Reclamação de graduados obriga Forças Armadas a dar explicações no Tribunal de Contas da União
Depois de receber seguidas denúncias sobre injustiças na “partilha” de vantagens sobre os adicionais de habilitação inseridos na reestruturação das carreiras, que acabou beneficiando os oficiais que ocupam cargos na cúpula das instituições militares, a Revista Sociedade Militar questionou oficialmente a Marinha do Brasil sobre o número de militares beneficiados e as datas em que foram transferidos para a reserva remunerada.
A marinha do Brasil rapidamente se negou a fornecer as informações. Uma mensagem versando sobre meritocracia foi enviada para a Revista Sociedade militar pelo Almirante Garnier, que comanda a força naval, mas não respondeu o questionamento. Desejávamos saber quantos militares haviam concluído cursos de altos estudos e seguida sido transferidos para a reserva remunerada. Obvio que os graduados que participaram dos movimentos na Câmara dos Deputados não tinham interesse em fazer com que o pessoal da ativa ou reserva que recebeu alguma vantagem perca benefícios. Contudo, a depender da resposta da defesa, as argumentações dos generais políticos poderiam ser colocadas em xeque. Alegavam que a implementação de maiores percentuais seria para justificar a criação de novos cursos mais complexos e extremamente necessários para as instituições ao invés da requerida atualização do currículo dos cursos já existentes e melhor divisão dos percentuais concedidos para os adicionais de habilitação já existentes.
Decidimos contestar as “não respostas” e fomos até a Controladoria Geral da União, que determinou que a Marinha do Brasil nos enviasse os dados completos solicitados. Foi assustador, descobrimos que somente do pessoal que havia realizado os cursos em 2019 e 2020 um número enorme já havia sido transferido para a reserva remunerada.
Publicamos: “Dos militares que concluíram o curso de Altos Estudos para praças na Marinha do Brasil, o C-ASENSO, em 2020 e 2021, mais de 40% já foram transferidos para a reserva remunerada… Isso significa que de 3461 suboficiais que completaram o curso que teria como objetivo suprir necessidades, serviços prestados por militares especialistas em Assessoramento em Estado Maior, em pouco mais de um ano quase a metade, 1.405, já foram para a reserva remunerada.”
Nosso texto chegou até as mãos de um parlamentar por meio de uma denúncia. Não poderia ser diferente, um deputado federal civil, por mais que tenha uma função fiscalizadora, não tem como identificar certos detalhes e questões relacionadas à vida militar, há coisas que só um militar de carreira percebe.
Elias Vaz solicitou mais detalhes ao Ministério da Defesa. A resposta chegou e a grande imprensa a abocanhou com avidez, publicando títulos de grande impacto, logo nas vésperas das eleições.
O erro foi dos graduados que realizaram o C-ASEMSO? Claro que não. O curso foi implementado na correria porque um grupo de graduados alegou na Câmara dos Deputados que Marinha e FAB não possuíam cursos de altos estudos para praças e que a aprovação de uma lei com esse tipo de benefício acabaria privilegiando a oficialidade das três forças e principalmente os militares do Exército já na ativa e na reserva.
Os oficiais generais políticos não queriam “dar o braço a torcer”, não queriam admitir que subordinados estavam certos.
“Caso os percentuais fossem distribuídos de forma mais coerentes sobre os adicionais já existentes, como solicitaram os graduados que protestavam na Câmara dos Deputados, esse caos todo não estaria ocorrendo“, Comenta um militar da reserva.
Parlamentares homenageados com condecorações militares, impressionados com os afagos de autoridades do alto escalão das Forças Armadas, inocentemente aprovaram uma lei que acabou beneficiando alguns poucos e prejudicando uma quantidade enorme de militares na ativa, reserva e pensionistas. Durante a tramitação o deputado Vinicius de Carvalho chegou a admitir – orgulhoso – que havia sido escolhido como relator do projeto de lei pelos próprios comandantes das Forças Armadas, foi a primeira vez na história que um lobby de militares havia manipulado a casa legislativa de tal forma.
Já são milhares as ações na justiça contestando itens da nova legislação.
Como resultado disso tudo vemos agora mais uma vez, como se não bastasse todas as intrigas políticas, o nome dos militares arrastado para a lama e – pior – a possibilidade de militares da ativa perder benefícios por conta da vigência de uma norma mal elaborada por generais políticos.
Fala do deputado Elias Vaz
“Nós recebemos denúncias de dentro do comando da Marinha informando essa prática. Constatamos que o adicional de habilitação se tornou uma ferramenta para elevar a remuneração de oficiais e suboficiais antes que sejam transferidos para a reserva” …
Segundo o deputado, que já fez a denúncia no Tribunal de Contas da União, o Governo Federal custeia cursos para aperfeiçoamento que não serão utilizados em favor do país e por isso, na verdade, a coisa seria um reajuste disfarçado que acaba alcançando quem já está para se aposentar.
“Ou seja, o país não usufrui desses conhecimentos e os militares recebem salários muito mais altos. O dinheiro público está bancando o curso e a promoção”
Sobre Devolver o dinheiro
Ouvido pela Revista Sociedade Militar, o advogado Cláudio Lino, especialista em direito militar, diz que existe sim possibilidade de que o TCU faça uma revisão dos salários e de que faça cessar o reajuste concedido no adicional de habilitação dos militares que foram para a reserva nos últimos anos. De fato o TCU tem emitido várias determinações para que militares percam “posto acima” e outros benefícios considerados irregulares pela corte.
O advogado, critica os generais políticos que implementaram essa mudança: “chegaram ao patamar de ministro do supremo e não estão preocupados… podem ser responsabilizados individualmente” e no que diz respeito à devolução dos pagamentos, cita como exemplo o que ocorreu com os taifeiros da FAB e com o pessoal que tem tido cortado o posto acima recebido após a transferência para a reserva, que não tiveram que devolver numerários recebidos de boa fé, mas sofreram uma revisão de salários que retirou os benefícios considerados como ilegais.