvolvimento conservador de viés neoliberal, com dependência externa, restrições às liberdades democráticas e aprofundamento da desigualdade social; ou bem avançamos em direção a um desenvolvimento de novo tipo, democrático-popular e articulado ao socialismo.
O Partido dos Trabalhadores deve compreender, finalmente, que a conjuntura em que vivemos não se limita ao Brasil.
As características fundamentais do atual período internacional são: a) ainda estamos numa etapa de defensiva estratégia do socialismo; b) e sob uma hegemonia capitalista como nunca antes na história; c) por isto mesmo, o capitalismo vive uma profunda crise; d) que por sua vez aguça uma disputa inter-capitalista que vai adquirindo contornos cada vez mais agressivos; e) o que ajuda a entender a reação defensiva expressa na formação de blocos regionais.
No caso do continente americano, há dois projetos de integração regional: de um lado o subordinado aos Estados Unidos, de outro lado a integração autônoma. Projetos simbolizados, respectivamente, pela Alca e pela Celac.
A principal base de apoio da Celac é a Unasul. E a principal base de apoio da Unasul está no tripé Argentina, Venezuela e Brasil. Três países que neste momento estão imersos em crises econômicas e políticas.
“A” causa de fundo da tripla crise é o esgotamento da estratégia seguida, nestes três países, pelos chamados governos progressistas e de esquerda.
Há várias maneiras de explicar este esgotamento: a) os limites do reformismo nos países de capitalismo dependente; b) os limites do progressismo num só país; c) os limites de quem busca fazer reformas sem mudar as estruturas econômico-sociais fundamentais; d) os limites de quem tenta melhorar a vida do povo sem fazer reformas estruturais.
A crise internacional de 2007-2008 acelerou o esgotamento da estratégia seguida no Brasil. Nesse momento, nosso país é o “elo mais fraco” da corrente de governos progressistas e de esquerda na região, entre outros motivos porque melhoramos a vida das classes trabalhadoras, sem elevar de maneira correspondente seus níveis de politização e organização; mantivemos intacto o oligopólio da mídia; e desde 2002 elegemos o PT na presidência da República mas um Congresso onde as forças progressistas são minoritárias. Esta contradição foi agora agravada pelo fato de termos vencido as eleições de 2014 graças à mobilização da esquerda, para logo após o governo implementar um ajuste fiscal recessivo.
Construir uma Frente Popular
É necessário criar uma articulação permanente do conjunto das forças políticas, sociais e culturais que construíram a nossa vitória no segundo turno das eleições de 2014. Partidos e setores de partidos, movimentos sociais, trabalhadores da cultura e intelectualidade democrática devem ser convidados a compor uma grande frente onde possam debater e articular ações comuns, tanto em defesa da democracia quanto em defesa das reformas democrático-populares.
Nos marcos desta articulação, é necessário relançar a campanha pela reforma política e pela mídia democrática, contribuindo para que o governo possa tomar medidas avançadas nestas áreas e para sustentar a batalha que travaremos a respeito no Congresso Nacional.
A eleição de Eduardo Cunha para dirigir a Câmara dos Deputados mais conservadora desde a redemocratização reforça a centralidade da mobilização do campo democrático-popular por um plebiscito oficial que convoque uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político, sem prejuízo de avançarmos em medidas imediatas de uma reforma política popular, como a proibição do financiamento empresarial e a adoção do financiamento público, o fim das coligações nas eleições proporcionais, o voto em listas partidárias, a paridade de gênero, a ampliação dos canais de participação popular, entre outros.
A militância do PT deve ser convocada a participar ativamente da luta pela reforma política, apoiando as iniciativas do movimento social e do partido, particularmente a mobilização da campanha do Plebiscito da Constituinte e a coleta de assinaturas da campanha do PT.
Entretanto, neste momento é fundamental criarmos um centro de unidade em que as três principais campanhas pela reforma política que têm presença do campo democrático-popular – o Plebiscito Constituinte, a Coalizão e o projeto de iniciativa popular do PT – marchem unificadas, preservando suas bandeiras próprias, mas contra o retrocesso da PEC da contrarreforma e pelo “Devolve, Gilmar!”.
A mobilização da sociedade será fundamental para impedir mais um retrocesso no nosso sistema político. Ao mesmo tempo, é o momento oportuno para a presidenta Dilma, os movimentos sociais e partidos de esquerda resgatarem o programa vitorioso das urnas, que defendia uma reforma política democrática e a convocação de um plebiscito oficial para dar voz ao povo nas mudanças do sistema político.
No âmbito desta articulação permanente do conjunto das forças que apoiaram no segundo turno a reeleição de Dilma, devemos aprovar o engajamento coletivo nas mobilizações sociais, a exemplo da jornada convocada pela CUT para abril e a construção do Primeiro de Maio.
Faz-se necessário, também, implementar uma política de comunicação do campo democrático e popular, iniciando pela construção de uma agência de notícias, articulada a mídias digitais (inclusive rádio e TV web), com ação permanente nas redes sociais, que sirva de retaguarda e de instrumento do campo democrático-popular na batalha de ideias, tomando como exemplo o papel cumprido pelo Muda Mais na campanha eleitoral de 2014. Esta agência de notícias deve estar articulada à produção de um jornal diário de massas, criando uma rede com o conjunto das publicações do campo democrático-popular e integrando esta ação de comunicação política com o amplo movimento cultural que está em curso neste país e que foi tão importante no segundo turno. A política de comunicação de que necessitamos se integra à política de cultura e de educação, com o objetivo de criar uma cultura de massas orientada por valores democrático-populares e socialistas, combatendo a crescente ofensiva conservadora no terreno das ideias.
Finalmente, é preciso compreender que a defesa do governo também exige mobilização social. Um exemplo disto são as mobilizações em defesa da Petrobras, do Pré-Sal, do modelo de partilha e da política de conteúdo nacional, contra os ataques da oposição de direita. Nossa base social, como se viu no dia 13 de março, responde favoravelmente a esta convocatória, mesmo que a direção tenha titubeado em sua convocação.
Na articulação permanente do conjunto das forças políticas, sociais e culturais que construíram a nossa vitória no segundo turno das eleições de 2014, o PT defenderá a seguinte plataforma democrática e popular:
a) Reforma política, através de uma Constituinte exclusiva seguida de uma consulta oficial à população, para que esta referende ou não as decisões da Constituinte. Destacamos a luta pelo fim do financiamento empresarial, essencial para combater a corrupção na sociedade, no Estado e nos partidos políticos;
b) Democracia na comunicação, com a Lei da Mídia Democrática e a implantação das principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação de 2009;
c) Democracia representativa, democracia direta e democracia participativa, para que a mobilização e luta social influencie a ação dos governos, das bancadas e dos partidos políticos. O governo precisa dar continuidade à participação social na definição e acompanhamento das políticas públicas e tomar as medidas para reverter a derrubada da Política Nacional de Participação Social, objeto de decreto presidencial cancelado pela maioria conservadora da Câmara dos Deputados no dia 28/10/ 2014;
d) Pauta da classe trabalhadora, onde se destacam o fim do fator previdenciário e a implantação da jornada de 40 horas sem redução de salários, assim como as medidas indicadas por seis centrais sindicais em nota divulgada dia 13/1/2015;
e) As reformas estruturais, com destaque para a Lei da Mídia Democrática, a reforma política, as reformas agrária e urbana, a universalização das políticas de saúde e educação, a defesa dos direitos humanos e a desmilitarização das Polícias Militares;
f) Salto na oferta e na qualidade dos serviços públicos oferecidos ao povo brasileiro, em especial na educação pública, com reformas pedagógicas e curriculares no ensino básico, médio e universitário; no transporte público; na segurança pública e no SUS, sobre o qual reafirmamos nosso compromisso com a universalização do atendimento e o repasse efetivo e integral de 10% das receitas correntes brutas da União para a saúde pública;
g) Ampliação da importância e dos recursos destinados às áreas da comunicação, da educação, da cultura e do esporte, pois as grandes mudanças políticas, econômicas e sociais precisam criar raízes no tecido mais profundo da sociedade brasileira;
h) Proteção dos direitos humanos, defender os direitos e a vida das mulheres, criminalizar a homofobia, enfrentar o racismo e os que buscam criminalizar os movimentos sociais. Afirmamos o compromisso com a revisão da Lei da Anistia de 1979 e com a punição dos torturadores. Assim como com a reforma das polícias e a urgente desmilitarização das PMs, cuja ineficiência no combate ao crime só é superada pela violência genocida contra a juventude negra e pobre das periferias e favelas;
i) Total soberania sobre as riquezas nacionais, entre as quais o Pré-Sal, e controle democrático sobre as instituições que administram a economia brasileira, entre as quais o Banco Central, a quem compete entre outras missões combater a especulação financeira que está por detrás das candidaturas da oposição de direita.
