Há uma crise sim, os generais políticos de fato conseguiram atrair para Bolsonaro o ódio daqueles que desde sempre o apoiaram, isso é inegável. Quem acompanha as redes sociais de militares das Forças Armadas percebe isso claramente. O que se percebe é que por mais que a Defesa, por meio dos comandos militares, tente fazer os insatisfeitos desaparecerem, publicando seguidas notas dizendo que militares da reserva não poderiam se manifestar de forma coletiva, a coisa não funcionou, desde o início da tramitação do Pl 1645 foram várias pequenas manifestações, culminando com a dessa quinta-feira, onde Bolsonaro foi chamado de traidor em todos os grandes jornais do país.
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As praças de hoje – como também se chama os graduados – não são mais aqueles do século passado. Além de militares profissionais, graduados na caserna, muitos são formados em universidades, pós graduados, mestrados etc. Esses militares, além de ter presenciado recentemente vários protestos coletivos da alta oficialidade, como os abaixo assinados em apoio ao General Heleno, sabem interpretar muito bem a legislação vigente. Sempre que questionados sobre seu direito de se manifestar invocam a lei 7.524 que diz que aos MILITARES DA RESERVA é permitida a livre expressão da opinião sobre qualquer assunto – independente do que esteja em regulamentos disciplinares – ressaltam. A única restrição – contam – diz respeito a assuntos internos, sigilosos, restritos às Forças Armadas, o que passa bem longe de expressar opiniões sobre projetos de lei e atos de generais – políticos, como atualmente são o Fernando Azevedo, que é Ministro da Defesa e o general Eduardo Ramos, responsável pela articulação política do governo.
Qualquer observador político um pouco mais atento perceberia que a trapalhada que foi a tramitação de uma lei sob a batuta de generais chegaria a esse patamar. Percebendo o caos generalizado a esquerda chegou a tentar se aproximar dos graduados ainda durante a tramitação do projeto, um pouco depois o PT incluiu em seu projeto de futuro várias melhorias para as categorias e há cerca de um mês o senador major Olímpio, hoje adversário de Bolsonaro, começou a estreitar os laços com os graduados insatisfeitos. Todos obviamente perceberam que há insatisfação generalizada nas chamadas camadas médias das Forças Armadas.
Aparentemente os generais-políticos não deram o devido valor a coisa. Ou ” não acreditaram que teríamos coragem de fazer valer nosso direito de protestar“, como disse um militar em uma conversa informal sobre o assunto.
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Há muita coisa estranha acontecendo. Poucos perceberam, mas o artigo publicado no UOL, que transcreve a fala do suboficial Wagner, um dos líderes da manifestação que ocorreu nessa quinta-feira, lembrou que a DEFESA usou militares da ativa para dar declarações defendendo o PROJETO DE LEI 1645, que tramitava no Congresso Nacional. Quem conhece a caserna sabe que isso vai contra todos os costumes, contra todos os precedentes.
“quando o Ministério da Defesa fez propaganda do PL 1645, que depois virou essa lei, botaram militares da ativa para fazer propaganda. Tinha major, sargento, cabo. Quando é do interesse deles, o pessoal da ativa pode falar”, disse Wagner Coelho, um dos líderes do protesto ocorrido em frente ao CIAA, onde se formam os graduados da Marinha do Brasil.
Durante a tramitação do projeto 1645 ouviu-se sobre outras coisas inusitadas, como a peregrinação de oficiais da ativa do Exército Brasileiro pelos gabinetes dos deputados federais membros da comissão especial que votou o projeto do governo. Muitos chegaram a questionar se a presença de uma organização militar dentro do Congresso Nacional seria legal, se não seria a chamada interferência entre os poderes. Pra quem não sabe há uma ASSESSORIA PARLAMENTAR militar instalada dentro do Congresso Nacional.
Conversei nessa tarde de sexta-feira – 11 de setembro – com Wagner Coelho. Em vídeo publicado há pouco ele conta que exerceu seu direito de se manifestar politicamente e que é de direita. Pelo que disse a única intenção com os protestos é de fato fazer com que o presidente da República de alguma forma corrija as injustiças da lei 13.954. Pelo que disse os preparativos para a manifestação de outubro estão a todo vapor e não há qualquer indício de recuo por parte do pessoal envolvido.
Sargentos e suboficiais ouvidos pela Revista Sociedade Militar acreditam que a princípio Jair Bolsonaro não tomou conhecimento do que realmente constava no projeto de lei e que depois, alertado por alguns auxiliares mais chegados, inclusive assessores de seus filhos, alguns suboficiais da reserva, não teve força para se impor diante dos generais, já que estes hoje são parte do que sustenta o seu governo de pé.
“Jair Bolsonaro depositou sua confiança naqueles que nele nunca confiaram, os oficiais generais…. a família militar não é disso, hoje vai contra o sistema porque a alta cúpula está se beneficiando, esse ministro (FERNANDO AZEVEDO) dissemina um vírus mortal… são homens forjados dentro da ética e da moral que se viram repentinamente abandonados… Esse homem veio dos graduados porque oficiais não votavam nele e se deixa arrastar para essa situação?”, diz um militar da reserva – ex-segurança de vários presidentes – ouvido pela RSM.
O que deve acontecer agora?
Das duas uma, ou o governo chama os militares para uma conversa séria, não um novo encontro como o anterior, onde sequer se ouviu direito os graduados presentes, “foi para encher linguiça”, disse um participante. Nesse encontro se firmará de fato um compromisso ou o governo BOLSONARO vai ter que se ver com o desgaste político de todos os jornais do país e até a mídia internacional se concentrarem na cobertura do que deve ser a maior manifestação de militares jamais ocorrida no Brasil.
Se trinta pessoas gritando TRAIDOR nessa quinta-feira conseguiram fazer com que a coisa alcançasse essa magnitude é fácil imaginar o que 500 ou mais pessoas – usando carros de som – serão capazes de causar em Brasília nos dias 20, 21 e 22 de outubro. É preciso ressaltar que não são quaisquer pessoas, não são Bolsonaristas de 2014, que conheceram Bolsonaro ontem, são homens e mulheres que carregaram Bolsonaro nos braços desde que era persona non grata no Exército Brasileiro.
Robson Augusto é jornalista, sociólogo e militar da reserva, escreve para a Revista Sociedade Militar