General da Reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva
Paradigma é uma norma ou modelo a ser seguido. No Brasil, e em muitos países, convencionou-se que o militar da ativa das Forças Armadas (FA) não pode se manifestar publicamente sobre assuntos do campo político e, imagine o leitor, do campo militar, mesmo em situações de grave anormalidade que afetem a segurança, a defesa e a paz social.
Ou seja, altos chefes militares a quem a nação pagou, por muitas décadas, para estudar, propor, planejar e executar estratégias de defesa e segurança, garantir os Poderes Constitucionais, a paz interna e a democracia, bem como participar do desenvolvimento nacional não podem alertar à nação, única credora de sua lealdade, mesmo quando percebam que ela está diante de uma grave ameaça.
Se os escalões superiores se omitirem, até que ponto um chefe militar deve submeter-se a tal paradigma?
Países com potencial para atrair disputas internacionais não dispensam a presença das FA nos núcleos decisórios dos governos. No Brasil, porém, as FA foram afastadas do núcleo do governo Federal, particularmente após a ascensão das esquerdas fabianista (PSDB) e marxista-gramcista (PT, PCdoB e aliados). A competência de ministros da Defesa civis não se compara à de um chefe militar, pois lhes faltam conhecimento e experiência para assessorar o nível político-estratégico sobre segurança e defesa nos campos interno e externo.
Tal afastamento se deve, além do preconceito, ao desconhecimento pelas lideranças nacionais da diferença entre política nacional, que não dispensa o concurso das FA, e política partidária, da qual elas devem guardar total distância. O regime militar já afastara as FA da influência político-partidária, fator de quebra da disciplina, hierarquia e coesão. Foi importante contribuição para a estabilidade dos Poderes da União, pois desde a redemocratização, em 1985, as crises foram apenas políticas e resolvidas no âmbito daqueles Poderes. O Exército, especificamente, passou a ser conhecido como o grande mudo, infelizmente também, no tocante à política nacional.
Portanto, as lideranças políticas e judiciárias tiveram total liberdade para cumprir o dever do Estado democrático de direito, que é satisfazer os anseios da sociedade por desenvolvimento, segurança e bem-estar com liberdade e justiça. Infelizmente, falharam vergonhosamente e mergulharam o Brasil em gravíssima crise moral, política, econômica e social. Desmoralizaram a democracia, que aqui não existe de fato, pois nossa justiça é leniente e repleta de leis ilegítimas, feitas para assegurar interesses dos setores poderosos. Onde a justiça é falha e a liberdade ilusória, a democracia é um embuste.
O lodaçal da vergonha onde lançaram o país vem sendo dragado pela Operação Lava-Jato. A nação passou a ver com clareza, inicialmente, a degradação moral e ética das lideranças no Executivo e no Legislativo e, hoje, também a percebe na mais alta Corte de Justiça.
As últimas semanas mostraram que o objetivo das ações correntes no STF não é livrar apenas Lula – um criminoso condenado – mas toda a máfia desde os mais baixos aos mais altos escalões do PT, PMDB, PSDB e partidos menores. Essas lideranças perceberam que sua velha impunidade estará com os dias contados se não detiverem a Lava-Jato. Como os ministros do STF são parte da cúpula dirigente, a alguns não interessa a renovação da forma de conduzir o país. Assim, cerca da metade, ligada a partidos, a grupos ou a políticos individualmente, se empenha para livrar as máfias do colarinho branco das malhas da lei, independente do partido onde se homiziem. Seu êxito seria um desastre de enormes proporções, podendo comprometer a segurança interna e a paz social.
Um outro paradigma, criado após o regime militar, é que não existe inimigo interno em uma democracia. Ora, se grupos nacionais promoverem conflitos violentos e provocarem um caos social, ameaçando a paz, a unidade política e a soberania, serão inimigos internos de fato. Da mesma forma o serão as organizações criminosas que se apossem do Estado, roubem bens públicos essenciais ao progresso e bem-estar da nação, submetam a sociedade a situações humilhantes, com perda da autoestima, do civismo e da esperança no porvir, bem como semeiem graves conflitos político-sociais entre irmãos.
Se os Poderes Constitucionais estiverem liderados por ORCRIM, o que restará à sociedade para reverter esse quadro? Seria aceitável continuar governada por máfias?
A missão constitucional das FA é, resumidamente, defender a Pátria e garantir os Poderes Constitucionais, a lei e a ordem (art. 142 da CF/1988). Chefes militares, diante de situações que possam trazer consequências extremamente graves para a nação, têm a obrigação moral de não se omitir, limitados por paradigmas, como se estes fossem cláusulas pétreas.
Foi o que fez o Comandante do Exército em três de abril, ao alertar do repúdio da sociedade, cansada de conviver com a impunidade dos poderosos e angustiada diante da então possível decisão do STF, a favor do HC de Lula, que agravaria ainda mais a delicada situação nacional. O Comandante demonstrou coragem moral ao arriscar o próprio cargo para ser fiel à sua consciência e ao serviço da nação. Foi uma decisão patriótica, que motivou militares e civis a perfilarem com ele para cumprir a missão constitucional das FA de defender a Pátria contra inimigos internos, conscientes ou não; e para garantir os Poderes Constitucionais, cuja essência não está nas pessoas que os compõem, mas nos papeis que desempenham como instituições.
É esse último que deve ser garantido, independente dos ocupantes dos cargos. Espera-se que o STF tenha entendido a gravidade do momento e que alguns de seus membros deixem a vaidade de lado e passem a pensar no país.
Ministro Celso de Mello, se guardar a Pátria, zelar por sua dignidade e proteger seu futuro é ser guarda pretoriana armada, temos muito orgulho em sê-lo. Vergonha teríamos se nos considerassem advogados de defesa de ORCRIM. Portanto, fez muito bem o Comandante do Exército, pois o Brasil está acima de tudo, inclusive de qualquer paradigma.
Revista Sociedade Militar – General Rocha Paiva