j) Política de desenvolvimento de novo tipo, ambientalmente orientada, articulada com as reformas estruturais (com destaque para as reformas urbana, agrária e tributária) democráticas e populares e com nossa luta pelo socialismo.
É a luta por medidas políticas e diretrizes programáticas desta natureza, amplas, envolventes, de natureza mais social que institucional, que farão a diferença nos próximos quatro anos. E que ajudará a construir as condições para a vitória do campo democrático-popular em 2016 e 2018.
Alterar a linha do governo, rumo a um segundo mandato superior
A vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais de 2014 foi a vitória daqueles que defendem combinar desenvolvimento com democracia, bem estar social, soberania nacional e integração regional.
Contudo, a vitória de Dilma Rousseff foi acompanhada pela eleição de um Congresso nacional mais conservador do que o das legislaturas anteriores, bem como da eleição de governadores vinculados à oposição de direita em estados importantes. Derrotamos o retrocesso, mas nem em 2006, nem em 2010 o campo conservador esteve tão perto de recuperar a Presidência.
Tomado de conjunto, considerando em particular o quadro econômico nacional e internacional, o cenário pós-eleitoral é bastante difícil. A este quadro soma-se a chamada Operação Lava Jato, não apenas por seus efeitos políticos e midiáticos, mas também por seu impacto sobre a Petrobrás, sobre outras empresas e sobre o conjunto da economia.
Em síntese: nas eleições presidenciais de 2014, impedimos o retrocesso que seria causado por uma vitória da oposição de direita, mas não criamos as condições institucionais necessárias para fazer um segundo mandato superior.
Os derrotados na eleição presidencial perceberam isto desde o primeiro momento. Questionaram formalmente o resultado, inclusive propondo uma “recontagem” de votos. Estimularam e participaram de manifestações nas quais setores de ultra-direita pediram por uma ditadura militar, além de exibirem fartamente um criminoso comportamento homofóbico, racista e sexista. Não escondem sua disposição de sabotar e até mesmo interromper o mandato presidencial que ora se inicia. Mantêm intensa pressão política e midiática em favor da aplicação do programa derrotado nas urnas.
Frente a tudo isto, o governo da presidenta Dilma Rousseff teria três opções fundamentais.
A primeira opção seria aplicar integral e imediatamente o programa vitorioso no segundo turno da campanha presidencial.
Esta hipótese, para ser exequível e exitosa, dependeria do governo, do PT e de seus aliados na esquerda partidária e social superarem também integral e imediatamente seus atuais déficits de organização, mobilização e consciência. O que teria como pressuposto a adoção de outra estratégia, não apenas por parte do Partido e aliados de esquerda, mas também por parte da própria presidenta.
A segunda opção seria fazer mediações entre o programa vitorioso nas eleições presidenciais, as debilidades do campo popular, o poderio demonstrado pela oposição de direita, os níveis de infidelidade na chamada base de governo e as circunstâncias difíceis deste início de mandato.
Nesta hipótese, o governo iniciaria a aplicação do programa vitorioso nas eleições, mas num ritmo que permitiria ao próprio governo, ao PT e aos seus aliados na esquerda partidária e social superar seus atuais déficits de organização, mobilização e consciência. Portanto, as mediações visariam ganhar tempo, tempo necessário à criação das condições para transitar da atual estratégia (baseada em melhorar a vida do povo através de políticas públicas) para outra estratégia (baseada em transformar a vida do povo através da combinação entre políticas públicas e reformas estruturais).
A terceira opção seria fazer concessões programáticas aos que perderam a eleição.
Quando falamos de concessões programáticas, não nos referimos principalmente à composição do ministério. Afinal, dada a política de alianças e o resultado eleitoral, era previsível que o ministério do segundo mandato Dilma incluiria personagens incompatíveis com um programa democrático-popular, com reformas estruturais, com transformações mais profundas, como aliás tem sido até aqui.
Quando falamos de concessões programáticas, tampouco nos referimos a aspectos do programa. Pelos mesmos motivos citados no ponto acima, é óbvio que no conjunto das ações do segundo mandato Dilma haveria iniciativas do interesse de aliados de direita e de setores do grande capital.
Quando nos referimos a concessões programáticas, nos referimos a adoção de uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas. Falamos, portanto, de um tipo de concessão que contamina todo o governo, todas as políticas públicas, o conjunto da economia, da sociedade e da política brasileira.
A presidenta Dilma Rousseff escolheu esta terceira opção.
O ajuste fiscal implementado pelos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa vai provocar recessão. A lógica de cortar “despesas” trabalhistas (MPs 664 e 665) e aumentar juros beneficia o setor financeiro e seus sócios, em detrimento do restante da sociedade.
Um país que crescia pouco ou não crescia, necessitava de outro tipo de “ajuste fiscal”. O Brasil necessitava e segue necessitando de um “ajuste fiscal” que transfira recursos da especulação para a produção, da minoria rica para a maioria trabalhadora. Só desta forma será possível combinar a recomposição da indústria – sem a qual não há crescimento nem desenvolvimento – com a ampliação do bem estar social.
A opção pelo ajuste fiscal através de medidas recessivas não é novidade no Brasil. Agora, como nos 1980 e 1990, seus defensores argumentam que reduzindo os ganhos dos trabalhadores, espera-se que os capitalistas se vejam estimulados a investir. Com isso a economia voltaria a crescer e no final “todos ganhariam”, ainda que alguns mais do que os outros.
Todos sabemos quais foram os efeitos deste “modelo” nos anos 1980 e 1990, no Brasil. E todos estamos vendo sua aplicação produzir um desastre político e social em parte da Europa.
Evidente que Nelson Barbosa e Joaquim Levy são obrigados, ao implementar este “modelo”, a levar em consideração certos limites impostos pela presidenta, que assumiu compromissos públicos no processo eleitoral, não apenas com seus eleitores, mas com a tão citada nação brasileira.
Entretanto, os seguidos aumentos da taxa de juros; o veto ao reajuste da tabela do IR; as alterações previstas nas MP 664 e 665; a decisão de não vetar o artigo 143 da Medida Provisória 656/2014, que permite investimentos estrangeiros nos serviços de saúde; e a proposta de abertura do capital da Caixa Econômica Federal revelam que os limites impostos pela presidenta tendem a ser atropelados pela lógica global das medidas.
A opção por uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas está tornando a situação mais perigosa do que já era: a) uma conjuntura por si já extremamente complexa; b) os efeitos das medidas recessivas citadas; c) uma oposição que continua belicosa, estimulada por d) uma mídia que interpreta as medidas do governo como prova de que tinham razão no debate eleitoral; e) demandas políticas e sociais pendentes, especialmente de políticas urbanas e agrárias; f) importantes movimentos sociais – com destaque para a CUT e outras centrais sindicais – convocando mobilizações contra as medidas do governo; g) dúvidas, confusão e conflitos em segmentos crescentes da base eleitoral, social e militante que elegeu a presidenta Dilma.
Todos sabíamos que o segundo mandato Dilma Rousseff seria um governo em disputa, como foram os dois mandatos de Lula e o primeiro mandato de Dilma. Portanto, estava óbvio que seria necessária forte mobilização, tanto para apoiar o governo contra a direita e o grande capital, quanto para enfrentar determinadas políticas resultantes de um governo de coalizão – o que nos obrigaria a reforçar o PT e a construir uma frente orgânica com os aliados da esquerda partidária e social, em defesa das reformas estruturais.
Mas a opção por uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas ameaça mudar perigosamente os termos da equação. Pois uma coisa é mobilizar contra aspectos da política do governo, ao mesmo tempo que se concorda com o fundamental; e outra coisa profundamente diferente é mobilizar contra aspectos fundamentais da política do governo, contra concessões programáticas centrais que o governo faz ao grande capital e à direita.
Noutras palavras: a opção feita pela presidenta Dilma Rousseff, a favor de uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas coloca o Partido dos Trabalhadores e o conjunto da esquerda que nos ajudou a vencer as eleições de 2014 frente a uma encruzilhada extremamente perigosa e totalmente desnecessária.
A preocupação é reforçada pela matemática da política. Ocorre que não atuamos na correlação de forças de 2002, 2006 ou 2010. Estamos nos marcos da correlação de forças de 2014, o que significa dizer que relativamente pequenas defecções em nossa base podem nos levar a uma derrota global.
Não se trata de atribuir ao governo estrito senso a solução dos problemas estratégicos, como se estes fossem resolvidos através de atos administrativos como a substituição de ministros, embora isto também deva ser feito, especialmente nas áreas da Fazenda, Cidades e Agricultura.
Entretanto, há problemas cuja solução depende no fundamental de políticas de governo. Entre estas destacamos três: mudar a política econômica, democratizar a comunicação e realizar a reforma política.
Uma das condições de êxito de nosso projeto é a retomada do crescimento econômico, com ênfase no fortalecimento da capacidade industrial do Brasil.
Trata-se de reverter o quadro de desindustrialização e desnacionalização, construindo uma forte cadeia de empresas estatais e públicas nos setores econômicos estratégicos, para induzir o crescimento a partir de uma perspectiva de desenvolvimento democrático e popular.
Em termos práticos, isso demanda: 1) redução nas taxas de juros, para estimular investimentos produtivos; 2) taxas de câmbio administradas, que elevem a competividade dos manufaturados brasileiros no mercado internacional e não prejudiquem a importação de bens de capital para a indústria; 3) reforma tributária que taxe fortemente o capital entesourado e as heranças, estimule o capital produtivo e desonere os rendimentos do trabalho; 4) aplicação firme das leis contra a formação de cartéis, oligopólios e monopólios; 5) criação de empresas estatais que induzam os setores privados, principalmente médios e pequenos, a produzir ciência, tecnologia e inovação, adensar as cadeias produtivas nacionais e realizar um crescimento ampliado da produção industrial e agrícola; 6) ampliar a produção de alimentos, através de mudanças na política agrícola e na estrutura agrária; 7) melhorar as condições de vida da maior parte da sociedade, especialmente fortalecendo econômica, política e culturalmente a classe trabalhadora assalariada.
A história demonstra que, nos momentos de crise como os que vivemos, é o Estado que deve tomar a iniciativa de comandar o processo de manutenção e ampliação dos investimentos necessários. Motivo pelo qual reafirmamos nossa defesa do caráter público da Caixa Econômica Federal e nossa exigência por uma redução expressiva e imediata da taxa de juros.
Nos últimos anos, o governo brasileiro esforçou-se para impedir que o impacto da crise internacional atingisse os setores populares. Isto teve um alto custo fiscal, criando dificuldades orçamentárias neste início do segundo mandato Dilma Rousseff. Estas dificuldades fiscais devem ser enfrentadas, principalmente, através da redução da taxa de juros, do imposto sobre as grandes fortunas, da revisão de subsídios e isenções, da progressividade no imposto de renda e das demais medidas tributárias que façam os ricos deste país pagarem a conta necessária para superar a crise e retomar o crescimento.
Além disso, coerente com o compromisso firmado pela presidenta Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral, de manutenção dos direitos sociais e trabalhistas, o Governo deve retirar as MPs 664 e 665.
A mudança na política econômica – entendendo por isto abandonar a lógica do ajuste fiscal recessivo e trilhar o caminho da industrialização com soberania nacional e sustentabilidade ambiental – exigirá uma imensa batalha política.
Este momento de crise exige e é propício para um salto qualitativo no modelo de desenvolvimento nacional, com ênfase na inovação e na sustentabilidade. Por exemplo: o planejamento de longo prazo, inclusive no que diz respeito aos serviços ambientais no meio urbano e rural, articulados num programa de desenvolvimento sustentável, é a saída para enfrentar o ciclo recessivo e a “crise hídrica” causada não pela natureza, mas pela ação e inação de governos como o de São Paulo.
Um programa socioambiental federal para preservação dos solos, das águas, do clima e da biodiversidade, construído no mesmo espírito de urgência e solidariedade que orientou o Mais Médicos, repercutirá na economia, geração de renda e qualidade de vida para toda população. Sanear, reciclar, implantar energias limpas e com menos dependência de combustíveis fósseis, reduzir desmatamentos e emissões de carbono mitigará os efeitos das crises relacionadas às mudanças climáticas e terá impacto sobre os custos financeiros de outros serviços públicos, como a saúde, por exemplo. Evidentemente isso implica em subverter a timidez das políticas do Ministério do Meio Ambiente, bem como o redirecionamento das políticas do conjunto nas diversas pastas do governo com o mesmo foco. Uma política global de Estado que supere a usual compartimentação, favoreça e estimule o cumprimento dos Acordos internacionais sobre este tema.
Aos céticos quanto à uma guinada de tal envergadura, há que se responder que se o governo foi capaz de mover-se em direção ao programa adversário, poderá fazê-lo no sentido inverso, se estiver convencido de que disto dependerá não apenas sua capacidade de sobrevivência política, mas principalmente os destinos do Brasil.
Nossas chances maiores ou menores de êxito nesta batalha dependem de alterações imediatas na política de comunicação. Quando fala de Pátria Educadora – sem entrar no mérito do nome utilizado ou das concepções pedagógicas envolvidas – a presidenta Dilma de fato enfatiza a formação da mão de obra. Sem em nenhum momento reduzir a importância da elevação do nível educacional técnico e profissional do conjunto da população brasileira, entendemos que é necessário abordar de outra forma o problema.
