O governo do Presidente Vladimir Putin da Rússia, decidiu fazer uma revisão nos livros escolares de história da Rússia e eliminar dos mesmos todas as referências a cidade de Kiev. A intensão parece ser a de reconstruir uma nova história do país, desconstruindo o local de origem da civilização russa.
A civilização russa, como a conhecemos, nasceu na cidade de Kiev, capital da Ucrânia. Kiev é considerada ancestral cultural da Ucrânia, Bielorússia e Rússia. Era então conhecida como Rússia de Kiev (Rus de Kiev).
Aí nasceram seus primeiros reinos e príncipes e aí eles foram cristianizados por um de seus príncipes, ironicamente chamado de Vladimir I, que foi o primeiro a se batizar na nova religião.
O Estado russo, como conhecemos hoje, se desmembrou de Kiev quatrocentos anos depois com a criação do principado de Moscou.
Toda a história, orgulho e ancestralidade russa sempre se vangloriou de suas origens na Rússia de Kiev.
Pois bem, agora, depois de mais de mil anos de história em comum e milhares de livros escritos sobre a história da civilização russa com origens na atual Ucrânia, o presidente Vladimir Putin, que invadiu e promoveu uma guerra de ocupação contra a soberania ucraniana, vendo seu exército ser derrotado fragorosamente em Kiev há um ano atrás, resolveu revisar os livros escolares de história da civilização russa e apagar definitivamente o nome Kiev da memória russa.
Essa é uma prática muito recorrente na antiga União Soviética de Stálin. Reescrever a história, adulterar documentos e até fotos, foi praticado por décadas pelo partido comunista russo nos 70 anos de domínio na Rússia.
Putin, discípulo assumido do ditador sanguinário Stálin, resolveu aplicar o que aprendeu na cartilha da KGB (antigo serviço de inteligência soviético), onde foi agente do estado.
A denúncia foi feita pela mídia russa independente Mediazona, que investiga e denuncia crimes perpetrados pelo estado russo nas diversas áreas de direitos civis e abusos autoritários.
A referida fonte publicou em sua página em 19 de abril passado que a editora mais famosa e conhecida da Rússia e que por décadas é ligada ao estado russo, conhecida como “Prosveschenie“, já fez as alterações nos livros escolares, excluindo dos mesmos todas as referências ao nome Kiev.
A Mediazona mostrou fotos de alterações em livros nas edições anteriores da Editora Prosveschenie e de como elas foram editadas agora e relembrou que em 2022 já tinha alertado que novas edições já estavam com as mudanças sendo preparadas.
Na nova edição do livro didático “O mundo ao Redor” para a quarta série, a editora Prosveschenie fez suas alterações, como nos exemplos abaixo.
Um dos exemplos que apagam a palavra Kiev dos livros está numa narrativa da versão antiga de uma das edições de história onde dizia-se que o príncipe Vladimir batizava todas as pessoas em Kiev, na nova versão a palavra Kiev foi substituída simplesmente por: “na capital”.
Outro exemplo: era “Após a morte de Oleg, o Príncipe Igor começou a governar em Kiev” e tornou-se na versão atual: “Após a morte de Oleg, o Príncipe Igor começou a governar a Rússia”. Grifo nosso.
Kiev se transformou na Rússia, como num passe de mágica! Uma cidade virou um país ao bel prazer de um tirano autoritário.
Por exemplo, se na edição antiga foi dito que a crônica “O Conto dos Anos Passados” foi escrita pelo monge do Mosteiro Kiev-Pechersk Nestor, então na nova versão Nestor é simplesmente chamado de monge, sem especificar o local onde viveu e trabalhou.
Além disso, no livro didático de história da Rússia para a sexta série, o mesmo mudou a data, que é considerada o momento da fundação da Rus como estado.
A edição de 2016 diz: “882, quando Oleg uniu Novgorod e Kiev, muitos historiadores chamam a data condicional da formação do antigo estado russo”, diz taxativamente de acordo com a verdadeira história. Na edição de 2023, está escrito: “Gradualmente, a dinastia dos príncipes, que construiu sua família para Rurik, adquiriu a maior importância. Com sua vocação em 862 Novgorod, está associada à formação do estado de Rus´´.
Aqui se vê flagrantemente a história sendo apagada com o nome original de Kiev sendo extirpado dos livros, dando o nome a outra cidade, Novgorod, refundando as origens do país, alterando até mesmo a data.
A editora alegou que estão sendo preparadas futuras publicações que esclarecerão o ´´verdadeiro´´ papel de Kiev na história russa.
Posteriormente, Vladimir Medinsky, assessor presidencial e ex-ministro da cultura, confirmou que livros de história unificados apareceriam na Rússia, escritos “levando em consideração os eventos históricos ocorridos este ano“. Grifo nosso.
“Este é o início de uma operação militar especial, e a entrada na Federação Russa das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, regiões de Zaporozhye e Kherson, e pressão de sanções sem precedentes. Esses fatos, é claro, serão refletidos em novos livros didáticos”, especificou Medinsky. Assim, já assumem em sua história os territórios invadidos da soberania da Ucrânia. É vapt vupt!
Por último e não menos importante, vale lembrar que a editora Prosveschenie foi uma estatal soviética durante todo o período que durou o regime comunista na Rússia e era absoluta no monopólio de qualquer publicação. Era detentora de praticamente todo o mercado literário russo. Tudo, ou quase tudo passava por ela, por seu crivo e aprovação por meio do controle totalitário do estado.
Com o fim do regime soviético a Prosveschenie foi privatizada em 2013 para a oligarquia russa e ainda controla a maior fatia do mercado russo e tem a chancela do estado no monopólio de livros didáticos e escolares, abocanhando a maior parte dos lucros desse setor. Com certeza, campeã imbatível nas licitações.
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