Triunfo da Vontade (Triumph des Willens – 1935) é muito mais do que um simples documentário. Por meio dele podemos compreender a visão de Adolf Hitler acerca do III Reich. Imagens marcantes, plenas de um povo eufórico com a presença de seu líder.
Crianças saudando a passagem do Führer, uma população inteira ovacionando o homem que viria a ser o mais odiado da Terra, mas que naquele momento era a representação máxima da ascensão de um povo que se sentia oprimido e abandonado.
A diretora, Leni Riefenstahl, soube evidenciar o fanatismo por Hitler usando sempre de ferramentas comuns aos documentários que servem para enaltecer uma pessoa ou regime. Neste caso, ela enalteceu ambos, mostrando sempre o lado belo do nazismo, mas principalmente evidenciando o amor e o apoio de todo um povo por seu líder supremo.
O apuro do trabalho de Leni é visto na chegada de Hitler a Nuremberg, seja pelo foco na imagem do ditador, seja pela forma elaborada com a qual ela torna isso monumental. Vindo das nuvens, tal qual um anjo, o líder nazista desce em Nuremberg para ser recepcionado por uma multidão de adoradores. Estas cenas são reais, mas receberam uma edição primorosa que focou, unicamente, o poderio e a influência do ditador.
A juventude hitlerista
Ver os jovens (em alguns casos, crianças) atuando na Juventude Hitlerista é uma ponto interessante, porém cruel do documentário. Interessante por mostrar outro lado dos recrutados para a juventude hitleristaJuventude Hitlerista, uma tropa que não foi poupada durante a guerra, composta majoritariamente por adolescentes. A crueldade, por sua vez, está na abordagem feliz de um regimento que teve inúmeras perdas, absolutamente motivado por influências que eram cativantes para os adultos… imaginem o poder que isso tinha sobre os jovens.
Havia uma atmosfera lúdica. Brincadeiras, jogos, diversão e camaradagem são ressaltadas em cada imagem. Não há um único indício de desconforto, temor ou raiva por estarem lá. O que se vê (ou o que é mostrado) é uma perfeita harmonia em um ambiente de quartel, fato que eu, na condição de militar, tenho absoluta certeza de que não há. Contudo, é sempre bom relembrar que estamos falando de um documentário propagandista. Sendo assim …
As frentes de trabalho e as ofertas das colheitas.
Uma das mais claras demonstrações de poder, dentro do militarismo, é passar em inspeção à tropa, porém também uma oportunidade única de aproximação aos subordinados. Hitler sabia que o carisma é a força motriz de seus asseclas e, sabiamente, reforçou isso a cada encontro, a cada aceno ou cumprimento. Ao contrário do estereótipo do ditador lunático e violento que muitos idealizam, este documentário comprova que havia um homem com sabedoria suficiente para se deixar aclamar por seu povo, sem que isso implique em não exultar os dons que eles tinham, estreitando os laços de um líder com seus liderados. O binômio líder-liderados era perfeito.
Enquanto isso, a população demonstrava seu apreço pelo Führer de igual forma ao que foi feito no Antigo Testamento, por meio de verdadeiros sacrifícios. Ofertas de alimentos são apresentadas a Hitler, reforçando a aura de poder quase divino que ele tem. Mas era na oferta da própria vida, nas frentes de batalha, que o povo alemão mostrava seu maior tributo ao comandante supremo.
Os discursos
Rudolph Hess discursa para uma plateia gigantesca. Suas palavras servem para exaltar a pessoa do líder nazista, enquanto inflamam uma multidão que vê esperança e progresso na pessoa do líder. A diretora mostra outros nomes importantes do staff nazista que, invariavelmente, se esforçam para demonstrar suas obras diante do Führer.
A seguir Hitler passa em inspeção ao grupo de trabalhadores braçais responsáveis pela construção de estradas e outras obras de vulto para o Heich. A marcialidade está em tudo. Palavras, ações e até os equipamentos, incluindo os uniformes, dão um ar militarizado aos trabalhadores.
“Quem não for para as trincheiras nem ficar sob o fogo das granadas, não pode ser considerado soldado. Com nossos machados, pás e ancinhos, somos a tropa jovem deste Reich.”, disse um dos homens que trabalhará nos campos, portando um olhar quase alucinado. Em sua mente, provavelmente, seu trabalho tinha a mesma magnitude do feito por um soldado.
Hitler contempla sua “tropa” de trabalhadores e, visivelmente emocionado, ressalta a importância deste seleto grupo. Para ele, os trabalhadores braçais são uma força indispensável para a vitória alemã. Estas são as palavras que incentivam e reforçam o sentimento nacionalista entre os jovens que doarão suas forças e até a vida pelo país. Há uma simbiose doentia entre o povo alemão e seu líder máximo, uma verdadeira adoração por aquele que “elevou” novamente o moral germânico.
A propaganda
A continuidade do documentário cumpre – de forma marcante – com seu propósito: dar credibilidade aos atos do regime nazista e, obviamente, exaltar Adolf Hitler como um líder incomparável.
“Triunfo da Vontade” é um documentário, mas acima disso, é um material de propaganda destinado ao convencimento de uma nação. A diretora conseguiu seu intento e, infelizmente, boa parte da nação alemã (e outros países) apoiou o regime hitlerista. Porém algo precisa ser frisado: este vídeo cumpriu com o que se propôs à época, mas também serve como alerta sobre os malefícios de uma propaganda capaz de induzir o público a seguir suas sugestões. A influência e o poder de persuasão embutidos no marketing foram usados de forma implacável nessa obra, assim como a indústria tabagista fez por anos, e como faz, atualmente, a indústria de bebidas alcóolicas, em especial das produtoras de cerveja.
É preciso ver essa obra cinematográfica com a visão da época para entendermos o quão influente foi. Muitos alemães não sabiam dos males feitos pelo Reich e, ainda por cima, eram bombardeados com produtos como esse. Claro que os erros não são amenizados por isso, porém fica o alerta.
Assista ao documentário e compreenda: até hoje somos enganados pelo marketing feito com más intenções, mesmo com a infinidade de recursos que possuímos. Imaginem o grau de facilidade encontrado por Hitler e seu staff diante de uma nação que almejava por um futuro melhor… desesperadamente. Era isso que o III Reich prometia. Um povo, um império, um líder.