Não haverá mudança social profunda no Brasil, se isto não for acompanhado por uma mudança cultural na visão de mundo da maioria da população brasileira. Necessitamos tornar hegemônicos os valores democráticos, populares e socialistas. Mas o que temos assistido desde 2003 é uma reação das ideias conservadoras em todos os terrenos. Isto se deve, em parte, ao fato de que não houve nenhuma mudança estrutural no terreno da cultura, da educação e da comunicação. Ao contrário: o grande capital e a direita não apenas mantiveram como ampliaram sua ofensiva em cada um destes terrenos.
Cabe, em parte, ao governo alterar esta situação. No terreno da Cultura, trata-se em primeiro lugar de superar o modelo baseado na Lei Rouanet. No terreno da Educação, de combinar a ampliação de vagas com o fortalecimento do setor público, a valorização do profissional da educação e a mudança no projeto pedagógico. No terreno da comunicação, trata de apoiar a aprovação da Lei da Mídia Democrática e implementar as principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação de 2009.
A democratização das comunicações favorece a produção e veiculação livre de conteúdos independentes. A regulamentação e o controle social da mídia reduzem a manipulação das notícias. Por isso as empresas de comunicação que dominam o mercado têm reagido atacando o governo. Este, por sua vez, evoluiu de uma posição liberal — que confiava no “controle remoto” — para a defesa da regulação econômica, que pode levar à quebra do oligopólio.
Entretanto, é preciso ir além e rápido: mudar o conjunto da política de publicidade; apoiar a mídia democrática; e adotar uma postura ofensiva, da parte do governo, na comunicação com a sociedade.
O PIG tenta desqualificar as propostas de controle social da mídia como se fossem censura, parte de uma manobra para encobrir escândalos de corrupção. As empresas que atuam na área tentam aparecer como campeões da “liberdade de expressão”, não apenas para disfarçar suas manipulações, leviandades e calúnias, mas principalmente para ocultar o fato de que oligopólio é quem pratica a censura. Por tudo isto, a comunicação governamental não pode continuar sendo um assunto de agências publicitárias. Para defender com êxito o governo, é preciso que o próprio governo se defenda adequadamente.
O centro da questão está em entender que o governo é uma instituição política, não apenas administrativa. Este é, aliás, o único aspecto racional do ataque que a direita faz contra o chamado e mal denominado bolivarianismo.
Em outros governos progressistas e de esquerda latino-americanos, compreende-se claramente que o papel do governo é não apenas administrar, é também liderar politicamente. Já em setores da esquerda brasileira, prevalece uma visão administrativista e tecnocrática.
As manifestações massivas de 2013 levaram a presidenta Dilma a defender a necessidade de uma profunda reforma política. O tema voltou a ser defendido na campanha eleitoral e no discurso de posse da presidenta, apontando como pontos centrais as formas de financiamento das campanhas eleitorais, as regras eleitorais e os mecanismos de interlocução com a sociedade e os movimentos sociais. Mas há um visível recuo na defesa da Constituinte e do Plebiscito. Não há compromisso com a defesa explícita do fim do financiamento empresarial, do voto em lista, do fim das coligações proporcionais, da paridade de gênero etc.
Se o governo não impulsionar com firmeza a mobilização em favor destas mudanças concretas, restará apenas o protagonismo dos partidos e movimentos democrático-populares para se contrapor ao “protagonismo” do Congresso, com o risco de ser aprovada uma contrarreforma conservadora, a exemplo do “distritão” do PMDB.
Atualmente, os principais projetos ou campanhas que tratam da reforma política são os seguintes:
* PDL 1508/2013 – projeto de decreto legislativo apresentado pela campanha do Plebiscito da Constituinte e subscrito por mais de um terço dos deputados na Câmara. Também foi protocolado outro projeto com o mesmo teor no Senado Federal. Dispõe sobre a convocação de um plebiscito oficial com a mesma pergunta do plebiscito popular de setembro de 2014: “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político?”
*PEC 352/13 – proposta de emenda constitucional elaborada pelo GT da Câmara dos Deputados, cujo relator foi o ex-deputado Cândido Vaccarezza. Foi retomada por Eduardo Cunha nas últimas semanas e constitucionaliza o financiamento empresarial da política, uma modalidade de voto distrital, o voto facultativo, o fim da reeleição para cargos no Executivo, a coincidência das eleições em todos os níveis, a criação de cláusula de barreira, a unificação do prazo mínimo de filiação para a elegibilidade em seis meses, entre outros retrocessos.
*Formulário do abaixo-assinado do projeto de iniciativa popular de reforma política do PT. Consta os quatro principais pontos defendidos pelo partido: 1) financiamento público exclusivo de campanhas políticas; 2) Voto em lista preordenada para os parlamentos; 3) Aumento compulsório da participação feminina nas candidaturas; 4) Convocação de Assembleia Constituinte exclusiva sobre Reforma Política.
*Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4650), de iniciativa da OAB, questiona o financiamento de empresas aos partidos políticos e nas campanhas eleitorais. Já reúne maioria de 6 votos a 1 a favor da proibição do financiamento empresarial, mas desde abril de 2014 o ministro Gilmar Mendes pediu vistas da ação e não devolve para terminar o julgamento.
*Projeto de Lei da Coalização pela reforma política democrática e eleições limpas (PL 6316/13). Impulsionada pela OAB, CNBB e outros movimentos, tem como principais eixos: 1) “financiamento democrático” de campanha (proibição da doação empresarial e doação de pessoa física em até R$ 700); 2) Eleição proporcional em dois turnos (1º no partido, depois no candidato); 3) Paridade de gênero na lista pré-ordenada e 4) ampliação dos instrumentos de democracia direta.
Desde a eleição de Eduardo Cunha, estamos sofrendo uma ofensiva da direita no debate da reforma política. Na verdade, a direita mudou de tática sobre o tema. Se antes atuava para impedir a aprovação dos projetos da esquerda no Congresso Nacional, agora quer aprovar sua própria proposta de reforma política.
Como um de seus primeiros atos, o novo presidente da Câmara submeteu e o plenário da Câmara aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional 352/13, a PEC Vaccarezza/Henrique Alves, que estava até então na Comissão da Constituição e Justiça.
Desde 2013, o PT e a sua bancada têm posição contrária à PEC por considerá-la uma contrarreforma política.
Para incidir nas próximas eleições, a direita trabalha com a meta de aprovar a contrarreforma no Congresso até o final de setembro e atua em jogo combinado com o ministro do STF Gilmar Mendes, que segura há 11 meses uma Ação de Inconstitucionalidade (ADI 4650) de iniciativa da OAB que proíbe o financiamento empresarial.
No STF, a ação já alcançou a maioria de 6 a 1 favorável à proibição. No entanto, se a PEC da contrarreforma for aprovada neste meio tempo, constitucionalizando o financiamento empresarial, corremos o risco da ação ser prejudicada. Daí a importância do movimento “Devolve, Gilmar”.
Como já dissemos, a vitória de Dilma Rousseff foi acompanhada pela eleição de um Congresso nacional mais conservador do que o das legislaturas anteriores, bem como da eleição de governadores vinculados à oposição de direita em estados importantes.
A oposição de direita pretende aprofundar sua hegemonia institucional, nas eleições municipais de 2016 e nas eleições gerais de 2018.
