Dunkirk é um filme marcado pela complexidade, seja qual for o ponto de vista. É complexo por abordar um tema real, a guerra, mais especificamente a Segunda Guerra Mundial. A aparente simplicidade cai por terra quando lembramos que dentro da história sempre haverá as micro histórias, tramas que dão mais veracidade e emoção aos relatos do passado.
O filme aborda, basicamente, a célebre evacuação de Dunquerque, uma cidade francesa, onde tropas britânicas e francesas estão acuadas pelas tropas alemãs. A missão não é simples, pois os céus estão patrulhados pelos temíveis aviões Stuka, além de bombardeios e um exército inteiro que mata qualquer um que se aventurar pela cidade. Cabe lembrar que esse é o período no qual a Alemanha está em vantagem na guerra sobre os exércitos e tropas Aliados.
A coisa piora quando nos deparamos com uma pressão psicológica impensável. Homens abandonados no front recebem, pelo ar, panfletos pedindo que se rendam para evitar um massacre. Juntemos a essa situação já deprimente o fato de que quase não há água potável, cadáveres são enterrados ao lado de amigos, enquanto bombardeios acontecem com precisão quase cirúrgica. É, no geral, um quadro péssimo onde as esperanças de sobrevivência são mínimas.
Mas, está registrado na história, a esperança, ao menos dessa vez, venceu. Só há um detalhe: na guerra, nunca a vitória virá fácil.
Christopher Nolan é um dos mais eficientes e competentes diretores da atualidade. Sua obra é marcada por seu tom sombrio e violento, como no filme Batman, e por sua criatividade e complexidade, como no filme Interestelar. Ele também é capaz de dar consistência a teorias complexas, como em A Origem. Em Insônia, Nolan transforma Robin Williams em um assassino. Em Dunkirk, ele faz uma imersão no universo de um complexo momento da Segunda Grande Guerra, e consegue levar o espectador a uma experiência bem diferente, já que há a nítida sensação de que ao invés de apenas contemplar o que se passa, é possível viver o amargor da guerra.
Não há filtros ou palavras bonitas durante a exibição de Dunkirk. O que vocês verão é um espetáculo visual sem igual, unido a uma narrativa com múltiplos planos, onde cada um destes irá evidenciar os malefícios da guerra.
A guerra é solitária.
Não há espaço para compaixão quando o assunto é sobrevivência. Nas guerras, seja qual for, viver é a meta e muitos são os meios (nem todos admiráveis) para obter tal resultado. Isso está destacado em Dunkirk. Homens agem para ter a benção do retorno para casa, não importando se isto levará outros à morte. Medo, situações traumáticas e insegurança modificam o caráter de um homem a ponto de torná-lo irreconhecível.
A Operação Dínamo, nome dado à retirada das tropas de Dunquerque, foi uma guerra de um lado só. Derrotados, os britânicos e franceses só tinham a fuga como forma de sobreviver. Christopher Nolan criou uma trama que destaca não apenas isso como, ainda, a solidão do combate. Apesar de termos pequenas histórias conectadas, Dunkirk não é sobre um herói específico, mas sobre pessoas que vivem seus dramas em absoluta solidão, por mais que haja pessoas ao seu redor.
Isso é visível no desdobramento do filme. Há os pilotos da RAF, o soldado que foge do início ao fim da história, o capitão da embarcação civil, seu filho e amigo, além do Capitão de Fragata que insiste em confiar no resgate dos soldados presos à beira da praia. Todos têm suas motivações, mas nós vivenciamos cada uma dessas experiências de forma única, como se dela estivéssemos participando. Mesmo conectadas, elas são apenas pontos de uma trama muito maior.
Fogo amigo.
Para os combatentes no front de Dunquerque era insuportável por causa da pressão psicológica do momento. A possibilidade de ser bombardeado a qualquer segundo era real e deixava a todos destruídos física e mentalmente. Somemos isso à escassez de víveres, desconforto e o medo… tudo era brutal para as tropas. Assim, manter-se vivo era a palavra de ordem. E é aí que reside o perigo.
A proximidade das tropas nazistas, a ausência de comunicação, fome, falta de água… tudo isso colaborava para que o instinto de sobrevivência levasse alguns homens a atitudes extremas, inconcebíveis em condições normais. Assim, tal como mostrado no longa-metragem, pessoas se fizeram passar por mortos, ingleses eram prioridade nas embarcações para fugir, isso sem contar que a linha de resistência era toda de franceses e belgas.
