Ingressei na Marinha do Brasil aos 17 anos, no já longínquo ano de 1989, por meio de concurso. Saí do Rio de Janeiro para a Escola de Aprendizes-Marinheiros em Pernambuco. Mais de 30 anos se passaram e, atualmente, faço parte do grupo de Veteranos da Marinha na condição de Suboficial (RM1).
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De 1989 para cá é fácil afirmar que muita coisa mudou. Entretanto, a pergunta que muitos ainda fazem é: ainda vale a pena entrar para as Forças Armadas? Vou responder com o máximo de honestidade e sem corporativismo, pois trata-se do futuro de jovens que sonham com a vida dentro do militarismo. Todas as análises estão baseadas em minhas experiência como militar da Marinha do Brasil.
Concurso ou recrutamento?
Ao subtítulo acima, acrescento também a categoria que hoje chamamos de Reservistas de Segunda Categoria ou RM2 (na Marinha). Bem, a verdade é que as remunerações serão condizentes com sua especialização ou grau de estudo. Caso ingresse como RM2 na categoria de Praça, certamente receberá uma remuneração maior que a de um Aprendiz-Marinheiro, mas há o problema da ausência de estabilidade, além do fato que a permanência de um RM2 depende – e muito – de sua atuação e da concordância do Comando ao qual estará subordinado, já que o contrato tem que ser renovado anualmente.
Aos que vêm de Escolas de Aprendizes, há a rotina mais puxada em função de sua condição inicial estar na base da pirâmide hierárquica da Força. Ao se tornar Marinheiro(a) ou Soldado (Fuzileiro), este certamente terá uma carga de trabalho e uma escala de serviço mais desgastante. Note que isso não é um “castigo”, mas uma adequação, visto que o militar será mais novo e menos desgastado, suportando melhor tais cargas de trabalhos, fainas e serviços.
Já o recrutamento é uma simples “quitação” com o Serviço Militar Obrigatório, sem quaisquer garantias de permanência nas fileiras da instituição.
De forma resumida, ao concursado é garantido (em tese) uma maior segurança e estabilidade, enquanto o RM2 e o Recruta não as possuem. Até o momento de minha ida para a Reserva, os RM2 só poderiam cumprir 8 anos de serviço, sendo depois dispensados.
Assim, caso tenha pretensão de passar apenas um período determinado onde receberá por seus serviços, as opções sem concurso são boas. Já se o seu caso for a permanência e a evolução dentro das FFAA, certamente o concurso será a melhor escolha.
Praça ou Oficial?
A remuneração é o ponto chave nessa questão. Oficiais recebem mais por causa dos cursos e habilitações que possuem, mesmo que sejam RM2. Ao Praça cabe uma remuneração condizente com sua graduação e especialização, sendo a esmagadora maioria portadora de nível médio, enquanto os Oficiais têm nível superior. Vale destacar que não há a paridade salarial (ou algo próximo disso) pelo fato de o Praça ter nível superior de escolaridade; isso será pertinente em casos onde o militar preste concurso interno (Oficialato) ou externo onde tal fato seja uma exigência.
Relembra-se que as cobranças e responsabilidades serão maiores conforme a antiguidade, tempo de carreira e a função assumida.
O fato é que há opções para quem tem o nível médio e também para quem possui nível superior. Logo, a escolha ficará dependendo de sua escolaridade.
Obs.: o recrutamento também exige o nível de ensino médio, porém apresenta a peculiaridade de não garantir a continuidade do recruta nas fileiras da Força escolhida.
Preparo psicológico.
No fim dos anos 80 e início dos anos 90 ainda havia resquícios do Regime Militar. Não estou citando resquícios de ações ou omissões, mas sim da percepção por parte da população civil. Não era incomum alguns enxergarem no militar recém-incorporado um “agente da repressão” ou algo assim. Felizmente isso mudou e as FFAA chegaram ao patamar de constar entre as cinco instituições de maior prestígio junto à população.
Contudo, devido à polarização, ser militar é viver entre o reconhecimento e o escárnio. Parte da população crê e gosta dos militares, enquanto outra parte ainda os têm como opressores e garantidores da segurança de quem não é merecedor, segundo opinião desta parcela.
Com isso, é preciso deixar claro que ser militar é algo que demandará muito preparo psicológico, dedicação praticamente exclusiva e uma grande carga de esforço por parte dos familiares que terão que aprender a suportar ausências, viagens, o próprio estresse diário e outros entraves característicos da carreira.
Um dos problemas mais corriqueiros que vi ao longo da carreira é a insatisfação dos que entraram “iludidos” e acharam que a vida militar seria somente ação e operações táticas ou, em contrapartida, eles iriam apenas atuar nas áreas de suas profissões e especializações (caso mais comum são os militares dos Quadros de Saúde e os Médicos, Dentistas e Farmacêuticos). Lembre-se: antes de ser médico, enfermeiro, eletricista, mecânico ou qualquer outra coisa, você estará na condição integral de militar. Logo, não cabe reclamação, principalmente depois deste aviso.
Não há o mar de rosas que muitos afirmam por aí, assim como também não é o quinto círculo do inferno de Dante.
Remuneração.
Esse é um dos pontos mais controversos. Apesar de as remunerações em quase todas as graduações e postos ainda serem atraentes, não há como negar que houve uma grande defasagem ao longo dos anos nos pagamentos dos militares. De qualquer forma, considero ainda válido o ingresso nas FFAA, principalmente para os que se valerão disso como forma de buscar “voos mais altos”.
