Alguns não têm consciência disso, mas a verdade é que Hitler (esse mesmo, o líder supremo nazista) foi o responsável pela morte de centenas de milhares de adolescentes que compunham a Juventude Hitlerista. Treinados e doutrinados a acatar ordens e matar em nome do Führer, em nome da glória alemã, esses pequenos combatentes foram a última cartada do líder do III Reich. Afinal, o que fazer se os recursos, os soldados e a guerra já estavam no fim?
Jojo Rabbit é um filme sobre uma dessas crianças, onde o humor está presente, porém a verdade sufocante sempre permeia a obra. O próprio nome já é uma brincadeira. Jojo (Roman Griffin Davis) é o nome de um garoto de dez anos que está tenso ao ser oficialmente incluído na Juventude Hitlerista. Ele tem dúvidas sobre sua aptidão, o que não impede que seja realmente oficializado como um membro desse “seleto” grupo. Seus momentos mais conflitantes sempre são marcados pela presença (na mente) de um Adolf Hitler (Taika Waititi) pessoal, “um Führer para chamar de seu”, cujo comportamento é bem diferente do personagem histórico, ainda que essas diferenças possam ser enquadradas em seu perfil psicológico megalomaníaco.
Jojo tem um nome mais imponente: Johannes Betzler. O menino é um dos futuros militares das forças de Hitler, um pequenino que conhece a importância do Reich, do Führer e daquilo que eles representam. Apesar de não concordar com alguns aspectos do Nazismo, Jojo segue a maré e faz o que é esperado de um garoto alemão em plena Segunda Guerra Mundial: total acatamento às ordens e doutrinas do regime.
Mas ele é apenas um menino. A inocência está impregnada em todas as atitudes e devaneios de Jojo. Ele não é mau (como a maioria pensaria de um alemão daquela época, mesmo criança), apenas está seguindo a “onda” – lembram desse filme sobre extremistas na Alemanha? – e quer ser aceito em seu grupo de amigos. Ser um nazista não era – à época – algo desmoralizante ou ofensivo, era apenas algo comum. Aliás, algumas vezes a condição de nazista era a diferença entre manter-se vivo ou morrer.
Esta mesma ideologia tomou a maioria da população alemã. Eles acreditavam em um homem que prometia alçar a pátria a um patamar perdido. Os meios para isso, claro, eram repulsivos, porém o fato é que por um período considerável, Hitler mudou a Alemanha e seus habitantes, trouxe prosperidade e um retorno do orgulho germânico, algo impensável antes de sua ascensão ao poder. Tal como visto recentemente na Venezuela, a inflação, o desemprego e a miséria imperavam nos anos de ascensão política de Adolf Hitler e, do mesmo modo, levaram o país ao desespero político e à instabilidade. A desconfiança sobre os governantes da época (mesmo o famoso e admirado General Hindenburg, presidente alemão da época) somada à fome e ao caos foram suficientes para que gradualmente Hitler se transformasse na esperança de fuga desse inferno.
Compreendam que não quero minimizar os desmandos nazistas e as incontáveis perdas de vidas por causa deste regime, mas o fato é que quem era seguidor do Führer recebeu muitos benefícios, isso sem falar da influência sofrida pelas mídias da época e da necessidade de fazer parte dessa sociedade de sucesso que eles chamavam de “arianos”.
Os Arianos são mil vezes mais civilizados e avançados do que qualquer outra raça… Juntem suas coisas, crianças, é hora de queimar uns livros!
Citações.
O filme é repleto delas. Todas inseridas com muita inteligência e contexto histórico, isto é, usadas por realmente estarem ligadas ao nazismo. Desde a referência a Jesse Owens (o atleta americano negro que mostrou que os arianos não são tão superiores nas Olimpíadas de 1936), a inclusão do nome de Von Stauffenberg (Claus Schenk Graf von Stauffenberg foi um oficial nazista que tentou tirar a vida de Hitler em um atentado, mas falhou) e até outras alusões muito interessantes.
As citações históricas não param por aí. É possível ver o esforço final de guerra (onde dinheiro, metais e outros materiais eram exigidos da população), assim como o recrutamento de crianças para compor as forças de resistência contra o inevitável avanço das tropas russas e americanas. A degradação da condição de vida durante os piores dias do nazismo em solo alemão estão retratados brilhantemente e são coerentes com o fato histórico em si, já que a Alemanha foi atacada em várias frentes e a população esteve largada à própria sorte enquanto o Führer estava em seu bunker.