Frente a isto, o Partido deve abandonar o discurso de que “a oposição não aceita que a eleição acabou” e adotar um discurso que explique ao povo brasileiro o que está em jogo, a importância de se organizar nos movimentos populares e instrumentos de luta dos trabalhadores e das trabalhadoras e de apoiar os governos e parlamentares vinculados à esquerda, a necessidade de pressionar os parlamentos e governos de direita e a inevitabilidade de novos confrontos eleitorais em 2016 e 2018.
A atenção dedicada pelo PT aos rumos do governo Dilma Rousseff não pode nos levar a deixar de lado o acompanhamento dos governos estaduais e municipais, com destaque para aqueles encabeçados pela esquerda, especialmente pelo PT.
Neste contexto, ressaltamos a importância do governo de Minas Gerais no desmascaramento do modo tucano de governar.
Também neste contexto, manifestamos nosso repúdio à chacina ocorrida recentemente em Salvador, Bahia, praticada por policiais militares, frente a qual nosso governador adotou uma postura absolutamente tradicional, que banaliza a guerra que está sendo praticada contra a juventude negra e pobre. Para além do conteúdo, certas declarações feitas pelo governador – comparando os PMs a jogadores de futebol – foram de uma infelicidade atroz. Ao mesmo tempo que nos somamos aos que protestaram, exigindo investigação e punição, reafirmamos nossa defesa da desmilitarização das Polícias Militares. E cobramos um posicionamento do conjunto do PT e da área de direitos humanos do governo federal.
Manifestamos, ainda, a necessidade de apoiar o governo estadual do Maranhão, no desmonte da oligarquia Sarney.
Finalmente, ressaltamos a importância do êxito da gestão encabeçada por Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo. Neste sentido, é preciso impedir que se repitam – agora e em 2016 – os erros táticos que nos levaram a uma derrota nas eleições 2014 em SP.
Embora a tática eleitoral em 2016 tenha aspectos locais, cabe ao Partido definir os parâmetros nacionais do processo, em torno das seguintes diretrizes: apoio ao governo Dilma, defesa de uma plataforma de aprofundamento das mudanças e prioridade para os partidos de esquerda nas alianças.
É necessário, também, o acompanhamento dos governos municipais e estaduais vinculados à oposição.
Um exemplo da tática frente aos governos de direita é a mobilização ocorrida no Paraná, contra as políticas neoliberais de desmonte do Estado, de precarização dos serviços públicos e de cortes nos direitos de servidores, promovidas pelo governador tucano Beto Richa.
Um contraexemplo é a ausência do PT (até o momento em que escrevemos este texto) em mobilizações frente ao descalabro hídrico causado pelo governo tucano de Alckmin.
Para além dos governos, é preciso atenção para os parlamentos, com destaque para o Congresso Nacional.
O resultado da eleição da presidência da Câmara dos Deputados confirma a predominância do conservadorismo e do fisiologismo entre os parlamentares eleitos em 2014.
A vantagem obtida por Eduardo Cunha, vitorioso no primeiro turno com 267 dos 513 deputados, demonstra a necessidade de outro tipo de governabilidade, que não se iluda com a chamada “base do governo”.
Neste congresso conservador e sob a presidência de Eduardo Cunha, temas como a reforma política, a lei da mídia democrática, a punição dos crimes da ditadura militar, o combate à corrupção e mesmo a cassação do deputado Jair Bolsonaro só terão chance de êxito se houver intensa pressão social.
Neste contexto, setores do Partido defendiam uma composição com a candidatura de Eduardo Cunha. E criticam a opção feita pela bancada, de lançar a candidatura de Arlindo Chinaglia. Os defensores desta proposta seguem não entendendo o quadro político brasileiro e a necessidade de mudar de tática e de estratégia. Continuam acreditando que mais vale um péssimo acordo do que uma boa briga.
A bancada do PT na Câmara dos Deputados agiu corretamente. Poderíamos ter vencido, se a composição do ministério e a atitude do conjunto do governo tivesse sido outra. Mas sabíamos, desde o princípio, que era grande a chance de derrota. E ainda assim era fundamental ter candidatura. Em primeiro lugar porque são nulas as chances de composição com o que Eduardo Cunha representa, salvo ao preço da descaracterização mais abjeta do PT. Em segundo lugar, por demonstrar quem efetivamente combate as práticas fisiológicas, corruptas e antipopulares. Em terceiro lugar, para sinalizar aos setores democráticos da sociedade e do próprio Congresso Nacional a necessidade de uma nova tática, seja para combater as tentativas de retrocesso – com destaque para a contrarreforma política – que o novo presidente da Câmara dos Deputados busca implementar, seja para lutar por nossa plataforma democrática e popular.
Embora menos dramático, o quadro no Senado tampouco é tranquilo. Sem mobilização social, a força da direita na institucionalidade não apenas sufocará qualquer chance de aprofundar as mudanças no país, como provocará retrocessos.
Mudar a estratégia do PT
Evidente que os atos iniciais de um governo não obrigatoriamente determinam seu desfecho. Neste sentido, é bom lembrar que os dois mandatos de Lula e o primeiro mandato de Dilma fizeram concessões ao grande capital, à oposição de direita e ao oligopólio da comunicação. Isto foi especialmente evidente nos períodos em que o ex-ministro Palocci ocupou posições de destaque, tanto no primeiro mandato de Lula quanto no primeiro mandato de Dilma.
As concessões feitas ao grande capital, à oposição de direita e ao oligopólio da comunicação faziam parte de uma estratégia melhorista, que visava melhorar a vida do povo através de políticas públicas, não de reformas estruturais. Esta estratégia melhorista é profundamente diferente da estratégia que o PT construiu e aplicou nos anos 1980 e em parte dos anos 1990. Naquele período, a estratégia do PT visava melhorar a vida do povo combinando políticas públicas e transformações estruturais de natureza democrático-popular, articuladas com a luta pelo socialismo.
Esta alternativa democrático-popular e socialista negava a conciliação de classes, considerava que a classe capitalista era nossa inimiga estratégica e afirmava a necessidade de grandes conflitos e rupturas, em que só teríamos êxito se soubéssemos combinar atuação partidária, grandes batalhas culturais, luta social e ação institucional.
Depois das eleições de 1989, frente ao efeito combinado da ofensiva neoliberal e da “crise do socialismo”, amplos setores do PT abandonaram a estratégia democrático-popular e socialista, adotando em seu lugar a estratégia melhorista, primeiro numa versão crítica ao neoliberalismo e defensora de uma aliança com os setores produtivos do grande capital; e depois na versão social-liberal da “Carta aos Brasileiros” (2002), que fazia concessões diretas ao capital financeiro e transnacional. O principal argumento em favor desta estratégia melhorista sempre foi o da correlação de forças. Acreditava-se que este caminho seria menos conflituoso e dispensaria rupturas, pois afinal de contas não estaria em questão fazer transformações estruturais. Pelo mesmo motivo, ampliou-se ao centro e à direita o nosso arco de alianças e a nossa ação coletiva foi concentrando-se nas instituições, deixando de lado grande parte da antiga ênfase acerca do papel estratégico da vida partidária, da luta social e da batalha cultural.
A história dos últimos 12 anos, entretanto, revela que enquanto a esquerda moderava sua estratégia, os setores hegemônicos da direita e do grande capital radicalizaram sua oposição. Para tais setores, trata-se de impedir que o povo melhore de vida por ação do Estado. E, por isso, quando nosso governo introduz políticas públicas vigentes em países da Europa, aqueles setores da direita e do grande capital reagem como se estivéssemos promovendo uma revolução socialista. Demonstrando algo que o PT dizia nos anos 1980: a conciliação de classes servia ao pacto das elites, não aos interesses democráticos e populares.
