Em recente matéria publicada aqui, destacamos as duras críticas feitas pelo governo dos EUA sobre a atracação de dois navios de guerra iranianos no porto do Rio de Janeiro: o Iris Makran e o Iris Dena. Assim disse Elizabeth Bagley, embaixadora norte americana no Brasil, sobre a preocupante chegada das embarcações:
“Esses navios, no passado, facilitaram o comércio ilícito e atividades terroristas e já tiveram sanções da ONU [Organização das Nações Unidas]. O Brasil é um país soberano, mas acreditamos fortemente que esses navios não deveriam atracar em qualquer lugar”, disse a jornalistas em entrevista na embaixada dos Estados Unidos em Brasília.
Ora, essa animosidade entre os EUA e Irã nem sempre foi assim, mas a história ganhou outro rumo quando o Irã mostrou quais eram os verdadeiros interesses de seus governantes. Para compreender melhor isso, observem essa linha do tempo que marca o início da animosidade e as sequelas de ações iranianas e estadunidenses:
1979 – Por meio de apoio militar, o Irã se livra do Xá Reza Pahlavi. Anteriormente um aliado dos EUA, o Irã se declara opositor dos americanos. Assume o poder o Aiatolá Khomeini que institui um regime de governo baseado no islamismo, porém com vertentes radicais.
1979 – Embaixada dos EUA em Teerã é invadida por iranianos. Foram 444 dias de cerco. Os últimos reféns foram libertados apenas em 1981.
1980 – As relações entre Irã e EUA se agravam com o evento da invasão da embaixada. Em abril desse ano o governo americano rompe relações com o Irã e inicia sanções contra o país.
1980 – Guerra Irã x Iraque. O conflito ganha ares de revanche quando os EUA se aliam ao Iraque no confronto contra o país vizinho, antigo aliado norte-americano. Cabe ressaltar que o líder iraquiano era ninguém menos que Saddam Hussein.
1982 – Surge o Hezbollah, grupo extremista responsável, atualmente, por incontáveis ataques terroristas e ações armadas violentas. O Irã é um dos países que dão suporte financeiro ao Hezbollah até os dias atuais, mesmo após o grupo ser considerado um núcleo terrorista. O Hezbollah é um dos inimigos declarados aos israelenses; Israel é um país aliado dos EUA, fato que acirra a animosidade entre Irã e EUA.
1985 – Saddam enfrenta resistência interna por parte dos curdos. Como solução, ele usa armas químicas que matam ao menos 5 mil pessoas dessa etnia. A guerra Irã x Iraque persiste ao custo de milhares de vidas.
1988 – Fim da guerra Irã x Iraque. Somados, os países contabilizaram aproximadamente 700 mil mortos. As economias, já debilitadas, estavam piores. Tanto os EUA quanto outros países árabes que apoiaram Saddam abandonam o Iraque à própria sorte.
1992 – Israel mata o líder do Hezbollah, Abbas al-Musawi. Neste mesmo ano o grupo extremista passa – em parte – a atuar na política libanesa.
1993 – Bill Clinton assume a presidência dos EUA. Ele viria a se tornar um dos maiores opositores do governo iraniano. Sua principal medida foi a proibição de envolvimento dos Estados Unidos em quaisquer transações comerciais com o Irã, inclusive no principal produto iraniano, o petróleo. Essa sanção provocou uma piora considerável na economia iraniana.
1997 a 2005 – Assume a presidência do Irã o liberal Muhammad Khatami, cuja intenção era transformar o país em um território democrático e mais livre. Efetivamente ele não obteve o sucesso necessário, sendo substituído em 2005 pelo líder populista e um dos mais temidos líderes iranianos, Mahmoud Ahmadinejad.
2001 – Terroristas da Al-Qaeda assumem a responsabilidade pelos ataques contra vários alvos nos EUA, incluindo as Torres Gêmeas. Apesar de não haver ligação com o Irã, cabe relembrar que este país é apoiador do grupo terrorista Hezbollah, também um dos inimigos dos norte-americanos.
2015 – Firmado o acordo nuclear entre o Irã e Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha. Barack Obama era o presidente à época.
