Republicado a pedido: Erra quem diz que as Forças Armadas Brasileiras não são instituições políticas. Sem muitas batalhas para lutar no mundo dos mísseis, carros de combate e super caças, existe um exército de generais, almirantes, coronéis e tantos quantos militares as forças julgarem necessários, exclusivamente designados para lutar em uma guerra travada dentro de ambientes pomposos e climatizados. O objetivo a alcançar é fazer prevalecer sua visão de mundo nas diversas demandas legislativas que envolvem as instituições armadas.
Para as batalhas em locais como esses, os militares – nesse caso representando a cúpula de instituições ligadas ao Executivo e quase sempre apoiados por influentes lideranças políticas – podem usar armas não tão dignas como aquelas que se usa em um campo de batalha convencional. Na guerra política, sempre usando algum “supressor de ruído”, as armas com maior poder de fogo são promessas de favores, as verbas para emendas parlamentares, facilidades para agendas com autoridades, condecorações militares, títulos de cavaleiro da ordem tal e o consequente ganho de status político que tudo isso pode trazer.
A existência de um lobby militar influenciando sobre demandas dentro do legislativo é algo extremamente desastroso para uma democracia tendo em vista a força descomunal que essas instituições construídas para combater possuem, com centenas ou milhares de pessoas empregadas em setores de guerra psicológica, mídia, espionagem etc. O cenário fica ainda mais catastrófico pelo fato do Lobby aparentemente ser voltado para o favorecimento das categorias consideradas como parte da elite dentro das forças, deixando a famosa base da pirâmide quase sempre sem voz e, consequentemente, muito prejudicada social e financeiramente.
Uma olhadela rápida na diferença salarial entre topo e base das Forças Armadas comparado com a diferença entre topo e base de qualquer outra carreira de estado é suficiente para comprovar que quem grita mais alto recebe mais, sem contar o recém inventado “teto duplo” concedido para as elites das elites fardadas.
“Tráfico de influência” e “aliciamento político”
Em inglês a palavra Lobby significa ante-sala, o que define muito bem os locais onde trabalham os lobistas, na periferia de onde realmente as decisões são tomadas.
Vários artigos e notícias militares publicadas ao longo de 2019 pela Revista Sociedade Militar e outros sites que se debruçam sobre assuntos militares endossam essa visão de lobby militar. Revisitando-os fica evidente que um grupo privilegiado tem acesso a ferramentas e estrutura para – desfrutando dos privilégios que possuem as assessorias institucionais sediadas dentro do parlamento – influenciar os membros do poder legislativo a seu favor.
A escritora Rosinethe Monteiro Soares destaca a ideia de lobby como a atividade que sempre horrorizou o povo brasileiro, pois “só os mais fortes e geralmente estrangeiros tinham acesso aos políticos para pressionar (o que é a característica a priori do lobby)”.
De fato, um exemplo facilmente verificável, se durante a tramitação do projeto de lei 1645/2019 os graduados das Forças Armadas não tivessem custeado suas próprias passagens para Brasília e conversado com parlamentares, TODOS OS OFICIAIS GENERAIS do país, da ATIVA E DA RESERVA (pasmem!), teriam ganho com a reestruturação, além das outras vantagens, uma indenização vitalícia a título de representação no valor de 10% sobre seus soldos.
Isso é uma evidência clara de que a cúpula usa o lobby para se beneficiar.
Outro autor, Said Farhat, em sua obra diz que “lobby é toda atividade organizada, exercida … por um grupo de interesse definido e legítimo, com o objetivo de ser ouvido pelo poder público para informá-lo, e dele obter determinadas medidas, decisões ou atitudes”.