Para os setores hegemônicos da direita e do grande capital, pouco importa o que façamos, importa quem somos, o que expressamos como projeto de sociedade. Por isto, trabalham para destruir o PT e o conjunto da esquerda. Neste contexto, insistir numa estratégia que a realidade vem superando, não é apenas um erro: é um suicídio.
Implementar, mesmo que parcialmente, o programa dos derrotados na eleição contribui para confundir, desorganizar e dispersar as forças que venceram as eleições presidenciais de 2014, facilita as operações de sabotagem implementadas pela oposição de direita e também por setores da base do governo, não ajuda a bloquear eventuais tentativas de interromper nosso mandato, além de criar um ambiente favorável aos que desejam nos derrotar nas eleições de 2016 e 2018.
Por isto precisamos mudar a estratégia.
A política adotada pelo PT em sua primeira década de existência, especialmente a partir do 5º Encontro Nacional (1986), foi baseada no programa democrático-popular e socialista e numa estratégia que articulava luta social, luta institucional, disputa politico-cultural e organização partidária.
Entretanto, depois da derrota sofrida nas eleições de 1989, um setor importante do Partido entendeu que era necessário mudar de programa e de estratégia.
Houve resistências e uma intensa luta interna entre 1990 e 1995. A partir de então e até 2005, houve uma expressiva maioria no Diretório Nacional e nos diretórios estaduais a favor de um novo programa e de uma nova estratégia.
A partir de 1995, o objetivo programático do Partido, que até então era derrotar o capitalismo e construir o socialismo, foi colocado (de fato) em segundo plano. O objetivo programático do Partido passou a ser (de fato) derrotar o neoliberalismo, o que implicava não mais iniciar uma transição socialista mas sim administrar um capitalismo não-neoliberal.
Isso significou, na prática, que embora o socialismo tenha continuado de direito nosso objetivo programático, foi convertido num “horizonte”, que como já se disse, se afasta na exata proporção em que dele nos aproximamos. E como o caminho é longo e cheio de pedras, ao perseguir este horizonte supostamente inatingível alguns começaram a dizer que o socialismo na verdade seria democracia + bem estar social + economia de mercado.
À medida que o objetivo programático passou a ser derrotar o neoliberalismo, setores do grande capital passaram a ser considerados aliados estratégicos. Em função disto, passamos a realizar cada vez mais alianças com partidos de centro e direita, que expressavam exatamente os interesses daqueles setores da burguesia.
Como o grande capital brasileiro é hegemonizado pelo setor financeiro e monopolista, setores do Partido passaram a defender e a praticar alianças com estes setores, ou seja, exatamente com os setores beneficiários e interessados no neoliberalismo que supostamente se pretendia derrotar. E, em consequência disto, começaram a propor e a realizar alianças inclusive com o PSDB.
A mudança no objetivo programático e nas alianças foi acompanhada por mudanças na política de acúmulo de forças e de conquista/construção do poder.
Até 1995, nosso caminho para o poder incluía participar das eleições e exercer mandatos. Mas a luta institucional era um dos meios, não o único meio e nunca o fim. A luta institucional era considerada parte de uma estratégia que incluía também a luta e organização social, a construção de uma aliança orgânica entre as forças democrático-populares, a disputa ideológica, cultural, de visões de mundo, bem como a organização do próprio PT como partido de massas.
Mas ao longo dos anos 1990, especialmente a partir de 1995, a luta institucional foi progressivamente se tornando “a” estratégia, que subordinava e na prática às vezes substituía os demais aspectos.
A mudança no objetivo programático, na política de alianças, na política de acúmulo de forças, na via de conquista/construção do poder não impediram a nossa vitória nas eleições presidenciais de 2002. Aquelas mudanças estratégicas tampouco impediram que nossos governos federais, estaduais e municipais melhorassem a vida do povo.
Mas com o passar do tempo foi ficando cada vez mais claro que a estratégia adotada entre 1995 e 2005, além de não conduzir ao socialismo, possuía também “defeitos de fabricação” que impediam atingir seus próprios objetivos.
Afinal, para continuar melhorando a vida do povo, ampliando a democracia e a soberania nacional, é preciso fazer reformas estruturais. Na ausência de reformas estruturais, a tendência é o retrocesso nas condições de vida do povo e a retomada de uma hegemonia de tipo neoliberal.
E para fazer reformas estruturais, necessitamos de força política e social, já que tais reformas de caráter democrático-popular contrariarão os interesses das classes dominantes no plano nacional e internacional.
Por outro lado, chegamos ao governo, mas não conquistamos o poder. E aqueles setores políticos e sociais que detêm o poder estão cada vez mais ameaçando nossa continuidade no governo, como fica claro ao compararmos os resultados das eleições presidenciais desde 2002 até 2014.
Acontece que a estratégia adotada pelo PT desde 1995 visava e visa conquistar o governo e mudar as ações de governo. Não é e nunca foi uma estratégia de poder, de disputa de hegemonia e ampliação do apoio político e social para o Partido, de reformas estruturais. Por isto, seguir adotando esta estratégia nos levará, na prática, inapelavelmente, a administrar o retrocesso do que fizemos desde 2002 e ajudar em nossa própria derrota, nas eleições e/ou fora delas.
Noutra palavras: a estratégia majoritária no PT entre 1995 e 2005 nos trouxe até certo ponto. Talvez pudéssemos ter chegado até aqui com outra estratégia, talvez não. Independentemente disto, para seguir adiante nosso Partido precisa construir outra estratégia.
Uma estratégia que reconheça que só é possível continuar melhorando a vida do povo se fizermos reformas estruturais. Que construa as condições políticas para fazer reformas estruturais. Que recoloque o socialismo como objetivo estratégico. Que constate que o grande capital é nosso inimigo estratégico. Que não acredite nos partidos de centro-direita como aliados. Que seja baseada na articulação entre luta social, luta institucional, luta cultural e organização partidária. Que retome a necessidade do partido dirigente e da organização do campo democrático-popular.
Em 2005 já havia ficado clara a necessidade desta nova estratégia. Mas o que resultou do PED daquele ano foi a eleição de uma nova direção partidária comprometida com algumas mudanças na implementação da estratégia, mas não comprometida com a adoção de uma nova estratégia.
Embora limitadas, as mudanças realizadas entre 2006 e 2010 melhoraram o ambiente no Partido, contribuíram para que o governo Lula fizesse uma inflexão à esquerda e nos permitiram vencer as eleições presidenciais de 2006 e 2010. Mas a estratégia continuou a mesma. Aliás, alguns setores interpretaram os resultados positivos da inflexão iniciada em 2005 como demonstração de que não era necessário mudar de estratégia.
As consequências deste erro ficaram claras em junho de 2013, nas eleições de 2014 e neste início do segundo mandato de Dilma. Ao não mudar a estratégia, enfrentamos seus efeitos colaterais. Ao não mudar a estratégia no momento adequado, somos obrigados a tentar a alteração quando é mais difícil fazê-lo.
É importante lembrar, a respeito, que no PED de 2013 alguns setores do PT se recusaram a fazer qualquer debate político estratégico. Hoje estamos pagando o preço por isto.
Embora o estilo predominante no atual governo possa agravar as coisas, os impasses estratégicos atuais não decorrem principalmente das ações (e inações) da presidenta Dilma. As escolhas estratégicas feitas pelo PT, ou pela maioria do Partido, foram anteriores ao ingresso de Dilma no Partido. E as opções feitas pelo governo neste primeiro bimestre de 2015 têm a mesma genética das opções feitas por Lula no biênio 2003-2004.
