Republicado a pedido. Muita gente tem omitido as informações acerca dos resquícios de contaminantes radioativos no Nae São Paulo.
Ideias interessantes no sentido de transformar o Navio Aeródromo São Paulo em um grande museu aqui no Brasil não foram bem sucedidas. O navio, portanto, foi adquirido por uma empresa turca, a Sok Denizcilikve Tic, por pouco mais de 10 milhões de reais para ser desmontado e transformado em sucata.
Embarcações de grande porte sempre despertam saudosismo, em se tratando de um navio de guerra os sentimentos são potencializados. Um conhecido navio de guerra inglês, o HMS Plymouth, que entrou para a história por ter sido o protagonista da rendição da Argentina na guerra das Malvinas, foi vendido debaixo de muitos protestos de admiradores ingleses.
A embarcação passou seus últimos dias sendo canibalizada e desmontada em um estaleiro de Aliaga – Turquia, mesmo local para onde deve ser transportado o Nae São Paulo.
Ao se aproximar dos centros de desmonte de navios na Turquia qualquer aficionado por embarcações de guerra sente um misto de nostalgia com tristeza. A quantidade de objetos antigos e familiares é muito grande. Timões, telefones auto excitados, motores gigantescos, turbinas e muitos botes salva-vidas são facilmente avistados ao longo da rodovia que leva até os “estaleiros” de desmonte.
Percebe-se que grande parte do material ainda em bom estado tende a ser reaproveitado. O fluxo contínuo de caminhões saindo com sucata demonstra que a atividade realizada ali é de proporções gigantescas.
Há esperança
Há ainda situações que reforçam a esperança de que o Nae São Paulo – ainda em relativo bom estado no que diz respeito ao convés de voo e estrutura – possa escapar com “vida” de todo esse processo e não acabe completamente desmontado.
O Contra-almirante Mustafa Cihat Yayci, da marinha de guerra da Turquia, fala em transformar a embarcação em um grande centro de treinamento de militares. Ele menciona inclusive a possibilidade de realizar no navio o treinamento para operar caças russos SU-33, usados pelas Forças Armadas turcas.
“… em vez de desmontar este navio, devemos definitivamente equipá-lo com diferentes sistemas que sejam válidos para nosso uso e iniciar hoje a formação de pessoal de porta-aviões voltada para o futuro… esses movimentos vão economizar tempo.” diz o militar
Uma crescente onda de reclamações advindas de instituições ambientais tende a reforçar a possibilidade de que a ideia do almirante Mustafa Cihat Yayci seja aproveitada e o NAe São Paulo, antigo Foch, não seja completamente desmontado e transformado em sucata.
A Revista Sociedade Militar apurou que só na semana de 5 a 11 de abril de 2021 foram 22 novos artigos sobre o assunto publicados em sites e agências de notícias da Turquia mencionando a aquisição do porta aviões brasileiro. Grupos de defesa do meio ambiente tem dado destaque à degradação da fauna e flora nas regiões do mar Egeu que ficam nas proximidades dos estaleiros de desmonte de navios e já houve uma discussão na comissão de meio ambiente local.
O porta-voz da Comissão de Meio Ambiente local, o Deputado de Izmir Murat Bakan, questionou sobre o amianto: “Quais estudos preliminares foram realizados sobre os danos que o amianto vai causar àquela região principalmente nas operações de desmontagem? ”
As embarcações militares, aparentemente por conta de questões relacionadas à tecnologia bélica, são as que geram maior preocupação.
O porta-aviões Foch (NAe São Paulo) participou de testes com armamento nuclear no pacífico
Há registros que atestam que o NAe São Paulo nos anos 60, ainda na marinha francesa e sob o nome Foch, participou de diversos exercícios com armamento nuclear no pacífico, nas proximidades da Polinésia. Todavia, dado o caráter secreto desse tipo de operação é muito difícil conseguir informações aprofundadas sobre o possível nível de contaminação de materiais no navio.
O que há de concreto é que muitos militares que serviram no FOCH e participaram dos testes reivindicaram indenização por meio da “Associação de Veteranos de Testes Nucleares”.
” Quando a nuvem em forma de cogumelo subiu no céu … Braços cruzados sobre os olhos para evitar o clarão que vinha da bomba, tivemos que nos virar logo após a explosão … ” (Serge Vauley, engajado em 1966 na campanha do Pacífico no Foch)
O especialista Enver Yaser Kucukgul com quem também conversamos, ouvido pelo site SOZCU, um dos 10 maiores sites de notícias da Turquia, afirma que pode ainda haver material radioativo a bordo e que pelo menos 8 mil toneladas de resíduos tóxicos podem ser geradas no desmonte da embarcação.
“Não esqueçamos que a França utilizou este porta-aviões em testes nucleares. Se você tocar um metal com uma munição nuclear, esse metal se torna nuclear. Você não pode se livrar da radioatividade derretendo o metal que contém contaminação nuclear… Você não pode limpar centenas de milhares de toneladas de borra de óleo no navio de guerra. Existe fluoro cloro hidrocarbonetos em milhares de quilômetros de dutos… Você não pode removê-los de dentro dos canos
Há ainda alegações de que o navio contem mais de 600 toneladas de amianto e que os resíduos a serem despejados no mar durante o desmantelamento criariam poluição ambiental e prejudicariam a saúde dos seres humanos e animais da região.
“sabemos que há mais de 600 toneladas de amianto neste navio… O problema não é apenas o amianto. Sabemos que durante a fase de desmontagem estarão expostos PAH, PCH, TBT, metais pesados, óleos pesados, dioxinas, e contaminantes nucleares que são ainda mais perigosos que o amianto…”
A organização ambiental İzmir Yaşam Alanları, com sede em Esmirna, na Turquia, divulgou seguidos comunicados sobre o nae São Paulo e invoca uma lei local para impedir que a embarcação seja desmontada.
Este navio é um caixão preto… Este navio carregado de morte, destruição, dor e problemas está chegando a Izmir… De acordo com o artigo 13. o da Lei Ambiental … é proibida a importação de resíduos perigosos.”
O comunicado
… este navio, carregado de morte, destruição e sofrimento, vem afogar o ar, a água, o solo de nosso país, principalmente nosso belo povo, para ganhar algum dinheiro. Resíduos nucleares do desmantelamento de navios por anos continuam a espalhar perigo no meio da cidade de Izmir. Embora não haja remédio para isso, não aceitamos o desmantelamento de novos navios. Não queremos que nuvens mortais sejam criadas em nossos espaços de convivência com a chegada de navios. Todas as 22 instalações de desmantelamento de navios em Aliağa devem ser fechadas imediatamente, e aqueles que usam os navios devem desmontá-los.
Tudo indica que a polêmica em torno do navio aeródromo São Paulo tende a se intensificar na medida em que se aproxima a data da chegada da embarcação na Turquia.
Robson Augusto / militar R1, jornalista, sociólogo
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