Durante praticamente todo o mandato de Jair Bolsonaro pouca gente percebeu, mas o Presidente da República e sua cúpula armada tiveram que lidar com um incômodo constante, suboficiais, sargentos e pensionistas das Forças Armadas os confrontavam duramente, questionando sobre promessas não cumpridas praticamente em todos os ambientes militares em que o presidente comparecia.
Logo no começo do mandato o presidente autorizou a apresentação de um projeto de lei que privilegiou a cúpula armada deixando as patentes mais baixas e pensionistas com quase ou nenhum percentual de reajuste salarial. Enquanto a cúpula ganhou o direito a extrapolar o teto constitucional e teve suas remunerações encostadas nos subsídios de Ministros do Supremo Tribunal Federal, sargentos e cabos foram esquecidos na chamada lei de reestruturação das carreiras. Muitos sargentos que ousaram reclamar, mesmo na reserva, tendo o direito de protestar, foram enquadrados nos regulamentos disciplinares.
Era inevitável o afastamento e por diversas vezes Bolsonaro perdeu a calma e respondeu aos gritos e com ameaças os membros de sua base de primeira mão, os sargentos, cabos e suboficiais.
Alguns creditam a derrota de Bolsonaro em grande parte ao não voto dessa parcela significativa das FA, que junto com seus familiares pode significar quase 1.5 milhões de votos só no Rio de janeiro. Para parlamentares como Glauber Braga, a maior parte dos praças das forças armadas, que significam mais que 85% da tropa, não são bolsonaristas. Em entrevista ao Noblat o parlamentar psolista, que foi reeleito, falou sobre o assunto.
“tenho uma visão um pouco diferente do que é o bolsonarismo consolidado na base da tropa. Praças, que representam mais que 80%, aqueles que não são oficiais, se sentiram altamente traídos por parte de Bolsonaro principalmente na votação da reforma da previdência… hoje mesmo aqui na câmara teve um encontro na comissão de legislação participativa dialogando com praças das Forças Armadas… acho inclusive que o governo de Lula tem que preencher a lacuna daquilo que não foi feito no governo Bolsonaro. O governo Bolsonaro fez um acordo com parte significativa dos representantes das Forças Armadas, esse acordo ficou parado no Senado Federal… existe então avaliação de parte significativa da tropa de que Bolsonaro os traiu… “
Glauber se referiu ao encontro promovido por Erika Kokay em 21 de dezembro, onde foram discutidas questões legislativas e acertou-se que o Ministro da Defesa seria cobrado em diversos itens “esquecidos” durante o governo Bolsonaro.
Kokay, líder do PT no Distrito Federal, disse que vai solicitar informações sobre a criação de grupo de trabalho para estudar os erros da reestruturação das carreiras, compromisso firmado pelo Ministro da Defesa que saiu.
“… nós vamos fazer um requerimento de informações dirigido ao Ministro da Defesa, para que eles possam informar a esta Casa — é uma prerrogativa do Parlamentar fazer esse requerimento de informações — o andamento desse grupo de trabalho, a composição desse grupo de trabalho e as resoluções do trabalho que foi feito através do grupo, para que nós possamos, enfim, conhecê-lo. Não sabemos como está funcionando, quem o compõe. É preciso que haja um processo de participação dos maiores interessados nessa discussão, que são as pessoas que foram atingidas pelo decreto. “
Em redes sociais a postagem de um graduado pode representar o pensamento de grande parcela da categoria: “durante esse governo os generais olharam primeiro e só para os próprios bolsos… logo nos primeiros meses criaram aumentos para eles mesmos… lealdade é uma via que vai e vem e por isso não terão vida fácil agora, vamos denunciar tudo de errado e isso não significa ser antibrasil, pelo contrário, se preciso for damos nossa vida, mas enquanto cidadãos temos o direito de cobrar nossos direitos…”
Tudo indica que os generais não terão vida fácil durante o governo Lula. A articulação política dos militares de baixa patente, que não tem o poder de conceder medalhas ou passeios de helicóptero, mas tem um grande número de votos, vai de vento em popa. Além dos laços já firmados com o deputado Glauber Braga, no Rio de janeiro, que foi reeleito com a ajuda de militares da reserva das Forças Armadas, com os quais manteve contato estreito durante praticamente todo o mandato de Bolsonaro, têm surgido outros nomes de parlamentares que já aderiram a essa bandeira de reposição de perdas, como Fernanda Melchuiona e Sâmia Bonfim.
Alguns graduados das FA residentes em São Gonçalo, segundo maior colégio eleitoral do Estado do Rio de Janeiro, contam que tem ainda procurado parlamentares do Partido dos Trabalhadores, como Dimas Gadelha, petista eleito para o cargo de Deputado Federal por São Gonçalo.
Enquanto os parlamentares de direita permanecem calados, aos poucos surgem, além dos acima citados, outros nomes que mencionam as questões dos graduados das Forças Armadas.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar