Embora tenha levado um certo tempo para o Brasil finalmente entrar na Segunda Guerra Mundial, nossas forças armadas deixaram marcas profundas na história da guerra. Nossa Aeronáutica, Marinha e Exércitos Brasileiros mostraram habilidades, força e determinação muito acima das expectativas de todos os combatentes, impressionando até mesmo seus próprios inimigos. Foi, sem dúvida, uma presença marcante no teatro europeu.
Nossa entrada na Segunda Guerra Mundial se deu após vários ataques a navios e portos brasileiros por submarinos alemães e italianos, alegadamente em represália à adesão do Brasil aos compromissos da Carta do Atlântico. Trocando em miúdos, os acordos descritos na Carta do Atlântico previam o alinhamento automático brasileiro com qualquer nação do continente americano que fosse atacada por uma potência extracontinental. Essa adesão, sob a ótica alemã e italiana, tornava a dita neutralidade brasileira apenas teórica e, por isso, justificaria os torpedeamentos.
Os ataques à navios mercantes navios mercantes brasileiros duraram meses, levando ao afundamento de pelo menos 36 embarcações. No dia 22 de agosto de 1942 o Brasil finalmente resolveu dar um basta, juntando-se às forças aliadas e declarando guerra às forças do Eixo.
Começava o preparo do país para irmos a guerra na Europa. As tropas do país ficaram conhecidas coletivamente como Força Expedicionária Brasileira.
Nascimento da Força Aérea Brasileira
A nossa Força Aérea Brasileira foi criada em 1941, mas o 1º Grupo de Aviação de Caça, o Jambock, só foi formado em dezembro de 1943. O treinamento começou no mês seguinte, com os pilotos brasileiros viajando para Orlando, Flórida. Lá, os pilotos passaram por um programa de aperfeiçoamento de 60 horas para se adequarem aos padrões da Forças Aéreas do Exército dos Estados Unidos (USAAF), praticando em aviões do tipo Curtiss P-40 Warhawks..
Em seguida, o Jambock viajou para Aguadulce, no Panamá, onde iniciou outro extenso programa de treinamento, ainda maior, com 110 horas de duração. Após isso, foram transferidos de volta para os EUA, onde terminaram seu treinamento no mais novo caça da USAAF: o incrível Republic P-47 Thunderbolt.
Início da Campanha da Itália
Depois que os pilotos se familiarizaram com o P-47, o 1º Grupo de Aviação de Caça foi enviado para a Itália, no dia 6 de outubro de 1944. Imediatamente os homens começaram a trabalhar. Nem bem haviam chegado e já foram escalados para inúmeras missões de ataque, contra os mais diversos alvos: ferrovias, refinarias, depósitos, estruturas de apoio e até bases inimigas inteiras.
A Força Aérea Brasileira teve muito sucesso na Campanha da Itália mas uma missão específica se destacou como sendo particularmente lendária.
Piloto novato, habilidades de veterano
As nove horas da manhã do dia 27 de janeiro de 1945, um jovem tenente de apenas 20 anos de idade, Raymundo da Costa Canário, decolou de sua base no norte da Itália para cumprir uma missão ao lado das Forças Aéreas Aliadas do Mediterrâneo (MAAF). Objetivos: atacar (e destruir) o maior número possível de tanques alemães Tiger I, na época, um dos tanques mais avançados do mundo.
O tenente brasileiro voava no seu P-47 Thunderbolt, enquanto seus amigos das demais forças aéreas aliadas utilizavam Spitfires.
Nesse dia a visibilidade estava bastante fraca, mas isso não impediria o jovem aviador. Depois de encontrar seus alvos, o tenente se preparou pra realizar a primeira investida contra o inimigo. Quando fez a primeira passagem sobre os alvos, seu avião foi atingido por fogo terrestre, mas dois tanques foram destruídos. Confiante que os danos a seu avião ainda eram mínimos, Raymundo realizou um novo ataque, desta vez, destruindo um outro tanque. Sua fuselagem já não estava nas melhores condições, mas o avião ainda voava de maneira estável. Como ainda estava armado, o piloto, então, decidiu realizar uma terceira passagem. Desta vez, no entanto, cometeu um erro quase fatal.
Voando com menos do que “meia asa”
Voando a baixa altitude, a margem de erro é sempre baixíssima. Como o tempo não estava lá essas coisas e visibilidade continuava muito baixa, o tenente Raymundo Canário acabou voando próximo demais de uma fábrica, atingindo uma das chaminés com a asa direita do seu avião. A chaminé cortou cirurgicamente quase dois metros da sua asa. Ao invés de levar a aeronave ao chão, contudo, o P-47, milagrosamente, continuou a voar como se nada tivesse acontecido. O tenente, então, achou que seria mais seguro ganhar altitude e tentar continuar voando até sua base, abrigando-se atrás dos Spitfires aliados que patrulhavam a região.
No entanto, o piloto logo percebeu que não apenas a asa de seu avião havia sido perdida: o rádio também já era. O aviador brasileiro não conseguia alertar os pilotos da sua situação, nem informar adequadamente sua posição, o que tornava tudo pior. Devido ao novo formato bizarro do P-47 do Tenente Raymundo, um avião de uma asa só, os Spitfires não o reconheceram de imediato e começaram a atirar. Somente após atingirem diversas vezes o P-47 é que os os Spitfires perceberam que se tratava na verdade de uma aeronave amiga. A essa altura, a cauda do avião do piloto brasileiro já havia sido severamente danificada.
Canário, no entanto, com muito custo e exímia habilidade, conseguiu levar seu P-47 de volta pra base, pousando a aeronave em segurança. De fato, o P-47, mais tarde, seria reconhecido mundialmente como uma aeronave extremamente robusta, resistente e confiável. Mas, naquele dia, esse não era o único diferencial: a habilidade e a confiança de um jovem aviador (e talvez um pouco da teimosia brasileira!) é que levaram tanto aeronave como seu piloto de volta pra casa, são e salvos.
O avião seria destinado ao ferro velho, mas o tenente insistiu que deveria ser consertado, e ele estava absolutamente certo: O lendário P-47 de uma asa só ainda voou por mais 50 missões.
Uma trajetória repleta de sucessos
Raymundo da Costa Canário voou em 51 missões de combate, a primeira em 20 de janeiro de 1945 e a última em primeiro de maio do mesmo ano. Durante a sua 14ª missão, em 15 de fevereiro de 1945, foi abatido pela antiaérea inimiga, saltando de pára-quedas e caindo em plena ‘terra de ninguém’. Foi resgatado justamente por uma Patrulha de Pracinhas Brasileiros e levado imediatamente para a base aérea de Pisa. Dois dias depois, o jovem aviador já estava voando novamente em combate.
Ao longo de sua vida, acumulou mais de 30 mil horas de vôo e somente deixou a profissão aos 60 anos de idade.