O lendário USS Missouri talvez tenha sido o único navio de guerra da armada norte-americana com uma trajetória tão ímpar.
Foi inusitadamente comissionado e descomissionado duas vezes e atuou no pacífico na segunda grande guerra, na guerra da Coréia e na Guerra do Golfo, num amplo leque de tempo de cerca de cinquenta anos. Logo ele, que se tornou um ícone por ter sediado a assinatura de rendição dos japoneses.
O USS Missouri é um poderoso encouraçado que foi operado pela Marinha dos Estados Unidos e a terceira embarcação da Classe Iowa, depois do USS Iowa (esse foi escoltado pelo lendário encouraçado Parnaíba brasileiro, o navio mais antigo do mundo ainda em atividade, conforme matéria já publicada aqui pela RSM) e USS New Jersey, e seguido pelo USS Wisconsin, USS Illinois e USS Kentucky, porém estes dois últimos não foram finalizados.
O Missouri é o 3º navio da Marinha dos EUA a receber um nome referente ao estado de Missouri. Ele possui uma enorme importância histórica, pois foi o último ‘battleship’ comissionado pelos EUA e também foi o local onde ocorreu a rendição do império japonês, ocasionando o fim da Segunda Guerra Mundial.
O batimento de quilha do Missouri ocorreu em 6 de janeiro de 1941 na Rampa de Lançamento 1 do Estaleiro Naval de Nova Iorque. Ele foi lançado ao mar em 29 de janeiro de 1944 diante de uma multidão de vinte a trinta mil espectadores. Foi batizado por Margareth Truman, sua madrinha e filha do então senador Harry S. Truman de seu estado homônimo. O próprio Truman discursou durante a cerimônia de lançamento.
O processo de equipagem prosseguiu rapidamente e a embarcação foi comissionada em 11 de junho, com o capitão William M. Callaghan como seu primeiro oficial comandante.
Era armado com uma uma bateria principal composta por nove canhões de 406 milímetros montados em três torres de artilharia triplas, tinha um deslocamento de mais de 58 mil toneladas e conseguia alcançar uma velocidade máxima de 32 nós.
2ª Guerra Mundial
O Missouri juntou-se à Força Tarefa 58, que fez uma surtida no dia 27 para lançar um ataque aéreo contra Tóquio em apoio a uma planejada operação contra Iwo Jima. O couraçado atuou como parte da escolta antiaérea do Grupo de Tarefas 58.2, centrado nos porta-aviões USS Lexington, USS Hancock e USS San Jacinto. Além de protegerem os porta-aviões, o Missouri e os outros couraçados atuaram como navios-tanque para os contratorpedeiros em escolta, já que a rede logística da frota não podia acompanhar a força de ataque nessas operações.
A força tarefa chegou próxima do litoral do Japão em 16 de fevereiro para o começo de uma série de ataques aéreos. A frota logo em seguida rumou para Iwo Jima, que foi invadida por forças terrestres do Corpo de Fuzileiros Navais três dias depois. Naquela tarde, enquanto patrulhava com os porta-aviões, o Missouri abateu uma aeronave japonesa, provavelmente um bombardeiro Nakajima Ki-49.
As embarcações partiram novamente em 14 de março para mais uma rodada de ataques aéreos. O couraçado quatro dias depois ajudou a abater quatro aeronaves japonesas. Os porta-aviões norte-americanos atacaram vários alvos no Mar Interior de Seto, o que fez os japoneses lançarem um contra-ataque que acertou vários porta-aviões. O USS Franklin foi seriamente danificado e o Grupo de Tarefas 58.4 foi destacado para dar cobertura para sua retirada.
O Franklin deixou a área de operações em 22 de março e o Missouri e o resto do grupo de tarefas retornaram para a frota para o bombardeio preparatório para a iminente invasão de Okinawa.
O couraçado foi temporariamente transferido para a Força Tarefa 59 junto com seus irmãos USS New Jersey e USS Wisconsin a fim de bombardearem o litoral sul de Okinawa no dia 24, parte de um esforço para chamar a atenção dos japoneses para longe do real alvo da invasão no litoral oeste da ilha. O Missouri disparou 180 projéteis e então retornou para o Grupo de Tarefas 58.4.
O Missouri foi alvo de um ataque kamikaze enquanto operava com os porta-aviões próximo de Okinawa no dia 11 de abril, quando um caça Mitsubishi A6M Zero bateu na lateral do navio logo abaixo do convés principal. O impacto destruiu a aeronave e jogou gasolina no convés que entrou em ignição logo em seguida, porém o fogo foi rapidamente apagado pela tripulação. O ataque causou apenas danos superficiais e o couraçado permaneceu em operação na sua posição. Dois tripulantes foram feridos no dia 17 quando outro kamikaze bateu no guindaste de aeronaves na popa e caiu no rastro do navio.