Veracidade, porém com uma ótima dose de humor.
Os diálogos são feitos com um apuro impressionante. Alguns deles mostram o quanto Jojo ainda é uma criança, mesmo que seu uniforme e atitudes o aproximem de um nazista matador de judeus, algo que ele provavelmente não tem tendência a ser. Também impressiona o relacionamento dele com sua mãe, Rosie Betzler (Scarlett Johansson), uma mulher forte e que precisa dessa força para criar o filho o mais longe possível da influência do nazismo. Ela luta contra isso, porém as memórias do pai dele ainda o fazem acreditar que a doutrina de Hitler é a mais correta. Isso também é reforçado pelas presenças do Capitão Klenzendorf (Sam Rockwell, divertidíssimo, diga-se de passagem) e do Suboficial Finkel (Alfie Allen), militares que apenas cumprem seu papel diante do regime, porém sentem a presença da derrota com tanta força quanto a mãe de Jojo. Klenzendorf tem uma vital participação no longa e uma relação engraçada e velada com Finkel.
Neste interim, surge a figura da judia Elsa Korr (Thomasin McKenzie), uma adolescente que se transforma em um gradual pesadelo para Jojo. Elsa é protegida da mãe de Jojo e isso gera um impasse sobre o que fazer: seguir a lealdade ao Führer ou apoiar a mãe que ele tanto ama?
A história se desenvolve de forma brilhante. Há a aproximação de Jojo e Elsa (unidos pelo desespero e o medo), o perigo constante que Rosie corre ao se expor como uma inimiga do nazismo, a absoluta ausência de amor ao próximo de alguns integrantes nazistas que, surpreendentemente, contrasta com o suporte (velado) de outros apoiadores do regime. Tudo está intrinsecamente entrelaçado, fatos que ocorrem dão razão para os que se seguem e a narrativa prende cada vez mais o espectador. É tocante como o humor presente não consegue sobrepor a tragédia por trás da trama, apenas amenizá-la.
Com cenas memoráveis, plenas de poesia ou plenas de dor, Taika Waititi reforça uma lição que a História deixou: a guerra é péssima para todos, sobretudo às crianças. Jojo, Elsa e Yorki (Archie Yates), o melhor amigo de Jojo, são submetidos a uma pena por algo que não cometeram. Mesmo Jojo e Yorki na condição de integrantes da Juventude Hitlerista é fácil ver neles a inocência de crianças, a vontade de apenas brincar ao invés de guerrear. É realmente uma pena ver isso.
A direção e o roteiro (adaptado) são de Taika e ele fez questão de mostrar que nem todo alemão era nazista, apoiador do regime cruel que trouxe a morte para tantas pessoas inocentes. Os contrários ao regime aparecem em algumas cenas, infelizmente enforcados. Essa é a forma do diretor usada para homenagear essas pessoas que deram suas vidas em prol da libertação da Alemanha do regime nazista e todas as desgraças oriundas dele. Na verdade, essas pessoas lutaram para manter suas ideologias e a fé em suas vidas.
E não posso deixar de citar que o longa também concorre ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, visto que o mesmo é baseado no livro O Céu que nos Oprime (Caging Skies), de autoria da escritora
Por fim, toda a obra é fundamentada na esperança. Nutrimos a esperança de que Jojo abandone o nazismo, que Elsa seja salva, que, sobretudo, essa triste realidade não tivesse ocorrido. Mas encarar a verdade (mesmo disfarçada pelo humor) faz parte do sempre intrincado processo de alimentar a esperança. Jojo Rabbit é uma obra única, feita com maestria e que se vale de uma escalada cuja oscilação entre a diversão e o horror da guerra serve para nos lembrar que nada mais como isso deve ocorrer. Jojo e Elsa são extremos de uma guerra que realmente fez tantas vítimas físicas quanto psicológicas, principalmente as crianças que jamais deveriam ter passado por algo tão cruel.
Apesar de não ter se consagrado como o grande vencedor do Oscar no ano em que concorreu, posso afirmar sem qualquer dúvida que essa é uma obra de cinema que faz jus ao nome “Sétima Arte”. Imperdível!