A história de Jair Messias Bolsonaro não é mais segredo para ninguém. Depois de quatro anos de exibição quase diária em todas as mídias, a vida do ex-presidente da República é mais do que conhecida pelos amantes da crônica política nacional. Apenas um pequenino detalhe pode passar desapercebido, e mesmo quando raramente é mencionado, tende a ser subestimado, não sendo objeto de especulação mais detida.
Sabe-se, por exemplo, que Bolsonaro quase foi expulso do Exército por supostamente ter planejado um ataque a bomba em local público. Mas, o estopim de tudo foi a entrevista dada por ele à Revista Veja e intitulado “O salário está baixo”, que veio a público um ano antes, em 1986. No artigo, o capitão – chamado pelo general Geisel de “fora do normal” e “mau militar” – reclamava aumento salarial para a tropa.
Não foi preciso ser um político de muitas luzes para se manter por tanto tempo em Brasília como deputado federal. Sendo representante do Rio de Janeiro, estado com a maior guarnição militar do Brasil, bastava perpetuar a cantilena do “salário baixo da tropa” que sua cadeira estaria garantida. E, de fato, foi isso mesmo que aconteceu por quase trinta anos.
Sabe-se que Bolsonaro fazia suas campanhas à cata de voto nas vilas e nos clubes militares… dos suboficiais e sargentos do Rio de Janeiro, já que era terminantemente proibido de frequentar os círculos de convivência dos oficiais.
Essa foi sua “plataforma” política por bastante tempo – ser o megafone solitário da questão salarial dos militares de baixa hierarquia no Parlamento até 2010, quando – a partir da instauração da Comissão da Verdade – converteu-se em megafone da questão ideológica da alta cúpula militar, pavimentando sua escalada ao Palácio do Planalto.
No vídeo a seguir, podemos vê-lo em ação no Parlamento, época em que seus eleitores mais fiéis ainda eram massivamente os sargentos das Forças Armadas, e quando o termo “bolsonarista” ainda estava muito longe de ser um adjetivo.
OS NOVOS “ESTAMENTOS INFERIORES”
Pouco tempo antes de assumir o comando do Exército, referindo-se à eleição presidencial de 2022, o general Tomás Paiva disse em um discurso dirigido à tropa “nós estamos na bolha fardada, militarista, de direita e conservadora” e que era importante reconhecer que “existe outra bolha, e ela não é pequena”.
O general tinha razão, em parte. A “bolha fardada, militarista, de esquerda e progressista” pode não ser grande, mas é uma realidade que ciclicamente se manifesta.
A Revolta da Chibata foi exemplo extremo de reivindicação sociocultural, mas não política. Tratar marinheiros, principalmente os negros, pela pedagogia da chibatada era a norma, não a exceção, independentemente do espectro ideológico de quem empunhava a chibata. Não se tratava de política, mas de costume entranhado. E mudar costumes é mais difícil do que mudar políticas…
Na edição de 3 de outubro de 1962 do jornal Última Hora já se observa a rixa entre graduados e oficiais. O sargento Hélio Moreira de Souza, da Aeronáutica, diz ao marechal Mendes de Moraes, que declarara em um programa de televisão não ver “nenhuma necessidade” de existirem sargentos deputados. O oficial general sugeriu que graduados não se candidatassem e disse ainda que os oficiais representariam bem a tropa no Parlamento.
É notável como a frase dita pelo marechal ecoou 56 anos depois nas palavras do general Rêgo Barros, porta-voz do governo Bolsonaro, quando afirmou (no vídeo abaixo, veiculado pela Revista Sociedade Militar) que “…não se faz necessário que estamentos mais inferiores da nossa carreira tenham oportunidade de apresentar, de iluminar diretamente a sociedade. Os chefes militares são os responsáveis por isso“.
Mais uma questão cultural…
GLAUBER “PARTE PRA CIMA”
Glauber Braga é Bacharel em Direito e nasceu em 1982, na cidade de Nova Friburgo – RJ. Exerce o mandato de deputado federal pelo PSOL. Foi líder da bancada do partido na Câmara dos Deputados no ano de 2017.
Nas eleições de 2016 foi candidato ao executivo friburguense pela coligação Construção Coletiva, formada pelo PSOL, PCdoB, PPL e PCB, tendo o vereador Cláudio Damião, também do PSOL como companheiro de chapa. Recebeu pouco mais de 24 mil votos, o que representava 23,79% dos votos.
Em seu site está escrito que “tem estado na linha de frente na luta contra a retirada de direitos dos trabalhadores, contra a “reforma” da previdência e contra o desmonte do Brasil.”
Em 2019, Glauber foi um dos que votou para que o PL 1.645 fosse ao Plenário da Câmara, o que possibilitaria uma discussão mais aprofundada sobre a reforma previdenciária dos militares. Seu voto foi vencido e a lei 13.954 foi sancionada pelo presidente da república, sem que se cumprisse o acordo entre o Senado e o governo Bolsonaro para revisão da lei.
Desde então, o deputado tem dado mostras de que se converteu na voz de parcela significativa de militares, principalmente do baixo escalão, das Forças Armadas. Militares esses, que alegam desde 2019, que foram “deixados para trás” pela nova reestruturação da carreira.
Aguerrido como o então deputado Jair Bolsonaro, Glauber tem se mostrado intransigente na defesa dos direitos de milhares de praças e pensionistas que teriam tido seus direitos suprimidos pela nova legislação.
Mas, ao contrário do ex-presidente, o deputado esquerdista aposta no relacionamento historicamente delicado entre oficiais e praças para atingir seu objetivo. Segundo ele, “as Forças Armadas são indispensáveis para a defesa da soberania do Brasil”. O que não significa absolutamente que ele se sinta intimidado pelos generais políticos, como se pode ver pelo vídeo abaixo.
Texto de JB Reis
Atenção: A Revista Sociedade Militar não necessariamente concorda com textos assinados por colaboradores, a publicação integral é parte de nossa política de discussão livre sobre assuntos relacionados às Forças Armadas, geopolítica e instituições de segurança brasileiras.