A embarcação partiu no dia 21 de maio para retornar a Okinawa, chegando na área de operações seis dias depois, quando participou de ataques contra posições japonesas na ilha.
A Terceira Frota rumou então para o norte com o objetivo de realizar uma série de ataques aéreos contra campos de pouso inimigos e outras instalações relevantes na ilha de Kyūshū em 2 e 3 de junho. A frota foi acertada por um grande tufão na noite de 5 para 6 de junho que causou grandes danos a muitos dos navios, porém o Missouri sofreu apenas danos leves. Mais uma rodada de ataques aéreos contra alvos em Kyūshū em 8 de junho. A frota depois disso recuou para o Golfo de Leyte a fim de reabastecer combustível e munição, chegando no local em 13 de junho.
A Terceira Frota partiu novamente em 1º de julho para lançar uma série de ataques contra o arquipélago japonês. O Missouri neste período atuou junto com o Grupo de Tarefas 38.4.
Aeronaves de porta-aviões atacaram alvos em Tóquio no dia 10, então mais para o norte entre Honshū e Hokkaidō de 13 a 14 de julho. O Missouri e vários outros navios foram destacados no dia seguinte a fim de formarem a Unidade de Tarefas 38.4.2, que foi encarregada de bombardear instalações industriais em Muroran, em Hokkaidō. Uma segunda missão de bombardeio ocorreu na noite do dia 17 para o dia 18, momento em que o couraçado britânico HMS King George V tinha se juntado à formação.
Os couraçados retornaram para escoltar os porta-aviões durante ataques contra alvos na área do Mar Interior e então em Tóquio no final do mês. Houve uma breve pausa e então os ataques de porta-aviões recomeçaram no norte do Japão em 9 de agosto, o mesmo dia do bombardeio atômico de Nagasaki. A rendição do Japão foi anunciada no dia 15.
Rendição do Japão
Os navios pararam em Kamakura naquela noite, onde um entregador trouxe a bandeira que o comodoroMatthew C. Perry tinha hasteado durante sua expedição para forçar a abertura do Japão em 1853; esta bandeira deveria ser exibida durante a cerimônia de rendição. A flotilha Aliada entrou na Baía de Tóquio no dia 29 e o Missouri foi ancorado onde Perry tinha ancorado seus navios 92 anos antes. Clima ruim adiou a cerimônia até 2 de setembro.
A 2 de setembro de 1945 o almirante de frota Chester W. Nimitz subiu a bordo pouco antes das 8h00min, enquanto o mítico general de exército Douglas MacArthur, o Supremo Comandante das Potências Aliadas, subiu a bordo às 8h43min. Os representantes japoneses, liderados por Mamoru Shigemitsu, o Ministro do Exterior, chegaram às 8h56min. MacArthur foi para diante de microfones às 9h02min e iniciou a cerimônia de rendição que durou no total 23 minutos, afirmando: “É minha sincera esperança, de fato a esperança de toda a humanidade, de que desta ocasião solene emerja um mundo melhor do sangue e carnificina do passado, um mundo fundado sobre fé e compreensão, um mundo dedicado à dignidade do homem e à realização de seu desejo mais querido de liberdade, tolerância e justiça“.
Pós-guerra
No entre guerras até ser designado para a Guerra da Coréia, o Missouri participou de muitas comissões e exercícios mundo afora, incontáveis.
O Missouri foi para o Rio de Janeiro, no Brasil, em 30 de agosto de 1947 para a Conferência Interamericana para Manutenção da Paz e Segurança no Hemisfério. Truman subiu a bordo em 2 de setembro para a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, que ampliava a Doutrina Monroe ao estipular que um ataque contra qualquer um dos países signatários seria considerado um ataque contra todos. A família Truman partiu a bordo do couraçado em 7 de setembro. Esse Tratado foi substituído mais tarde pela OEA.
Digno de nota é que ele foi também celebrado no USS Missouri pelo próprio Trumam no Rio de Janeiro, Brasil.
No mesmo ano o Missouri se tornou o primeiro couraçado a acomodar um destacamento de helicópteros, operando dois Sikorsky HO3S-1, semelhante ao que aconteceu ao couraçado brasileiro Parnaíba que desempenhou missão semelhante ao Missouri na Segunda Guerra.