A diferença é que as condições da luta de classe mudaram completamente. O cenário internacional foi alterado, o grande capital mudou de atitude, os setores médios e parcelas crescentes da classe trabalhadora também mudaram sua atitude frente ao nosso PT e aos governos que encabeçamos. Ou seja: se é verdade que a atual estratégia oferecia seus ônus e seus bônus, agora os bônus estão desaparecendo e os ônus agigantaram-se.
Para construir uma saída para esta situação, para convencer a maioria da classe trabalhadora brasileira de que entramos numa fase em que será necessária outra estratégia, é preciso convencer em primeiro lugar o nosso próprio Partido.
Convencer a nós mesmos, ao PT, de que precisamos sair da situação atual, em que buscamos melhorar as condições de vida do povo nos marcos do capitalismo, para uma nova situação, em que melhoraremos as condições de vida do povo através de reformas estruturais democrático-populares e de medidas de tipo socialista.
Só retomaremos a condição de partido hegemônico no governo, se nos dispusermos a conquistar/construir as condições para sermos partido hegemônico no poder de Estado.
Quando defendemos a necessidade de realizar reformas estruturais, de resolver os problemas na raiz, portanto de radicalizar, é comum sermos contestados da seguinte forma: a correlação de forças é pior hoje do que em 2003. Se então não radicalizamos, como fazê-lo com êxito nas condições atuais?
Nossa resposta é: não desconhecemos as condições difíceis, sabemos os riscos envolvidos e ninguém pode garantir êxito.
Mas estamos naquela situação em que uma política recuada é mais arriscada do que uma política ousada. Dito de outra forma: quando nossos inimigos estão recuados, temem a nossa força e estão dispostos a fazer acordos, os acordos podem até trazer alguns benefícios. Mas quando os inimigos estão em plena ofensiva, buscando efetivamente nos liquidar, os acordos e recuos geralmente têm como resultado fortalecê-los ainda mais e facilitar esse objetivo, ao tempo que confundem e desmoralizam nosso lado.
Evidentemente, uma política ousada só terá êxito se basear-se nas condições potenciais de mobilização, organização e consciência das classes trabalhadoras. O segundo turno das eleições de 2014 mostrou que é perfeitamente possível sair de armadilhas políticas, convocando a imensa energia social que temos acumulada. E o início do segundo mandato demonstra que desconhecer esta energia acumulada e adotar como regra fazer concessões aos inimigos tem como resultado perder apoios e reforçar ódios (como demonstram recentes pesquisas).
Mudar o PT: um partido para tempos de guerra
A experiência histórica, tanto nacional quanto internacional, vem demonstrando que a continuidade do capitalismo implica em sofrimentos cada vez mais intensos e em crises cada vez mais perigosas para a imensa maioria da população de nosso planeta.
Por outro lado, este mesmo capitalismo criou as bases para a construção de outro tipo de sociedade, uma sociedade baseada na produção coletiva e na propriedade social dos meios de produção, uma sociedade onde os trabalhadores e as trabalhadoras decidam democraticamente o quê produzir, como produzir e como distribuir as riquezas, superando a opressão e a exploração presentes onde existe a divisão da sociedade em classes, bem como criando as condições sociais indispensáveis à superação de outras formas de opressão e exploração.
A experiência histórica também demonstrou as imensas dificuldades e riscos que se colocam para aqueles que pretendem superar o capitalismo e realizar uma transição socialista. Por isto, devemos combinar de forma permanente a luta contra o capitalismo com o estudo do capitalismo, a luta pelo socialismo com o estudo das tentativas de construção do socialismo.
Deste estudo, há três ideias que se destacam. A primeira delas é que a superação do capitalismo depende da luta das classes trabalhadoras. A segunda delas é que, existindo as necessárias condições objetivas, o êxito desta luta depende fundamentalmente do grau de consciência, organização e mobilização da classe trabalhadora assalariada – ou seja, daquela classe que é diretamente explorada pelos capitalistas. A terceira é que a luta socialista supõe diferentes formas de organização, de luta e de mobilização, bem como diferentes estratégias, táticas e políticas de aliança; mas sempre exige a presença do partido político.
A experiência demonstra, ainda, que em diferentes épocas e contextos históricos, houve diferentes tipos de partidos políticos. Desde as revoluções burguesas até a época da Associação Internacional dos Trabalhadores, desde a Comuna de Paris até a chamada Segunda Internacional, desde a Revolução Russa de 1917 até a Chinesa de 1949, desde a vitória da Revolução Cubana de 1959 até a derrota das guerrilhas latino-americanas, passando pelas guerras de libertação em África e Ásia, pelas experiências anarquistas, nacionalistas, populistas, social-democratas e comunistas, a classe trabalhadora construiu variados tipos de partidos, que algumas vezes entraram em confronto, mas também fizeram alianças entre si.
Desta larga experiência, que também deve ser objeto de permanente reflexão, extraímos duas grandes lições. A primeira, já referida: o sucesso da luta contra o capitalismo e pelo socialismo exige que a classe trabalhadora se organize de diversas formas, entre as quais o partido político. A segunda: é a prática concreta que define o papel que um partido joga em cada circunstância histórica. Entendemos por “prática concreta” a ideologia, a teoria, a estratégia, as táticas, as formas organizativas e principalmente o vínculo com a classe trabalhadora realmente existente.
Nenhum partido nasce pronto e acabado, nenhum partido tem o monopólio da classe, nenhum partido é eterno. Mas sem partido, a luta da classe trabalhadora será claudicante, mais facilmente sujeita à derrotas táticas e de antemão derrotada estrategicamente.
A história dos partidos da classe trabalhadora brasileira possui cerca de 100 anos. Inclui os anarquistas, os socialistas, assim como setores vinculados à tradição democrático-radical, nacionalista, cristã e sindicalista. Nesta história, destacam-se o trabalhismo, o comunismo e o petismo.
Desde o final da ditadura militar até os dias atuais, o Partido dos Trabalhadores é o partido com maior influência nas classes trabalhadoras brasileiras, com mais força política social e institucional, com mais destaque internacional.
Os demais partidos vinculados à classe trabalhadora são aliados, adversários ou inimigos do PT, mas o fato de sua ação política estar referenciada no PT confirma que na atual fase da história brasileira o petismo mantém hegemonia sobre a esquerda brasileira, hegemonia que decorre de sua influência de massa e também das condições sob as quais se trava, hoje, a luta política no Brasil.
O Partido dos Trabalhadores foi criado em 1980. Sofreu diversas transformações ao longo de sua trajetória de 35 anos. Estas transformações responderam em parte às mudanças objetivas ocorridas na sociedade brasileira, na luta entre as classes sociais. Por outra parte, as mudanças sofridas pelo PT são produto da luta entre as diversas correntes existentes no interior do Partido, correntes que expressam de maneira mais ou menos consciente o ponto de vista de diferentes setores da classe trabalhadora.
Para ter êxito numa política de reformas estruturais, o PT precisa “fazer o dever de casa”, ou seja, reiterar incansavelmente seu caráter de classe, a necessidade de manter uma relação estreita com os movimentos e lutas sociais, e jamais abandonar ou distorcer seus mecanismos de democracia interna.
