The Liberator (em tradução literal, O Libertador) é uma série focada no Exército dos EUA e com temática de guerra, disponível pela Netflix. Apesar do tema recorrente – Segunda Guerra Mundial – esta nova produção se arrisca ao relatar os atos de um grupamento de militares escolhido e composto em prol das etnias de seus componentes: índios americanos, ascendentes de mexicanos e os “filhos” dos famosos Texas Rangers, os chamados cowboys. Antagonistas naturais, estes homens deixaram de lado suas divergências para lutar pelo país e a liberdade. Juntos, eles formaram o 157º Regimento, responsável por várias ações de coragem, sacrifício e honra que resultaram em centenas de condecorações de guerra.
O ponto focal dessa trama é o tenente Felix Sparks (Bradley James), o homem que obteve sucesso ao embutir nesse complexo grupo de indivíduos a chama da cooperação, camaradagem e coragem. A liderança de Sparks é destacada em cada um dos quatro episódios da série, uma liderança nata e capaz de incitar seus subordinados (e amigos) a sacrificar a própria vida, caso necessário.
Caráter.
Ainda que com apenas quatro episódios de apenas 45 minutos em média, a série foi elaborada com um apuro que a destaca entre as demais. Sobre o aspecto técnico, tecerei mais comentários no decorrer deste post.
Este tópico abordará uma característica que encontramos em profusão nos grupos mais coesos: o caráter reto. E o que quero dizer com isso? Simplesmente que a guerra é capaz de revelar o que temos de melhor e pior. Nas guerras encontramos exemplos de atitudes dignas e notáveis, assim como também temos amostras do potencial maligno do ser humano.
Em The Liberator nós encontramos um grupo cujo potencial destrutivo é gigantesco. Homens repudiados por suas etnias e origens, desprezados como menos capazes. Diante de tal quadro, a rebeldia e a impulsividade os levaram à prisão, local em que conhecem aquele que será vital para as mudanças e evoluções que terão, Felix Sparks.
Aliás, Sparks não é um guru, um homem cuja visão consegue captar a essência das pessoas. Ele, simplesmente, é um líder cujo caráter é de uma dignidade pouco vista nos dias atuais. Sua liderança vem pelo exemplo e o respeito demonstrado pelos subordinados. Em suma, ele é um líder nato que ganhará a confiança de homens que, muito provavelmente, jamais sequer falariam com ele em tempos normais.
Somos todos humanos.
A série trata dos já citados feitos heroicos dos integrantes do 157º Regimento. Entretanto, isso não exime o roteiro de mostrar as fraquezas e falhas desses homens. E isso é mostrado com extremo zelo.
Na obra, cada um dos integrantes do Regimento adquire por seus companheiros um senso de proteção e camaradagem que só é visto em tempos de guerra. Cientes de que as próprias vidas dependem das atitudes dos demais companheiros, os laços de amizade acabam por se tornar mais estreitos conforme o tempo avança.
Em The Liberator isso está muito bem representado. Sacrifícios e demonstrações de consideração e respeito são vistas em cada episódio, mas também somos apresentados aos atos falhos – alguns provenientes da inexperiência, outros provenientes do medo – de cada combatente. Apesar de haver um pouco de liberdade poética na trama, é fácil perceber que há uma grande dose de realidade.
Na série isso está muito bem representado. Sacrifícios e demonstrações de consideração e respeito são vistas em cada episódio, mas também somos apresentados aos atos falhos – alguns provenientes da inexperiência, outros provenientes do medo – de cada combatente. Apesar de haver um pouco de liberdade poética na trama, é fácil perceber que há uma grande dose de realidade.
Ao se valerem de tal recurso para aproximar o espectador desses “bastidores”, os roteiristas comprovam que as guerras têm o poder de destruir a compaixão e o respeito ao próximo, infelizmente.
Em uma das cenas há um pedido de trégua para remoção dos feridos, pedido feito pelos nazistas. Esse breve trecho da série remete ao clássico episódio real da guerra onde combatentes Aliados e do Eixo optam por um pacto de não-agressão, visto que estavam cansados das mortes e do sofrimento. Apesar de não ter o mesmo conteúdo, o trecho que citei deixa, ainda que brevemente, a esperança de uma trégua indefinida. Essa expectativa acontece por conta do excelente desenvolvimento das personagens que, gradualmente, cativa o público.
Rotoscopia?
The Liberator é um filme que se vale de atores reais, porém as imagens são sobrepostas para formar a “animação”, tal qual ocorre na rotoscopia (onde as imagens são capturadas quadro a quadro e pintadas por artistas), com a diferença de que os ambientes onde as ações se passam são todos criados em CGI, ao menos uma parte deles. É uma mistura saudável entre a pintura, maquiagem e a computação mais avançada.
O nome desse novíssimo processo é Trioscope. Ele faz a captura do cenário e dos atores, transforma-os em “animação” e permite a inserção de elementos gráficos complexos.
Apesar disso, a atuação dos integrantes do elenco foi muito difícil, uma vez que sem os cenários para situá-los (apenas telas azuis e marcações) era complexo mergulhar na personagem. Isso, claro, não atrapalhou no resultado final, uma obra digna e que amplia os alcances do cinema com mais esta tecnologia.
