Nessa tarde de quinta-feira o EXÉRCITO BRASILEIRO divulgou nota informando que o comandante da força terrestre decidiu admoestar o general EDUARDO PAZUELLO.
… o Comandante do Exército analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial-general. Desta forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do General PAZUELLO…
Uma das primeiras manchetes veio do jornal Folha de São Paulo
“Exército se rende a Bolsonaro e abre porta para a anarquia militar … A inacreditável decisão do Exército de isentar Eduardo Pazuello de qualquer punição abre uma sinistra e inédita porteira institucional no Brasil. A partir de agora, qualquer oficial ou praça, ao menos da Força terrestre, se sentirá liberado para emprestar apoio a políticos. Instituição de Estado, o Exército agora permite o serviço a governos —ou à oposição a eles, embora isso não esteja em questão agora.”
Tanto em jornais de grande circulação na internet quanto nas redes sociais frequentadas por militares, os assuntos mais discutidos nos últimos dias giram em torno – quem diria! – da disciplina militar. Ao Imbróglio Pazuello adicionou-se, como tempero picante, a menção ao nome de um terceiro-sargento que teria, na visão “especializada” de um jornalista do Estadão, incorrido em contravenção por participar de uma live fechada junto de um deputado federal.
O mesmo artigo acima citado, da Folha, também menciona o sargento que interagiu com um deputado governista em live fechada. A intenção obvia do articulista é fazer o leitor crer que a não punição contra Pazuello pode ser prejudicial à disciplina.
“A anarquia também pode se dar de outras formas, como na presença de um sargento pedindo melhores soldos em live com o ex-líder do governo Major Vitor Hugo (PSL-GO), um desses deputados saídos do nada eleitos por sua patente na anômala eleição de 2018…”
GENERAIS COM MORDOMIAS E VANTAGENS
Jair Bolsonaro é muito mais político do que é militar. Seu histórico demonstra que jamais colocará o interesse de seus eleitores debaixo dos coturnos dos generais, ou mesmo debaixo das tradições e dos costumes centenários das Forças Armadas. Em meio aos oficiais generais e em público JB se gaba de ser militar, de ter frequentado a AMAN, ele sabe que o público bolsonarista raiz exulta com isso. Todavia, no círculo mais restrito de amigos ele não deixa de lembrar que enfrentou o Exército do todo poderoso Leônidas Pires em um período que poucas pessoas se atreviam a fazê-lo.
No passado, quando julgou necessário, o presidente convocou manifestações de militares, tentou legalizar uma federação de associações de militares e até publicou notas atacando o modo de vida principesco dos oficiais generais. Segundo Bolsonaro eles possuíam mordomias e vantagens.
Todo militar um pouco mais antigo sabe que naquela época quem falasse contra as forças armadas ou mesmo esboçasse minimamente o desejo de deixar de ser militar era atirado no limbo, era “queimado”, se tornava mal visto e tratado como uma espécie de indigno de alcançar os postos e atribuições mais importantes. Bolsonaro era um desses.
Abaixo um extrato de prontuário de inteligência de Jair Bolsonaro
Muitos militares que conhecem o presidente a fundo acreditam que o fato de suportar generais a sua volta se deve única e exclusivamente a estratégia política.
Nos últimos meses o presidente colocou as Forças Armadas em xeque mais do que uma vez.
Aconteceu quando exonerou sumariamente o general Santos Cruz, oficial que pouco tempo antes era idolatrado pelo eleitorado conservador, considerado paradigma de caráter e sobriedade.
Em nenhum momento o status das forças pareceu influir nas decisões do mandatário.
Outra evidência da pouca importância que Bolsonaro dá para a reputação das forças é a crise causada pela repentina troca da cúpula das Forças Armadas.
A questão que levou a demissão do general Fernando Azevedo, diz-se no porão da caserna, foi muito maior do que deixou-se transparecer e para muitos começou na apresentação ao Congresso Nacional de uma reestruturação das carreiras elaborada no governo Dilma e que acabou colocando os militares na reserva contra o presidente da república.
A coisa foi tão grave que gerou inéditas manifestações de militares das Forças Armadas em Brasília.
Quem frequenta os círculos militares sabe que para não ter ocorrido sequer uma transmissão de cargo de ministro da defesa a coisa deve ter ultrapassado os limites dos gritos e socos na mesa. O ex-ministro da defesa aparentemente foi transformado em um pária, não compareceu também às passagens de comando das três forças nas semanas que se seguiram à crise, fato também jamais registrado em nossa história recente.
O general de Exército Fernando Azevedo desapareceu completamente da vida pública. Aparentemente usa a técnica ensinada pelo lendário Golbery do Couto e Silva, que acreditava que bastava ao protagonista de uma notícia se calar completamente para que, dado o turbilhão de acontecimentos do quotidiano, em uma ou duas semanas a imprensa esquecesse completamente o seu nome.