2017-2018 – Protestos, violência, mortes e até um blecaute digital marcaram a escalada do caos no Irã. A Anistia Internacional denunciou prisões irregulares e mortes de centenas de protestantes.
2018 – Donald Trump abandona o acordo nuclear com o Irã.
2020 – Irã acusa Israel (um dos principais aliados dos EUA) de assassinar seu principal cientista nuclear, Mohseh Fakhrizadeh.
2020 – Qasem Soleimani, general iraniano e comandante da Força Quds, é morto em um bombardeio ordenado pelo presidente americano, Donald Trump.
2020 – Selados os chamados “Acordos de Abraão”, acordos de normalização que estreitaram os laços entre Israel, os Emirados Árabes e Bahrein. Logo após também ingressaram o Marrocos e o Sudão. Este acordo isolou ainda mais o Irã do cenário comercial mundial.
2023 – A atração de dois navios de guerra iranianos no porto do Rio de Janeiro gera um desconforto diplomático e ganha vulto com a declaração do senador estadunidense Ted Cruz que pede por sanções contra o Brasil e a reavaliação da cooperação entre nosso país e os EUA.
Apesar de não haver um conflito decretado entre as nações, a verdade é que EUA e Irã não nutrem sentimentos positivos entre si. Os EUA desconfiam da influência negativa do Irã, sobretudo por causa de seu apoio financeiro aos extremistas e terroristas. Por sua vez, a visão antiamericana e anti-israelense dos iranianos é um convite aos boicotes e à desconfiança não apenas dos americanos como também de muitas outras nações ao redor do mundo.
Para piorar, temos ainda o problema do uso indevido da tecnologia nuclear por parte do Irã. Com seu viés extremista, ter o poder de construir uma bomba nuclear ou armas nucleares de longa alcance é um sinal de alerta para os países próximos, principalmente para os que não dão suporte aos iranianos.
Desta forma, fica relativamente fácil compreender o tamanho da briga que o Brasil comprou ao aceitar a atracação de dois navios de guerra do Irã no Rio de Janeiro. O temor norte-americano amplia quando o governo brasileiro acena para um estreitamento diplomático entre as duas nações, algo que Lula já havia feito durante o período em que o homem à frente do Irã era o megalomaníaco Mahmoud Ahmadinejad. É óbvio que o Brasil está flertando com algo perigoso, seja do ponto de vista estratégico (quando há a possiblidade de boicote dos EUA), seja ao assumir parceria com mais um país de viés ditatorial.
Não sabemos ao certo o que se passa nos bastidores da política norte-americana. Quais serão as atitudes futuras contra o Brasil são incógnitas. Mas o fato é que as relações diplomáticas ficam – no mínimo – estremecidas. O governo Lula já mostrou simpatia por governos extremistas e ditatoriais como a Nicarágua, Venezuela, Coreia do Norte, entre outros.
O posicionamento político brasileiro é um problema grave, mas isso ganha vulto através das ações. Para aproximar da realidade atual, estamos diante de um entrave provocado pelos próprios políticos brasileiros. A parceria, a amizade, com o Irã é uma jogada pouco proveitosa.
É hora de pôr na balança os prós e contras dessa reaproximação com o Irã. O que ganharemos flertando com um país tão radical e em plena crise econômica?
Do mesmo modo, sem o uso de um viés vitimista, quais os prejuízos de um rompimento diplomático, comercial e estratégico com os EUA, o segundo maior parceiro comercial do Brasil?
Por meio da história presente nesta matéria é fácil perceber que a postura política brasileira é quase uma declaração de ruptura com os EUA e Israel. Neste caso, através de uma análise fria, quais serão os benefícios e malefícios de uma aliança com o Irã? Analogicamente, o que passaremos diante de sanções políticas, estratégicas e econômicas impostas pelos dois países contrários ao Irã?
A questão é: o que será pior para nós em uma visão de curto e médio prazo? Jantar com inimigos de nossos amigos só tem dois resultados… ou perdemos a maior parte da confiança que tínhamos ou perdemos de vez os laços de amizade forjados ao longo de várias décadas. Em ambas as situações, os prejuízos serão enormes e, provavelmente, irreversíveis.