Um texto de Daniel Flemes deixa evidente que não há dúvidas quanto a existência do lobby militar, a discussão é apenas no que diz respeito ao seu alcance, influência e até se de fato é lícito e ético que militares – incluindo vários ainda na ativa – se imiscuam nos bastidores do processo legislativo, influenciando-o sem que a sociedade sequer perceba que isso ocorre:
” nos últimos anos, o lobby militar interveio, na maioria das vezes, em questões de orçamento, papel das Forças Armadas na Amazônia, bem como na problemática da Anistia para os crimes conexos do regime militar e particularmente no tocante às indenizações para as vítimas do regime militar. O uso de influência, particularmente no último campo temático mencionado, é extremamente problemático devido a, pelo menos, dois tipos de razões: em primeiro lugar, não se pode esperar das Forças Armadas, neste caso, um juízo objetivo.”, diz Flemes
Exemplo recente da eficácia do Lobby militar
Durante a tramitação do Projeto de Lei 1645 de 2019 graduados e oficiais das Forças Armadas que se sentiam prejudicados por alguns itens da proposta perceberam que a assessoria parlamentar do Exército Brasileiro se fazia presente de forma contínua em gabinetes de parlamentares que faziam parte da Comissão Especial que analisaria o projeto de lei. Durante o processo legislativo alguns sargentos narraram que perceberam que estavam sendo monitorados e que logo após sua visita a vários gabinetes de parlamentares os mesmos gabinetes teriam sido visitados por oficiais do Exército que procuravam desmentir as justificativas anteriormente feitas pelos graduados.
Em certo momento da tramitação o relator do projeto, deputado Vinícius de carvalho, disse – se gabando de seu alto status diante dos generais – que havia sido escolhido para a relatoria pelos próprios comandantes das Forças Armadas, “das três forças”, declarou em alto e bom som.
Graduados das Forças Armadas, também durante o processo legislativo, denunciaram a concessão de agrados como dezenas de medalhas, títulos honoríficos, viagens custeadas pelas Forças Armadas, almoços fartos e até vagas em colégio militar para filhos de políticos.
Artigo publicado durante a tramitação da proposta conta que cerca de 50% dos parlamentares membros da comissão especial da Câmara dos Deputados que votaria a proposta dos militares já haviam sido homenageados pelas forças armadas com medalhas e títulos nobiliárquicos como “grande oficial” e “cavaleiro da ordem”.
Tais fatos, amplamente registrados e divulgados, nos obrigam a mencionar termos como “tráfico de influência” e “aliciamento político”, mencionados por Gabriel Rodrigues C. Coelho e Ana Claudia S. Junqueira em sua análise sobre o lobby no Brasil.
O que mais é preciso para comprovar o evidente desvio na “balança democrática” no que diz respeito à discussão de uma lei que envolve centenas de milhares de cidadãos brasileiros?
Algumas perguntas
– Esse tipo de atitude não estaria ultrapassando o limite do que poderia ser considerado como uma intromissão entre poderes. O uso de militares da ativa ou da reserva contratados para – com o uso de seus altos postos – impressionar e pressionar parlamentares a votar de acordo com a vontade do governo federal/poder executivo, que era o autor da proposta é lícito… ou ético?
– O uso da máquina pública do Exército Brasileiro para patrocinar viagens e condecorações para parlamentares não tornaria a “luta legislativa” desigual, tendo em vista que a outra parte interessada, que no caso em tela são os graduados e pensionistas, não tem em mãos os mesmos mecanismos de pressão e convencimento?
– Dependendo da forma de atuação junto ao tomador de decisão o grupo formado pelas assessorias, dado o poder de distribuição de recursos que detém o poder executivo, não poderia ser encarado mais como um grupo de pressão do que como um mero grupo de interesse?
Poder econômico e institucional
O poder econômico e institucional que uma entidade estabelecida dentro do Congresso Nacional possui é enorme e sem dúvida alguma pode fazer faz a balança pender para o seu lado no processo legislativo. Quando era senador, o advogado Marco Maciel chegou a apresentar um projeto de lei que regularia a possibilidade de abuso do poder econômico por parte dos chamados lobistas.
No caso Pl-1645, usado por nós como exemplo, onde de um lado estava a cúpula das Forças Armadas e de outro os membros das camadas baixas e médias, ficou óbvio que o time que possuía maior poder econômico, maior status, com poder de usar a máquina pública a seu favor, tinha maior possibilidade de ser bem sucedido, tornando – evidentemente – o jogo legislativo injusto, desigual.
No projeto de lei 6.132, DE 1990, que nunca foi votado, o senador Marcos Maciel sugeria que as entidades registradas junto ao Congresso Nacional deixassem claro quanto gastaram para influenciar os parlamentares a votar a seu favor.