Estas atitudes são fundamentais para a sobrevivência do PT, seja frente às correntes de ultra-esquerda, que procuram liquidá-lo a pretexto de que o partido abandonou seus ideais, seja frente aos constantes ataques da direita, que procura liquidá-lo porque tem clareza de que o PT é o principal instrumento que as classes trabalhadoras têm disponível hoje, para a conquista do poder e para a mudança das relações sociais.
O PT é um partido de massas, o que significa dizer que em maior ou menor medida ele deve conter em seu interior a diversidade de posições políticas que existe na classe trabalhadora. Isto significa que o PT deve ser aberto à participação de correntes desenvolvimentistas, social-democratas e inclusive social-liberais. Entretanto, devemos travar uma luta constante para que estes setores evoluam para posições democrático-populares e socialistas.
Embora praticando táticas eleitorais de alianças com diversos setores sociais e políticos, visando ao enfrentamento contra partidos e representantes da direita neoliberal, o PT precisa combater as atitudes daqueles petistas que procuram utilizar os mesmos métodos e hábitos burgueses desses eventuais aliados.
Por isto mesmo, o PT não deve temer fazer autocrítica de seus erros publicamente, nem vacilar em punir exemplarmente aqueles dirigentes e militantes que fizeram uso de métodos burgueses de atuação e, com isso, abriram flancos aos ataques inimigos, causaram prejuízo ao Partido e colocaram sua sobrevivência em risco.
O Partido deve ter autonomia financeira. Para isto devemos assumir como Partido o combate contra a dependência frente às contribuições de empresas privadas. Por isto, também, devemos criar uma corregedoria interna, que se antecipe na descoberta de corruptos infiltrados no Partido. Ao mesmo tempo, o PT exige auditoria e punição contra a corrupção praticada nos governos tucanos.
O processo de construção de um partido dos trabalhadores exige uma constante correção de rumos, através da reafirmação de sua estratégia, da atualização das políticas e táticas, e do aprofundamento da democracia interna, tendo em vista preservar o partido daqueles métodos, hábitos e costumes que ameaçam destruí-lo ou deformá-lo totalmente.
Em vista disso, o PT deve redobrar sua capacidade de formulação política, atualizando sua análise de classes da sociedade brasileira, com atenção especial aos deslocamentos ocorridos no interior da classe trabalhadora, a partir da elevação dos padrões de consumo de milhões de pessoas, nos últimos anos. Será necessário um esforço mais efetivo de análise do processo de desenvolvimento capitalista no Brasil, da formação e transformação histórica das classes sociais e da luta entre elas. E de reelaboração e discussão do programa estratégico para o Brasil, incluindo a questão do poder, do papel das diferentes formas de luta que a burguesia pode impor ao povo brasileiro e dos diferentes instrumentos organizativos das classes trabalhadoras.
Para preparar-se e tornar-se efetivamente capaz de ser força política hegemônica na sociedade brasileira e conquistar a direção do poder político como um todo, o PT precisa de uma clara hegemonia interna, em torno do programa e da estratégia democrático-popular e socialista, reiterando seu caráter de classe, de massas, de luta e internamente democrático. Deve, ainda, ampliar sua presença institucional e social e revigorar sua vida partidária, com atenção primordial a suas bases organizativas. E superar a prolongada subestimação da formação política de dirigentes e militantes, utilizando tal formação inclusive como primeiro passo para o ingresso no partido e a ocupação de cargos de direção.
O PT deve, também, formular e executar uma política de cultura, educação e comunicação de massas, tendo em vista construir uma hegemonia das ideias democráticas, populares e socialistas no meio do povo, hoje vítima de uma violenta ofensiva do ideário conservador.
No caso específico da comunicação, trata-se de 1) democratizar a comunicação social; 2) ampliar a rede de meios de comunicação (televisões, rádios, internet e imprensa) dirigidos pelo campo democrático-popular; 3) construir os instrumentos do próprio Partido, com destaque para um jornal diário de massas, que seja o núcleo central de produção do conteúdo que será repercutido através dos demais meios, especialmente das redes sociais.
Continuamos trabalhando para que o PT assuma um papel de vanguarda, não apenas na luta pelo governo, mas também na luta pelo poder; não apenas na luta pelo desenvolvimento, mas também na luta por reformas estruturais e pelo socialismo.
Diretrizes organizativas
É com este espírito, também, que apresentamos as seguintes diretrizes de reforma organizativa do Partido dos Trabalhadores,:
a) voltar a ser um partido que atua também nos anos ímpares e que sabe combinar luta social, luta cultural, construção partidária, com disputa eleitoral, ação parlamentar e governamental;
b) reatar laços orgânicos com nossa base social, por um lado retomando a prática do trabalho de base e por outro lado recobrando a capacidade de mobilização social;
c) constituir uma frente popular orgânica com aqueles setores que integram o campo democrático-popular, por exemplo outros partidos de esquerda e entidades históricas da classe trabalhadora e da juventude, como a CUT, UNE, MST, MNLM, CMP, CONAM e outras;
d) construir uma política de comunicação de massas — articulando impressos (jornais e revistas), rádio, televisão e redes sociais — voltada a defender as posições da classe trabalhadora, fortalecer os laços com os movimentos sociais, lutar pela ampliação de direitos, amplificar o alcance do programa democrático-popular e socialista na disputa ideológica, no plano nacional e internacional, dialogar e organizar nossa ampla base social, realizar a disputa política e ideológica permanente com nossos adversários e também com nossos inimigos de classe;
e) reconstruir sua rede de organizações de base, através da constituição de núcleos do PT nos locais de trabalho, de moradia e de estudo;
f) reorganizar seu trabalho de formação, do básico à formação de quadros dirigentes, com o objetivo de atingir da maneira mais rápida o maior número de militantes, dando ênfase não apenas a nossa história e a nossas propostas programáticas democrático-populares, mas também aos aspectos político-ideológicos e teóricos indispensáveis à luta da classe trabalhadora pelo poder e pelo socialismo;
g) fortalecer as instâncias partidárias, em detrimento dos centros de comandos paralelos localizados nos gabinetes parlamentares e executivos. Com este espírito, proibir que seja presidente partidário quem exerce mandato legislativo ou executivo;
h) eleger as direções partidárias nos congressos partidários. Fim do PED e da influência das práticas eleitorais burguesas (como a compra de votos) nos processos internos;
i) organizar a atuação e a influência de massas do petismo entre os jovens, através de uma JPT de massas, que supere seu profundo processo de dispersão e desorganização em um dos momentos em que o PT é mais desafiado a dialogar com as novas gerações;
j) reafirmar a paridade de gênero e as cotas étnica e de juventude na composição das direções partidárias, reafirmando nosso esforço de organizar setores historicamente excluídos e compreendendo que sua presença nas direções partidárias pode contribuir para superar nossos problemas políticos e organizativos;
k) garantir a auto-sustentação financeira. Um partido de trabalhadores não pode depender de recursos financeiros doados pelo empresariado, seja para fazer campanhas eleitorais, seja para conduzir o cotidiano da vida partidária;
l) fortalecer nosso trabalho de relações internacionais;
m) colocar a política no comando e reafirmar o caráter de classe do Partido. Os problemas organizativos vividos pelo PT derivam de opções políticas e sua solução também passa pela política. E a principal decisão política é: o PT pretende continuar sendo um partido da classe trabalhadora.
Brasília, 25 de março de 2015
Bruno Elias, Jandyra Uehara, Adriano Oliveira, Rosana Ramos, Valter Pomar e Iole Ilíada, em nome da Direção Nacional da Articulação de Esquerda