Durante um discurso em 24 de dezembro de 2022 o general da Reserva Eliezer Girão disse aos manifestantes que “papai Noel ia chegar”. A fala – advinda de um oficial de alta patente – foi recebida, obviamente, com entusiasmo pelos bolsonaristas acampados, como todas as mensagens que minimamente apontassem para a possibilidade de implementação de uma intervenção militar.
“… botem o sapatinho na janela que o Papai Noel vai chegar, acreditem em Papai Noel… … mantenham o desejo de vocês… o estado brasileiro entrega aos militares o direito de usar a violência em seu nome… para a defesa da democracia… “, disse Girão
O mesmo oficial, que também é deputado federal, retuitou uma postagem do site jornaldacidadeonline, onde se dizia que a Força Aérea transformaria desejos em ações. Os “decifradores” de mensagens, geralmente ex-militares do efetivo variável que serviram um ou dois anos às Forças Armadas e se vestem quase sempre com roupas camufladas, empoderados por portaria recente do Comando do Exército que lhes emprestou o nome de VETERANOS, logo espalhavam em suas redes que as FA aguardavam apenas o momento exato para impedir que Lula subisse a rampa, que isso seria transformar o desejo do povo em ação.
Essas e outras centenas ou milhares de frases incitadoras, algumas retiradas de seu contexto original, fizeram a cabeça dos bolsonaristas mais influenciáveis, aqueles que acreditavam que as Forças Armadas esperavam apenas o “eu autorizo” para implementar uma nova revolução de 1964.
O documento encontrado na residência de Anderson Torres, onde se propunha a decretação de um estado de exceção é só mais um das centenas que circulavam, que foram entregues para autoridades ou em “prints” pelas redes sociais com o intuito de “facilitar” a implementação de uma virada de mesa no resultado das eleições. Se fizeram isso, se tinham essa esperança, é porque um processo bem elaborado, que vem de anos atrás, os convenceu de que as Forças Armadas, caso fossem pressionadas, estariam dispostas a satisfazer o seu desejo.
Ninguém viu isso, ninguém se preocupou em convencer o povo de que não havia possibilidade de existir a tal intervenção militar, mesmo depois de perceber que aqui se repetia o que ocorreu nos EUA? Poder-se-ia dizer que foi prevaricação não cumprir com o dever de informar a sociedade de forma clara sobre o comportamento dos militares?
Ninguém dos 3 comandantes disse de forma bem clara para o público: “As Forças Armadas não vão tomar o poder, fechar congresso ou qualquer coisa do tipo, em hipótese alguma”. Portanto, é racional sim concluir que os militares têm sua parcela de culpa nas “minutas do golpe”, sejam elas impressas em papel A4, impressas em cartazes ou impressas apenas na mente dessas milhares de pessoas que foram levadas a crer que suas ações faziam sentido.
Houvessem os generais resistido logo no início do governo ao canto da seria dos altos salários como auxiliares de Bolsonaro, se mantido afastados da política como no passado ocorria e, por fim, de forma clara e veemente, afirmado que não havia possibilidade de implementar a ação solicitada na frente dos quartéis, ao invés de alimentar esperanças com comentários de duplo sentido e o silêncio famoso e permissivo do “grande mudo”, as Forças Armadas aí sim teriam cumprido seu papel de auxiliar na manutenção da ordem democrática no país.
Infelizmente parte significativa da cúpula armada na ativa nos últimos meses de 2022, a oficialidade que mantém o contato com a tropa, embora não concordassem com propostas de “virada de mesa” não tiveram pulso forte o suficiente para manifestar de forma clara a sua posição sobre as imposições da cúpula política fardada, os oficiais nomeados por Bolsonaro, e deixaram as coisas chegar em um estágio que fez com que FA saíssem perdendo capital político e status, tanto diante da classe política e intelectual do país como diante do povão, que os via como o grande protetor, como as únicas instituições realmente imaculadas.
Para grande parte dos militares que se mantém afastados do microfones e páginas de internet, a implementação de uma intervenção atiraria o Brasil no caos, o que pode-se ver em raras manifestações de oficiais da ativa que circulam muito pouco nas redes, justamente porque não interessava aos youtubers “de direita” propagar a verdade sobre o que os militares com o pé no chão pensavam.
Texto de Robson Augusto. Sociólogo, militar da reserva, jornalista – Editor da Revista Sociedade Militar