Vários ramos de serviço dos Estados Unidos estavam reduzindo seus inventários a partir de seus níveis na Segunda Guerra Mundial no decorrer da segunda metade da década de 1940. Para a Marinha, isso significou que várias embarcações de diferentes tipos foram descomissionadas e vendidas para desmontagem ou colocadas nas diferentes frotas de reserva que ficavam espalhadas pelos dois litorais do país. Truman ordenou pessoalmente que o Missouri fosse mantido na frota ativa, indo contra os conselhos de Louis A. Johnson, Secretário de Defesa; John L. Sullivan, o Secretário da Marinha e Louis E. Denfeld, o Chefe de Operações Navais. Isto se deu porque o presidente tinha um apreço especial pelo navio e também porque a embarcação tinha sido batizada por sua filha.
No dia 17 de janeiro de 1950, o Missouri estava navegando de Hampton Roads em direção ao mar para mais uma missão de treinamento quando encalhou a 2,6 quilômetros do Farol de Thimble Shoal, na Baía de Chesapeake.
O couraçado acertou um banco de areia a uma distância de três navios de comprimento do canal principal de tráfego. O erro de navegação foi causado por vários fatores, incluindo a inexperiência do capitão William D. Brown, o oficial comandante, em manobrar uma embarcação tão grande.
O incidente ocorreu durante uma maré particularmente baixa, dificultando o esforço para libertá-lo, que se tornou ainda mais difícil depois de uma âncora abandonada ter ser prendido ao casco.
O Missouri desembarcou munição, combustível e suprimentos para ficar mais leve, sendo libertado em 1º de fevereiro com a ajuda de rebocadores, barcos pontões, equipamentos de salvamento e uma maré alta.
Na Junta Naval de Inquérito, Brown e três de seus oficiais foram levados a uma corte marcial. Brown foi removido de seu comando e seus subordinados repreendidos.
A Guerra da Coreia estourou em 1950, fazendo os Estados Unidos intervirem em nome das Nações Unidas. Truman ordenou o envio de tropas do Japão à Coreia do Sul e o envio de tropas, tanques, aeronaves e uma poderosa força naval dos Estados Unidos com o objetivo de ajudar.
O Missouri foi transferido para a Frota do Pacífico, deixando Norfolk em 19 de agosto a fim de apoiar as forças das Nações Unidas na península Coreana. O capitão Irving Duke, seu oficial comandante, levou o couraçado diretamente pelo meio de um furacão próximo do litoral da Carolina do Norte no dia seguinte devido à urgência da missão, fazendo com que os helicópteros na sua popa caíssem no mar e danificassem o navio o suficiente para necessitar quase uma semana de reparos em Pearl Harbor.
O navio chegou ao oeste de Kyūshū em 14 de setembro e se tornou a capitânia do contra-almirante Allan Edward Smith. Bombardeou Samcheok no dia seguinte em uma tentativa de desviar a atenção dos desembarques em Inchon. Reabasteceu brevemente em Sasebo, no Japão, e então foi para Inchon em 19 de setembro, iniciando o bombardeio de tropas norte-coreanas recuando para o norte.
O navio escoltou o porta-aviões USS Valley Forge pelo litoral leste da península coreana e realizou missões de bombardeio litorâneo entre 12 e 26 de outubro nas áreas de Chongjin e Tanch’on, e depois em Wonsan, onde novamente escoltou porta-aviões. O couraçado seguiu para Hungnam em 23 de dezembro.
Como parte destas, ele entrou no Porto de Wonsan a fim de bombardear alvos. A artilharia norte-coreana tentou enfrentá-lo inutilmente em 5 e 10 de março, mas em retaliação o Missouri disparou 998 projéteis de 127 milímetros contra as posições inimigas neste último incidente. Sua última missão de bombardeio foi contra a área de Kojo em 25 de março.
O Missouri foi substituído dois dias depois como a capitânia da Sétima Frota pelo New Jersey, deixando Yokosuka em 7 de abril de 1953.
Até o fim da guerra, o Missouri desfechou muitos ataques e bombardeios na península coreana.
Descomissionado em 1955 pela primeira vez
Foi descomissionado no Estaleiro Naval de Puget Sound em 25 de fevereiro de 1955, sendo colocado na Frota de Reserva do Pacífico.
O Missouri foi levado para Bremerton, ao oeste de Seattle, e atracado no último cais do atracadouro da Frota de Reserva. Mesmo assim, foi deixado aberto para visitação pública e tornou-se uma atração turística popular na área, atraindo aproximadamente 250 mil visitantes por ano. Esses subiam a bordo do navio principalmente para verem o tombadilho onde a rendição do Japão tinha sido assinada em 1945. Uma placa de bronze marcando o local da assinatura dos documentos foi instalada, além de exposições históricas que incluíam fotos e cópias da ata de rendição.
O Missouri permaneceu atracado e desativado em Bremerton pelos quase trinta anos seguintes.