Não houve a intenção de transformar a obra em um “documentário”. O realismo está disponível em incontáveis produções e documentários de época. The Liberator é uma obra destinada a contar uma história pouco conhecida e repleta de significado.
Atuações.
Para contar a história dos integrantes do grupo conhecido como Thunderbirds, baseada em fatos reais e no livro (ainda não publicado em português) O Libertador: A Odisséia de 500 Dias de Um Soldado da Segunda Guerra Mundial, das Praias da Sicília aos Portões de Dachau, de Alex Kershaw, o diretor Greg Jonkajtys e sua equipe de produção contaram com um elenco escolhido com extrema competência. O destaque, até por causa do roteiro focado nele, é a personagem Felix Sparks, intepretada por Bradley James. No entanto, todos os atores e atrizes mostraram um grande talento para dar vida a essa trama impactante. Até mesmo os que representaram os nazistas passaram a confiabilidade e a veracidade através de suas atuações.
Poder.
Isso já foi visto em outras produções como O Resgate do Soldado Ryan, Band of Brothers, The Pacific e 1971, mas é algo que precisa ser relembrado a cada novo filme sobre o assunto guerra: o abuso do poder. Tanto militares quanto civis tendem a gradativamente aumentar a sensação de poder conforme sobrevivem aos ataques e/ou tiram vidas. Isso é errado, não há dúvidas, porém é algo relatado em todo conflito armado, incluindo os atuais combates urbanos.
Em The Liberator isso é mostrado de forma bem instrutiva, onde o destaque fica por conta dos superiores hierárquicos (tanto americanos quanto nazistas) que se valem do poder investido para impor o medo e determinar atos vis.
Em contrapartida, o mesmo poder imbuído a outros militares é mostrado como uma ferramenta em prol da sobrevivência, do bom senso e do auxílio às vítimas de guerra.
Resumidamente, o poder é uma arma na mão das pessoas de má índole, assim como é vital para salvar vidas e manter a dignidade quando usada pelos indivíduos de bom senso.
Realismo.
Apesar de ser praticamente uma animação, a série ganha muito em “realismo” por conta da trilha sonora e dos efeitos sonoros e visuais embutidos. Há vários momentos de tensão absoluta onde, inevitavelmente, o espectador fica preso à ação por causa da ambientação, da reconstituição do clima e das sensações aflitivas de uma guerra. Isso é brilhante, visto que boa parte é feito digitalmente através da tecnologia Trioscope e da inserção computadorizada de efeitos como fumaça, explosões e outros elementos característicos.
O que eu quero deixar claro é que mesmo com um aspecto de desenho animado, todo o conjunto da obra permite a imersão no clima de guerra e nas agruras pelas quais passam os componentes dos Thunderbirds e aqueles que são vítimas da guerra. A obra não deve em nada a grandes filmes do tema, afirmo.
Pesos e medidas.
Ao longo dos quatro episódios, Sparks e os demais membros dos Thunderbirds mostram uma determinação acima do normal no cumprimento do dever. Os sacrifícios são constantes e só comprovam o quanto foram justas as centenas de medalhas ofertadas ao Regimento comandado por Sparks.
Apesar de estarem em um ambiente hostil no qual a sobrevivência é a palavra de ordem, ele e seus homens se valeram do caráter e do respeito mútuo para seguirem – até onde foi possível – e sobreviverem na guerra, sem que isso implicasse em abandonar o lado humano e o mínimo respeito por seus inimigos. Claro que eles mataram, isso foi inevitável; entretanto, os 500 dias que passaram no front só serviram para que saíssem homens mais fortes e conscientes dos estragos e das perdas lamentáveis que tal conflito trouxe. Isso, sendo bem sucinto, é um retrato da destruição – material e espiritual – que a guerra traz.
A História e suas lições.
Aos que desconhecem, os fatos históricos são analisados em sua visão maximizada. Por isso, ter acesso às micro histórias é imprescindível para que possamos analisar de forma mais íntima as nuances por trás de cada acontecimento grandioso e importante da História.
The Liberator mostra uma dessas histórias que compõem um cenário maior. Ao retratar os esforços e perdas de um Regimento da Segunda Guerra Mundial, a obra nos aproxima do cotidiano e das situações que sequer imaginávamos terem ocorrido. Isso é uma forma de mostrar que há muito mais por trás do maior conflito que a humanidade já presenciou, além de comprovar que é a essência humana a responsável pelos grandes feitos e as grandes tragédias.
O livro de onde a história é baseada e os relatos históricos dos fatos envolvendo o 157º Regimento, os Thunderbirds, servem para que valorizemos ainda mais os esforços desses homens, assim como das famílias e pessoas que os amavam e os mantinham presos à esperança e sanidade.
Nota final.
Por todos os atributos demonstrados ao longo do review e por seu apuro técnico somado ao grande talento do elenco e direção, The Liberator é um presente para os fãs do filmes com temática de guerra, disponível no Netflix. Prestigiem essa obra do cinema moderno.
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