Por meio de portaria, Exército recua e promove subtenente a primeiro-tenente após declarações contundentes de testemunha que, entre várias irregularidades, aponta “pressão, ingerência e pedidos” de superiores durante processo de escolha de oficiais auxiliares
O Exército Brasileiro, que enfrenta diversos processos movidos por militares que se sentem prejudicados pelo processo de promoção de militares na força, é cada vez mais encurralado judicialmente por advogado especialista em direito militar que avança desvendando os chamados mistérios ocultos do obscuro processo de escolha dos militares que poderão galgar o oficialato.
Essa semana, por meio de portaria de promoção, a força acabou indiretamente reconhecendo erros no processo de promoção. A decisão foi emitida poucos dias após depoimentos contundentes de subtenente que trabalhou no setor de promoções da força terrestre. Na visão de militares e advogados ouvidos pela revista, na medida em que os processos avançam há tendência de que a força venha a reconhecer erros ainda antes das decisões judiciais e que seja feito justiça em relação a outros militares com as mesmas demandas.
Códigos e siglas ocultas nos processos de promoção foram explicados por testemunha, também ficou provada a subjetividade na escolha e que praças teriam sido prejudicadas até por simples discussões do passado com oficiais ou por faltas antiguíssimas já canceladas e com punições aplicadas, o que remete para a veracidade das informações publicadas em artigo da revista sobre a possível existência de um prontuário de inteligência secreto, onde são anotados simples detalhes do cotidiano dos militares da força terrestre.
O advogado Cláudio Lino, em parte da inicial, chega a dizer que a força terrestre “não é transparente” e que o método utilizado fere o princípio da moralidade.
A medida foi publicada no Diário Oficial de 9 de novembro de 2021 e percebe-se que não é advinda de decisão judicial, o que significa que o Exército administrativamente reconhece os apontamentos feitos pelo advogado do militar.
“O CHEFE DO DEPARTAMENTO-GERAL DO PESSOAL, no uso das atribuições que lhe confere o inciso VI do art. 20 das Instruções Gerais para Ingresso e a Promoção no Quadro Auxiliar de Oficiais (EB10-IG-02.005), aprovadas pela Portaria do Comandante do Exército nº 1.496, de 11 de dezembro de 2014, e de acordo com o previsto no art. 60, § 1° da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares), resolve
PROMOVER o S Ten Art (020384384-2) VALMIR LUIZ DA SILVA, em ressarcimento de preterição, pelo critério de merecimento, ao posto de segundo-tenente do Quadro Auxiliar de Oficiais (2° Ten QAO), categoria “Administração Geral”, a contar de 1° de dezembro de 2016, e ao posto de primeiro-tenente do Quadro Auxiliar de Oficiais (1° Ten QAO), pelo critério de antiguidade, a contar de 1° de dezembro de 2018.”
Durante o processo o advogado CLÁUDIO LINO apontou que o militar, embora melhor pontuado, havia sido preterido e que vários outros militares com menor pontuação já haviam galgado o oficialato.
“… verifica-se a notoriedade do fato de que o Autor estava com a maior pontuação e o melhor posicionamento entre os demais militares relacionados no QAM, no entanto, ao contrário do Demandante, todos foram promovidos ao Posto de 2º Tenente QAO, companheiros de turma e até mesmo, como já dito, militares de turmas posteriores, ferindo-se assim o princípio da hierarquia militar. “
e
“O Requerente não fora promovido, permanece até a presente data na graduação de Subtenente, não se sabendo o porquê da negativa do seu direito à promoção, haja vista que o respectivo processo no âmbito do Exército não é motivado e muito menos transparente, contrariando os princípios previstos na Lei nº 9.784/99, ou seja, a Lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, sendo este assunto, mais especificamente sobre o desvio de finalidade da comissão de promoções (CP-QAO) …”
Na última audiência realizada sobre o processo, a qual a Revista Sociedade Militar teve acesso, ocorrida em 19 de outubro de 2021, uma das testemunhas, um subtenente do exército que já trabalhou no departamento de promoções, após ser avisado que é obrigado a falar a verdade, fez declarações extremamente contundentes. Durante o depoimento o militar informou que levou até o conhecimento de superiores as irregularidades ocorridas no setor onde trabalhava.
“… trabalhei da DAPROM de fevereiro de 2010 a novembro de 2014… ilegalidades vão continuar ocorrendo… presenciei casos de militares que estavam entre os primeiros 15 ou 20 colocados e que por causa de uma punição de 20 anos atrás, já cancelada, foi-lhe tirado mais de 100 posições… já havia sido punido e foi penalizado novamente pelo relator… presenciei casos de militares pontuados que por erros do passado o militar foi tirado da punição… o relator vai julgar os registros e aqueles que não estão registrados, tem caso de militar que tem ação na justiça contra a instituição que é penalizado… o relator recebe ordem pra isso… comandante de OM ligar pra DAPROM para o militar não ser promovido… é ilegal, covarde e imoral… a CPQAO. Não tem publicidade … o processo é conduzido na obscuridade… Relatores sofrem muita pressão… ambiente com muito oficial general… ingerência, pedidos… casos teve relator que recebeu pedido pra promover fulano, deixar de promover cicrano… “