A questão PAZUELLO
A última das crises é a questão PAZUELLO. Todos os militares com mais de dois neurônios que observaram o ex-ministro colocar as mãos no microfone do palanque com Bolsonaro no Aterro do Flamengo perceberam instantaneamente que naquele momento surgiria um novo imbróglio político-militar. Muitos no mesmo momento concluíram que se tratava de um precoce lançamento de campanha eleitoral protagonizada pelo general em questão.
Aqui na Revista Sociedade Militar em um artigo anteviu-se a possibilidade de Pazuello como candidato e – antes disso – como sendo nomeado para algum cargo de alto status.
Bolsonaro não o deixaria desaparecer, está sempre em busca de um bom nome para apoiar e o capital político angariado pelo ex-ministro é muito alto. A própria oposição e grande mídia contribuíram para isso ao exaltá-lo na CPI do SENADO.
Levá-lo novamente à CPI certamente é algo que o faria crescer mais ainda. Nada mal para um período pré-eleitoral!
A cabeça no cutelo
O próprio general Mourão, vice-presidente, chegou a dizer que Pazuello confessou a culpa.
“Acho que o episódio será conduzido à luz do regulamento, isso aí tem sido muito claro em todos os posicionamentos dos comandantes militares e do próprio ministro da Defesa. Eu sei que o Pazuello já entrou em contato com o comandante informando ali, colocando a cabeça dele no cutelo, entendendo que ele cometeu um erro”
O vice-presidente da república e General de Exército Hamilton Mourão teria mentido ao dizer que Pazuello admitiu o erro?
Nas redes sociais há colocações que indicam que ao não punir Pazuello fica a clara impressão de que o Comandante do Exército abre mão da disciplina em nome da boa política.
“Forças armadas demonstrando total subserviência... desenha-se o golpe, COM Bolsonaro no poder...” “... [03.06.21 15:57] Ou seja: Acabou né, gente? Liberou geral. Se um pode TODO mundo pode. Simples assim. Foi decretado hoje, o falecimento das Forcas Armadas Brasileira.” “... [03.06.21 16:57] O EXÉRCITO É DELE MESMO, NÃO TENHO DÚVIDAS. Vão cumprir tudo que ele determinar, vivemos tempos sombrios e tudo pela boquinha do cargo. Os generais foram comprados com 73%.” “ ... [03.06.21 17:38] ... Qualquer cego viu que aquilo FOI uma pré-comício. Aponte UM precedente semelhante a isso na história militar brasileira! JMB se diz incorruptível, mas o q fez foi corromper as FA, comprando os generais (com o nosso $). Venezuelização...”
Vigiados pela imprensa
Nunca, em momento algum de nossa história, os militares das Forças Armadas foram tão vigiados. As grandes redações designaram estagiários para logo cedo vasculhar os diários oficiais, sites da justiça federal e da justiça militar em busca de informações que possam gerar manchetes contendo palavras antes comuns, mas que hoje funcionam como iscas para os leitores, como general, sargento, militares, quartel.
Jornalistas usam ferramentas especiais para vasculhar sites especializados como a Revista Sociedade Militar, Blog do Montedo e Portal Militar BR em busca de manchetes ou com o objetivo de tentar entender como pensa a tropa.
Todavia, a coisa parece estar crescendo. Essa semana os grandes jornais chegaram ao extremo de tentar manipular os comandantes das Forças Armadas. Como se vê em um blog muito famoso nessa manhã de quinta-feira.
… Ele precisa ser castigado… Intimidado por Bolsonaro, Noronha (Paulo Sérgio Noronha, comandante do EB) protela sua decisão. Cogita limitar-se a advertir Pazuello oralmente, sem que nada venha a constar na sua folha corrida depois que for para a reserva. Seria a punição mais branda prevista nos regulamentos. Equivale à reprimenda que um pai dá num filho travesso. Nem palmada é. Noblat
O Estadão de terça feira coloca em choque tropa e comando ao antagonizar as questões Pazuello e uma conversa informal entre um terceiro-sargento e o ex-major-deputado Vitor Hugo.
“O que faria o Alto Comando se fosse o presidente Lula a atender pleitos levados ao Planalto, não pelo Ministério da Defesa, mas por controladores de voo ou sargentos de material bélico? A baderna nos quartéis – dizem os críticos do presidente – quem a instalou foram os generais que aderiram a Bolsonaro…”
Vitor Hugo é um parlamentar típico, quer angariar apoio das camadas médias das Forças Armadas. Deputados policiais e ex-militares já disputam avidamente essa fatia do eleitorado. O pouco status que o ex-major antes possuía aparentemente foi pro brejo durante o ano de 2019 ao defender incondicionalmente a proposta dos generais em desfavor de parcela significativa da tropa na reserva e pensionistas.
Enquanto em corredores da Câmara confessava para sargentos que considerava que a proposta possuía falhas e que deveria ser rediscutida, nas comissões o parlamentar alegava que seria o paraíso na terra. Hoje conta-se que é mal recebido em ambientes militares com maior concentração de graduados na reserva.
