Uma associação de militares foi fechada, outra já foi intimada pelo Exército a depor em sindicância e outra, ligada ao estudo de legislações militares, atualmente responde a inquérito aberto pelas Forças Armadas a pedido da AGU, que na época era comandada por André Mendonça.
Em suas redes sociais André Mendonça se identifica como Doutor em Direito, ex-Advogado-Geral da União, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública. O advogado, bem visto pelos militares, foi condecorado em 2021 com a Ordem do Mérito Militar.
Partiu da Advocacia Geral da União uma informação que acabou se transformando em um inquérito que já tramita nos porões de instituições militares. A instituição, que no governo Bolsonaro ganhou uma coordenadoria voltada exclusivamente para questões militares, parece acreditar que associações de militares que participaram de audiências públicas no Senado Federal e Câmara dos Deputados discutindo questões ligadas ao Projeto de Lei 1645/2019, apresentado pelo governo, podem ter procedido de maneira ilegal.
Um dos documentos aos quais a Revista Sociedade Militar teve acesso diz que um INQUÉRITO POLICIAL MILITAR foi instaurado a partir de notícia crime enviada pela Advocacia Geral da União ao Ministério Público Militar sobre suposto envolvimento de ASSOCIAÇÕES DE MILITARES em atividades ilícitas.
A AMIGA, associação sediada em Guaratinguetá e historicamente ligada a militares da Aeronáutica, recebeu intimações para comparecimento de diretores a um quartel do Exército. Segundo documento divulgado pela associação, o Exército não encontrou indícios de sindicalismo nas atividades da associação e o Ministério Público chegou a se manifestar sobre a solicitação de apuração feita pela AGU informando que sindicalismo, ainda que promovido por militares, não seria crime.
Outra associação, a Associação dos Militares das Forças Armadas do Estado de São Paulo (AMFAESP), já teve seu CNPJ cancelado após denúncia da AGU à Receita Federal alegando que a associação seria ilegal.
Advogado ouvido pela revista contesta a legalidade do cancelamento sumário do CNPJ.
Adão Farias diz a Constituição Federal de 1988 prevê que associações somente podem ser fechadas após transito em julgado de processo judicial. O advogado fala ainda em contraditório e ampla defesa, direitos que para ele precisam ser observados em questões como essa.
Questionados pela Revista Sociedade Militar, membros das entidades informaram que nas audiências públicas, às quais compareceram a convite de parlamentares, não se comportaram como sindicatos na medida em que trataram exclusivamente de questões relacionadas ao trâmite de um projeto de lei apresentado pelo governo federal ao Congresso Nacional.
Um dos pontos mais polêmicos das discussões, narram, foi a tentativa de criar uma gratificação somente para oficiais generais a título de representar as Forças Armadas. Segundo explicam os militares, os oficiais generais tentaram criar somente para eles mesmos um benefício para seus salários, estendido inclusive à generais na reserva, sendo que todos os militares por lei têm que representar bem as instituições.
Após acirrada disputa a coisa foi derrubada na Câmara. Todavia, as maiores vantagens – segundo contam – ainda acabaram ficando para quem está no topo da cadeia hierárquica. Alegam que a reestruturação das carreiras não gerou um aumento linear, que não teria alcançado todos de forma isonômica. Como ocorreu no passado, na questão dos 28.86%, quem está na cúpula acabou ficando com a maior fatia do bolo e os que já estão na reserva e pensionistas foram os mais prejudicados, explicam.
A disputa por mudanças na lei foi árdua e por várias vezes os graduados reclamaram de sofrer pressão. Em alguns momentos – de fato – dentro do Congresso Nacional chegaram a ocorrer discussões com ânimos alterados entre generais-deputados e graduados. Oficiais de quadros subalternos também se sentiram prejudicados e suas demandas acabaram sendo apoiadas por deputados de oposição, como Glauber Braga e Marcelo Freixo.
Um dos militares ouvidos pela revista diz ainda que acredita que a coisa pode ter sido “apimentada” pelo fato de existir um convite enviado pelo STJ para que associações se manifestem acerca de cassação de direitos de pensionistas ao fundo de saúde da Aeronáutica. As Forças Armadas não costumam admitir que nenhuma entidade fala em nome da corporação ou de parte dela.
“Justamente no governo de Jair Bolsonaro, que participou de tentativas de criar uma federação de associações de militares, ocorre esse tipo de coisa“, aponta outro militar ouvido. O mesmo militar diz que o próprio Clube Militar tem sido protagonista em discussões políticas e aparentemente não sofre qualquer tipo de pressão.
Segundo os documentos obtidos pela Revista Sociedade Militar, o número de associações que podem estar envolvidas em investigações chega a 7, em vários estados da federação, incluindo Rio de Janeiro, São Paulo, Pará e Bahia.
Ao longo dos próximos dias a Revista Sociedade Militar vai explorar esse tema de forma mais aprofundada.