“… As pessoas físicas ou jurídicas, registradas junto ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados, deverão encaminhar às respectivas Mesas Diretoras, até 30 de junho e 30 de dezembro de cada ano. declaração dos gastos relativos à sua atuação perante aquelas Casas do Congresso…”.
O projeto de Marcos Maciel, como acima mencionado, nunca foi votado. Todavia, fica claro que a disputa em torno de um projeto de lei – que quase sempre tem mais de um lado interessado – tem que ser equilibrada e transparente, deixando claro o que cada um dos atores pode ou não pode fazer e que fiquem registrados os recursos e ações empregados em caso de um dos interessados se tratar de órgão governamental.
Entre outras, se fazem representar de forma permanente no Congresso Nacional as seguintes assessorias, com o claro objetivo de influir no processo decisório em favor de seus órgãos superiores: Gabinete de Segurança Institucional (ABIN); do Ministério da Defesa; do Comando do Exército; do Comando da Marinha; do Comando da Aeronáutica; da Polícia Federal; da Polícia Rodoviária Federal; do Tribunal de Justiça do DF; da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Na medida em que durante a discussão de matéria legislativa um grupo tem maior poder do que outros no que diz respeito a demonstrar suas razões e contrarrazões, acaba a democracia e inicia-se o autoritarismo, nesse caso em especial – muito emblemático – a coisa é conduzida por homens de galões com estrelas que – por dever constitucional – deveriam resguardar justamente o funcionamento perfeito das instituições democráticas, a lei e a ordem.
Cabe ao legislativo e – em última instância – ao judiciário, garantir que o processo legislativo seja realmente democrático. As relações institucionais com o parlamento – quando o estado ou instituição ligada a este se torna parte interessada em uma demanda legislativa – têm que ser reguladas em defesa do que se chama de democracia participativa e ideais republicanos.
As partes interessadas no processo têm que ser identificadas e a elas devem ser fornecidos todos os recursos para que a “disputa” se desenrole em pé de igualdade.
Robson Augusto da Silva. Sociólogo, jornalista, militar da reserva remunerada.
Temas: direito militar, justiça militar, legislação militar, causas militares, assuntos militares.
Bibliografia
SILVA, Paulo Vieira da; RIBAS, Antonio Neuber. Assessoramento e lobby no Congresso Nacional. Humanidades, Brasília, n. 13, p. 35-42, maio/jul. 1987
Martins, José do Nascimento Rêgo. Assessoria Parlamentar da Polícia Militar:
Análise De Sua Atuação Institucional Dentro Do Congresso Nacional. Universidade Federal de Mato Grosso Do Sul (Ufms), 2008
Farhat, Said. “Lobby: O que é. Como se faz. Ética e transparência na representação junto a governos”. Editora: Aberje Editorial. Ano: 2007
Flemes, Daniel. Militares e Parlamento na América Latina: Uma reflexão crítica sobre a função de controle das Comissões de Defesa brasileiras. Encontrado em: https://www.resdal.org/docs-flemes.html
Gabriel Rodrigues C. Coelho e Ana Claudia S. Junqueira. Lobby no Brasil: Uma Análise Sobre o Caso Brasileiro e as Tentativas de Regulamentação da Atividade. Encontrado em: https://www.arcos.org.br/cursos/politica-e-direito/artigos/lobby-no-brasil-uma-analise-sobre-o-caso-brasileiro-e-as-tentativas-de-regulamentacao-da-atividade
Revista Sociedade Militar. Marinha RECUA, não justifica concessão de MEDALHAS para parlamentares e juízes e MUDA VERSÃO – PROPOSTAS teriam ido PARA O LIXO. Encontrado em: https://www.sociedademilitar.com.br/2020/08/1-marinha-recua-nao-justifica-concessao-de-medalhas-para-parlamentares-e-juizes-muda-versao-agora-informando-que-as-propostas-foram-para-o-lixo.html
Revista Sociedade Militar. Advogado diz que comandantes das Forças Armadas não podem escolher relator de PROJETO DE LEI e que em tese isso afronta a independência entre os poderes. Encontrado em: https://www.sociedademilitar.com.br/2019/09/advogado-diz-que-forcas-armadas-nao-podem-escolher-relator-de-projeto-de-lei-e-que-em-tese-isso-afronta-a-independencia-entre-os-poderes.html