Reativação
O governo do presidente Ronald Reagan, liderado por John F. Lehman, o Secretário da Marinha, começou um programa para criar uma marinha com seiscentos navios. O Missouri foi reativado e rebocado no verão de 1984 para o Estaleiro Naval de Long Beach a fim de passar por uma modernização para ser recomissionado.
O sino de 360 quilogramas do Missouri tinha sido removido e enviado para Jefferson City para as comemorações do sesquicentenário do estado do Missouri, sendo formalmente devolvido ao navio antes dele ser recomissionado.
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O couraçado foi recomissionado em São Francisco no dia 10 de maio de 1986, com o capitão Albert Kaiss como seu oficial comandante. Caspar Weinberger, o Secretário de Defesa, discursou diante de uma multidão de dez mil pessoas durante a cerimônia, instruindo a tripulação a “ouvir os passos daqueles que vieram antes de vocês. Eles falam para vocês sobre honra e a importância do dever. Eles te lembram de suas próprias tradições“.
Margaret Truman, madrinha do Missouri, também esteve na cerimônia, quase quarenta anos depois de seu lançamento, e fez um breve discurso para a tripulação, que terminou com ela dizendo “agora cuidem do meu bebê“. Seus comentários foram recebidos com várias rodadas de aplausos por parte dos tripulantes.
Daí, o bebê de Margareth Trumam partiu para muitas missões mar afora e de novo, como se fosse um debutante.
Nesse mesmo ano, 1986, partiu para uma viagem ao redor do mundo, visitando Pearl Harbor no Havaí; Sydney, Hobart e Perth na Austrália; Diego Garcia no Arquipélago de Chagos; o Canal de Suez no Egito; Istambul; Nápoles na Itália; Rota na Espanha; Lisboa e o Canal do Panamá.
O Missouri tornou-se o primeiro couraçado dos Estados Unidos a realizar uma circum-navegação desde a Grande Frota Branca oitenta anos antes, completando uma volta no Globo com o intuito de demonstrar o poder naval dos EUA.
Guerra do Golfo em 1990
A última grande missão do poderoso Missouri ocorreu na Guerra do Golfo, onde ele já havia recebido novas atualizações obtendo ainda mais poder de fogo. Ele se tornou uma espécie de equipamento de propaganda dos EUA, por conta da ficha histórica e poder de combate que impressionava até mesmo os mais céticos. Durante a guerra do Golfo ele escoltou comboios por longas distâncias e realizou ataques com mísseis de cruzeiro Tomahawk. Sua folha de combate nesse conflito é igualmente extensa.
Navio Museu
Os altos custos de manutenção dos couraçados da Classe Iowa sem a percepção de uma grande ameaça contra os Estados Unidos no início da década de 1990 levaram a grandes cortes nos custos da marinha, significando que a manutenção dos navios na frota ativa foi considerada pouco econômica. Consequentemente, o Missouri foi descomissionado pela última vez em 31 de março de 1992 em Long Beach. O capitão Albert L. Kaiss, seu último oficial comandante, escreveu na última marcação do diário do navio:
“Nosso último dia chegou. Hoje, o último capítulo da história do couraçado Missouri será escrito. É dito que a tripulação faz o comando. Não há afirmação mais verdadeira… pois é a tripulação deste grande navio que fez deste um grande comando. Vocês são uma espécie especial de marinheiros e fuzileiros navais e eu tenho orgulho de ter servido com cada um e todos vocês. Para vocês que fizeram a dolorosa jornada de colocar esta grande dama para dormir, eu lhes agradeço. Pois vocês tiveram o trabalho mais difícil. Deixar de lado um navio que se tornou tão parte de você quanto você é para ele é um final triste para uma grande viagem. Mas tenha consolo nisto: vocês fizeram jus à história do navio e daqueles que o navegaram antes de nós. Nós o levamos para a guerra, atuamos magnificamente e adicionamos mais um capítulo em sua história, estando lado a lado de nossos precursores em verdadeira tradição naval.”
O Missouri retornou para a reserva em Bremerton, sendo removido do registro naval em 12 de janeiro de 1995.
O USS Missouri alcançou o ápice de reconhecimento, se tornando literalmente um Navio Museu em Pearl Harbor. Certamente é o tipo de atração que todos os amantes de história e equipamentos militares ficariam entusiasmados em conhecer de perto! Se há um equipamento bélico que representa a liberdade e força americana, muito provavelmente esse equipamento é o USS Missouri, que carrega 11 estrelas de batalha, um feito realmente memorável!
Gostaria de visitar o maior museu de Pearl Harbor? Acredito que a resposta seja sim! Afinal, poucas coisas são tão impressionantes como visitar um navio de guerra que simboliza o fim da Segunda Guerra Mundial.