Promover lives com militares insatisfeitos é parte de sua estratégia para angariar os votos que precisa para uma reeleição pelo estado de Goiás. O parlamentar geralmente responde aos apelos dos militares com indicações parlamentares enviadas ao executivo federal.
Lamentável nessa questão é o fato do grande jornal e outros que o seguiram colocarem no meio desse estapafúrdio turbilhão político-midiático um cidadão que nada tem a ver com isso tudo, um sargento do Exército em início de carreira. Para muitos militares – como qualquer outro brasileiro – o sargento apenas apresentou ao seu político de confiança uma questão normal, sobre salários e carreira, que pode ser tratada em âmbito político e nem de longe é confidencial.
Há quem ache que o sargento apenas falou a verdade, que apenas repetiu colocações feitas inclusive pelo general Silva e Luna, atual presidente da PETROBRÁS.
Há quem diga que será usado como uma espécie de bode expiatório. Aquela história de que pelo menos alguém tem que ser punido.
“ ... nada demais, o sargento ... , não faltou com a verdade, citou fatos que inclusive são de amplo conhecimento da força como altíssimos alugueis nos grandes centros, o que é de conhecimento do alto escalão desde 2014 quando foi feita uma Portaria pelo General Silva e Luna em 2014 falando dos altíssimos alugueis nas capitais e o fato de inúmeros militares se verem obrigados muitas vezes a morarem em quartéis deixando suas famílias a grandes distâncias. Agora imagina um sargento de escola em uma grande capital sendo devorado pela suba dos custos básicos como alimentação, energia, despesas de saúde, ainda pressionado por alugueis altíssimos ... (recebido pelo Whatsapp) “ “Kkkk....tenho tempo pra isso não... Ele acreditou no poder da democracia, agora o sistema vai engolir ele ... (recebido pelo Whatsapp) ” “é de conhecimento de todo mundo ... citou fatos que inclusive são de amplo conhecimento da força como altíssimos alugueis nos grandes centros, o que é de conhecimento do alto escalão desde 2014 quando foi feita uma Portaria pelo General Silva e Luna em 2014 falando dos altíssimos alugueis nas capitais... tão morando na favela...... o cara bate no Rio, em são Paulo, em Porto Alegre e começa afetar até a dieta alimentar... o cara vai morar no quartel... quando o cara se insubordina de alguma maneira eles usam isso como punição velada, transferem o cara pra Rio, São Paulo... porque lá não tem moradia... o cara recebe uma pena moral e financeira... em São Paulo. Um vídeo antigo do SBT um general falou, transfere um pro Rio e outro pra São Paulo, vai morar na favela... “ “Como punir um sargento, se o general não for punido... Se aceitar isso acaba a disciplina nas Forças Armadas”.
Ainda pela grande mídia o general Santos Cruz disparou verdadeiros torpedos contra a cúpula do Exército. No início de toda essa crise, enquanto artigos aqui na Revista Sociedade Militar advertiam quanto à politização das instituições militares o general negava que isso pudesse ocorrer. Mas, parece que mudou de ideia.
“DE SOLDADO A GENERAL TEM QUE SER AS MESMAS NORMAS E VALORES. O presidente e um militar da ativa mergulharem o Exército na política é irresponsável e perigoso. Desrespeitam a instituição. Um mau exemplo, que não pode ser seguido. PÉSSIMO PARA O BRASIL.” (Santos Cruz)
Militares em cargos de comando quando enfrentando grande dilemas tendem a buscar as soluções com conseqüências menos avassaladoras para a força. Como se sabe, sanções aplicadas contra oficiais generais não podem ser divulgadas. Se Pazuello fosse punido a sanção não poderia vir a público. Para dar uma satisfação à tropa e à sociedade a punição teria que ser “vazada”? O Exército informaria que o oficial foi julgado mas que não é permitido que se divulgue o resultado do processo disciplinar? Seria algo bastante complicado.
Ao que parece o general acredita que diante do alto status que a força possui o decréscimo em apenas alguns pontos de credibilidade é a solução menos pior.
Nesse momento certamente o gabinete avalia a repercussão para a status da força diante da sociedade em geral e do público interno. Mais uma das encruzilhadas que a política lança nos quartéis.
Se encaixa perfeitamente aqui a sempre atual advertência do jurista Barbosa Lima Sobrinho, que disse se a tropa se convence de que, no plano político, os superiores gozam de um direito que é recusado aos subordinados, a consequência será a formação de um sentimento de animosidade, de um conflito.
“… não há como entender, ou justificar, que generais possam ter direito a manifestações políticas e que o mesmo direito seja negado aos suboficiais, de modo a que sejam presos aqueles que pretenderam seguir os exemplos de seus superiores hierárquicos (…) Se a tropa se convence de que, no plano político, os superiores gozam de um direito que é recusado aos sargentos, a conseqüência será … a formação de um sentimento de animosidade, de um conflito que, por não se manifestar de imediato, não será menos perigoso, como uma força latente de desagregação (…)” (BARBOSA L. SOBRINHO, in O Semanário, 23 a 39-5-1963, p.5).
Robson Augusto, Revista Sociedade Militar