Em resumo, por encontrar a França invadida e ainda existir a real possibilidade de resistência britânica, priorizou-se a remoção de tropas inglesas, mas isso não implicou em abandono dos combatentes franceses. Ao final, 220 mil soldados britânicos e 120 mil franceses e belgas foram resgatados
O 3 de junho marcou o último dia de fuga das tropas. No dia 4, tropas alemãs tomaram a França e encontraram cadáveres, além de um êxodo de quase 5 milhões de franceses que fugiam para o sul. O dia 14 de junho marcou a abertura da capital francesa aos alemães.
A evacuação de Dunquerque resultou, além dos mortos, na perda de 200 navios e 177 aviões dos Aliados.
O apuro nas filmagens e a precisão histórica.
Foi feito um grande esforço para que a fotografia, a montagem, o enredo e o realismo da superprodução Dunkirk fossem os mais próximos possíveis da realidade histórica da Operação Dínamo. Isso incluiu o uso de aeronaves reais, destroieres, roupas e uniformes, diálogos sólidos e um elenco principal todo oriundo da Grã-Bretanha.
O filme Dunkirk é um filme de suspense quase sem diálogos. As falas são poucas e as cenas são extremas no quesito tensão. Isso é ampliado pela trilha sonora de Hans Zimmer e pelas imagens impressionantes, que foram gravadas com câmeras IMAX.
O filme Dunkirk mostra a preocupação com as peculiaridades históricas da época em que a retirada de Dunquerque ocorreu. Isso inclui o uso de aeronaves reais Spitfire, destroieres, roupas e uniformes copiados de forma fiel, diálogos sólidos e um elenco principal todo oriundo da Grã-Bretanha.
As cenas aéreas de Dunkirk foram gravadas diretamente dos aviões, o que adiciona um toque de realismo à trama. O destaque também ficou por conta da presença dos aviões alemães Stuka, que eram considerados o terror por causa de seus ataques rápidos, eficazes e mortais. O som dos Stuka era o prenúncio de morte, não importa se o alvo era um navio de assistência hospitalar. O filme também mostra o surgimento sempre inesperado e destruidor dos submarinos U-Boat, responsáveis por incontáveis embarcações afundadas durante a Segunda Grande Guerra e mortes em grande escala. Apesar de não aparecer de forma perceptível, o poderio da Kriegsmarine está no filme.
A distribuição de panfletos para os soldados Aliados foi uma surpresa agradável em Dunkirk. Isso evidencia o nível de pesquisa da equipe de produção que trabalhou com Christopher Nolan. Essa era uma estratégia comum que visava minar o moral da tropa e estimular a rendição incondicional dos combatentes inimigos.
A visão do espectador.
Christopher Nolan acertou novamente. Dunkirk é um filme já consagrado por seu apuro, realismo e, principalmente, pela abordagem diferente onde nós somos transportados para o lado de cada um dos protagonistas, tanto nos momentos de ação quanto nos de tensão e suspense extremos. Todas as áreas possíveis de um combate estão lá: na terra, no mar e no ar, mas é preciso somar a presença marcante do patriotismo dos voluntários civis e das mulheres que também pereceram em combate. Tudo isso foi pensado para recriar com o máximo de fidelidade este momento histórico tão interessante e controverso.
A narrativa não é linear e isso pode confundir inicialmente. Essa sensação dissipa com rapidez e a compreensão do contexto geral é fácil. Não há espaços para cenas que estão lá só para entreter. O que vocês verão (e eu vi) é um filme preciso na dosagem da emoção e da tristeza. Afinal, a guerra não tem trilha sonora ou milagres. A guerra é cheia de covardias, atos impensados, sorte e perdas. Ver uma produção onde isso tudo está presente, somada a um roteiro que respeita o espectador e a História, é tirar a sorte grande.
Não é à toa que Dunkirk foi indicado em oito categorias ao Oscar, assim como também não foi à toa que ele venceu em três destas categorias. Puro e simples merecimento!
A história de homens e mulheres foi recontada com maestria. Heróis foram forjados… heróis foram perdidos.
O elenco dessa produção contou com Fionn Whitehead (Tommy), Jack Lowden (Collins), Aneurin Barnard (Gibson), James d’Arcy (Capitão Winnant), Kenneth Branagh (Comandante Bolton), Cillian Murphy (Shivering Soldier), Barry Keoghan (George), Tom Hardy (Ferrier), Sr. Dawson (Mark Rylance), entre outros. O roteiro, produção e direção ficaram sob a responsabilidade de Christopher Nolan.