Artigo de colaborador
A ingratidão dos Generais – Ontem, logo cedo, quando li o jornal Correio Braziliense havia uma chamada na capa sobre um artigo escrito pelo ex-porta-voz da Presidente da República, um general do Exército Brasileiro. O general, homem culto, forjado na doutrina castrense, já se tornou um colunista contumaz e escreve por metáforas. Ele assina o artigo intitulado “É o homem que lustra o cargo”. Fica evidente que faz críticas ao Presidente e aos colegas de farda que ainda permanecem nos cargos políticos.
Logo em seguida entrei no Twitter para ver as notícias do dia e me deparei com um artigo, escrito pelo meu amigo Chico Alves, jornalista do UOL, onde ele entrevista o ex-ministro da Secretaria de Governo, também general. O ex-ministro faz críticas à fala do Presidente da República que disse: “Quem decide se um povo vai viver numa democracia ou numa ditadura são as suas Forças Armadas”.
Percebe-se, facilmente, que esses generais desaprovam a maneira como o Presidente da República, chefe da Nação e chefe supremo das Forças Armadas, vem conduzindo a política nacional. Como cidadãos esses generais têm direito de se manifestarem contra atos políticos que eles julguem impróprios, inclusive do próprio Presidente, pois a constituição garante a liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento. Criticar uma ação política é exercer a cidadania, mas quem são esses cidadãos?
O primeiro, ex-porta-voz da Presidência, assumiu o cargo quando ainda estava na ativa, cargo esse que ele poderia ter recusado se não tinha tanta afinidade com o Capitão. Quando foi exonerado saiu ressentido com o comandante supremo e, em seus artigos, vive estucando o governo de forma indireta. No artigo de ontem ele diz: “Se um militar é chamado a cooperar com o governo, dentro da legislação, não há impedimento em atender à requisição. O indefensável são indicações excêntricas, por apadrinhamento ou desprovidas de meritocracia e amparo técnico. Essas não cabem em nenhum contexto”.
General, os cargos políticos no governo são de livre provimento, a critério do chefe, e ninguém é obrigado a aceitar. Quem busca a “política” para ter visibilidade fica sujeito à intempérie da política, que nem sempre está perfilada com a ética e a moral. Em um outro parágrafo o ex-porta-vez diz: “Não há, portanto, inserção do estamento militar na linha decisória da política. E não deve haver mesmo. É entendimento natural aos atuais profissionais da arte da guerra”. Ledo engano. No Brasil de hoje os generais estão nos mais importantes cargos POLÍTICOS, onde tomam decisões políticas. Essa é uma anomalia que não deveria existir, mas é uma realidade que não se pode negar. Os militares estão hoje no topo da cadeia decisória da política.
Se o ex-porta-voz, por meio do seu artigo, está fazendo um chamamento aos colegas de farda para voltarem aos quarteis, ele está cantando para surdos. O poder político age como uma serpente que seduz e encanta, sobretudo os fracos, que se deixam picar. O atual governo, mesmo sendo democrático, uma vez que foi eleito com mais de cinquenta milhões de votos, está alicerçado nos militares, devido à fragilidade política que ronda o Planalto. General, o ressentimento da perda do cargo não deveria se transformar em virtudes das críticas, principalmente para aquele que fez parte do time.
As críticas construtivas sempre devem existir, porém as destrutivas derrubam a biografia dos homens bons, vide o ex-juiz. É preciso apoiar um governo que foi eleito democraticamente, para o bem da democracia. Se o Presidente continuar dando caneladas, em 2022 daremos cartão vermelho para ele.
O segundo, o ex-ministro da Secretaria de Governo, teria ficado indignado, conforme o artigo, sobre as declarações do Presidente. O Presidente teria dito, em síntese, que as Forças Armadas tutelam a democracia. Pra mim isso não causa nenhuma surpresa e nem “indignação” se analisarmos a história do Brasil e das Forças Armadas.
A história do Brasil tem uma relação direta com as Forças Armadas, desde quando o marechal Deodoro da Fonseca traiu o seu chefe supremo e deu um golpe de estado, destituiu o Imperador para impor uma república, sem apoio popular, que se seguiu de uma ditadura militar. A partir do golpe militar de 1889 o poder moderador saiu do Imperador e foi para as Forças Armadas. O poder moderador permanece até hoje com as Forças Armadas e está esculpido na constituição, art. 142.
De tal modo, com a nova ordem republicana e o Imperador enxotado para o exilio, com a roupa do corpo, os militares assumiram papel de destaque na política nacional e se afastaram das suas atribuições institucionais originárias, que é defender o território e proteger o povo. Com as constituições republicanas que se seguiram, a competência das Forças Armadas foi desvirtuada e ampliada, pois os militares passaram a garantir a lei e a ordem (poder moderador).
Se analisarmos uma república moderna e democrática, na visão de Montesquieu, quem garante a lei é o poder judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal. Já a ordem, deve ser garantida pelos estados, utilizando a polícia militar. Percebe-se que no Brasil a coisa não é bem assim, uma vez que essas atribuições passaram para as Forças Armadas.
Ademais, desde a implantação da república que os militares ganharam proeminência, basta ver que tivemos ditaduras militares, ditaduras civis, com apoio dos militares e militares envolvidos diretamente com as decisões políticas, como ocorre hoje. Sem deixar de falar que agiram prontamente para impedir que o Brasil flertasse com o comunismo nos anos 60. Se cometeram excessos, nesse período, não se pode julgar, porque houve um acordo de anistia geral e irrestrita. Só a história julga.
Assim, o general “político”, em sua entrevista, na condição de ex-ministro, se referindo à fala do Presidente diz: “Isso é mais uma tentativa de enganar a população e arrastar as Forças Armadas para o centro de discussões políticas”. Pois é, general. O senhor precisa dar uma relida nos livros de história, citei acima só alguns casos, para demonstrar que as Forças Armadas, desde o golpe militar que implantou a república, jamais estiveram fora da política e não será agora, neste governo, que sairão.
Por fim, é preciso analisar o contexto em que vivemos para refletir sobre o artigo do ex-porta-voz e a entrevista do ex-ministro, dois generais da reserva, para concluir que a participação na política, direta ou indiretamente, de militares da ativa não é saudável, podendo trazer desagregação entre os militares, com reflexos na caserna. No caso em análise as críticas foram feitas por aqueles que foram alijados do governo e agora ressentidos, tornaram-se desafetos. Chegará o dia em que os generais terão que fazer meia-volta, pedir desculpas ao povo e retornarem aos quarteis cantando o hino nacional. Talvez demore um pouco, mas é o que se espera.
ADÃO FARIAS – Advogado e acadêmico de ciência politica
Publicado na Revista Sociedade Militar