Destaco que o progresso na carreira militar é sinônimo de aumento salarial, porém isso pode demorar conforme o Plano de Carreira. Desta forma, acredito que a permanência em qualquer uma das Forças é questão de necessidade. Também destaco que há muitas pessoas com grande capacidade intelectual e nível de escolaridade alto competindo no meio civil, o que torna a estratégia de “subir degrau por degrau” algo plausível.
Outro ponto importantíssimo é o seu tempo em que permanecerá no meio militar, já que quanto mais tempo ficar, maior será sua faixa etária em relação aos outros na vida civil, além do fato de que sua experiência estará “estagnada” por ter servido por um grande período somente no meio militar.
Não caia no erro de comparar remunerações, principalmente se já estiver em uma das Forças. O salário de um policial militar em Brasília será maior que os militares das FFAA na mesma graduação, isto é um fato. Caso queira modificar sua situação, prepare-se para o concurso em que o pagamento é maior, seja aprovado e tenha boa sorte. Reclamar é algo que dispende tempo e provavelmente não o levará a lugar algum.
Vida na caserna.
Há vários entraves e problemas no cotidiano militar. Você terá que obedecer seus superiores hierárquicos sem contestação, sua rotina pode ser alterada em questão de segundos, sua convivência familiar será reduzida e até mesmo seu progresso na carreira estará vinculado àqueles que o avaliam semestralmente. Não há facilidades, ao contrário do que dizem alguns veículos de imprensa.
Em contrapartida, a estabilidade (adquirida após 10 anos de serviço), o companheirismo e a lealdade são características que tornam mais suaves as já citadas dificuldades. Como em todo emprego, problemas e soluções estarão presentes no decorrer de sua carreira, cabendo a você a luta pelo progresso e a distinção entre seus pares.
Não acredite na falácia de que seus problemas serão menores, apenas por estar em um âmbito militar. Todo lugar onde o “material humano” estiver presente tem, potencialmente, a possibilidade de surgir os mesmos traumas e problemas de qualquer outro emprego.
Competência.
Um dos problemas mais corriqueiros nas FFAA ainda está no modo como as avaliações semestrais são feitas. Essas avaliações determinam se, durante o semestre, seu rendimento profissional, moral, ético e suas aptidões para prosseguir na carreira foram condizentes com o esperado. Esse tipo de avaliação também existe no meio civil, ainda que de forma menos efetiva, porém é impossível dissociar essa avaliação de seu progresso ou de sua estagnação na carreira.
De forma sucinta, quando um Oficial ou Praça recebe uma avaliação ruim (e nem sempre por ter tido um rendimento ruim), este terá inevitavelmente sequelas, muitas delas ao decorrer da carreira, já que há comissões que avaliam graduados e oficiais, podendo estas determinarem a exclusão de cursos, o impedimento para promoções ou outros adventos oriundos da(s) avaliação(ões).
Infelizmente ainda há um número grande de militares que não observam as notas apontadas nessas avaliações semestrais e, por isso, são “penalizados” no médio e longo prazos. Obviamente que nem todos são prejudicados por essa prática de avaliação, todavia a Marinha já está adotando uma nova metodologia para evitar os lapsos observados desde sua última (e relativamente recente) atualização no método avaliativo.
Ilusão?
A velha impressão de que os militares estarão sempre armados, prontos para o combate e em constante treinamento é algo proveniente de filmes e outras obras de ficção. É notório que há treinamentos, uso de armas, exercícios físicos e outros quesitos característicos da vida militar, porém nem todos ficam 100% operativos. Há um grande contingente que se ocupa de trabalhos administrativos de todos os tipos, fainas e serviços que não fazem do “pacote dos filmes de guerra”.
Seja como for, em pouco tempo o militar percebe qual é a realidade e qual será seu planejamento para se tornar “operativo” ou “administrativo”, conforme suas qualificações e, claro, indicações dos superiores hierárquicos.
Nota final.
Ser militar é uma escolha e um dom. Nem todos estão preparados para a rotina puxada, as “fainas inopinadas”, o acatamento de ordens e a vida na caserna. Aos que gostam e se acham aptos, podem ter certeza que a vida militar é cheia de bons e maus momentos, da mesma forma que qualquer outro trabalho no ramo civil. Entretanto, fazer parte da corporação é algo que nunca mais poderá ser dissociado de sua vida, comportamento e índole.
As FFAA têm o atributo de moldar homens e mulheres para que sejam os melhores, mesmo quando estes saem da vida militar para a vida civil ou outra Força.
Não espere remunerações altíssimas ou uma vida tranquila. A remuneração ainda é boa e o convívio militar nem sempre é simples, o que não implica em dizer que seja tão árduo.
Como disse, ser militar é um dom. Manter-se militar é uma escolha difícil e que exige muita dedicação e disciplina, porém é algo que o modificará para sempre; algo que será de grande valia em qualquer lugar em que seu “diferencial” seja necessário.
Não me arrependo das três décadas que passei na Marinha, elas me moldaram e me tornaram melhor. Agora, nesta nova fase, buscarei manter os valores que a MB ensinou, inclusive na continuidade dos estudos e na busca de uma nova carreira.
Bons ventos o guiem em sua jornada…. Revista Sociedade Militar