A posição brasileira de neutralidade em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia — mantida por Bolsonaro e por Lula — começa a deixar de ser de neutralidade e passa a assumir-se publicamente como posição pró-Rússia. Na XV Cúpula do BRICS, na África do Sul, ocorrida em 21/8, a representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, concedeu entrevista exclusiva ao jornal Brasil de Fato, na qual esclareceu a perspectiva da Rússia em relação ao Brasil na atual ordem mundial (uma ordem multipolar) assim como a sua russa sobre a crise na Ucrânia.
A diplomata russa elogiou o Brasil por não seguir a agenda ucraniana imposta pela mídia internacional, ressaltando a rápida mudança que vem ocorrendo no cenário global, com países da Ásia, África e América Latina fortalecendo suas posições econômicas e buscando uma ordem internacional mais justa.
Zakharova destacou que essa mudança em direção a uma ordem internacional multipolar mais justa é irreversível, sinalizando o declínio do mundo unipolar dominado por um grupo seleto (liderado pelos EUA). Esta tendência, segundo Zakharova, sublinha a crescente importância dos BRICS.
BRICS e Transformação do Mundo Multipolar
A representante oficial da chancelaria russa, Maria Zakharova, afirmou que o mundo está passando por rápidas transformações e que a nova ordem mundial construída ante os olhos de todos os países do mundo é uma ordem multipolar e mais justa (a ordem antiga, segundo essa visão, é unipolar, tendo os Estados Unidos por liderança global). A nova ordem multipolar, nesse contexto, faz com que o papel do BRICS cresça e fortaleça os países do Sul Global e suas posições econômicas, buscando assim maior influência nos processos globais a países até então sem direito de tomar seu próprio rumo.
O BRICS representa um grupo de países emergentes que se uniram para promover a cooperação econômica, política e cultural entre si. O termo BRICS é formado pelas iniciais dos países membros: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa). O grupo foi criado em 2006, inicialmente como “BRIC”, com a adição da África do Sul em 2010, tornando-se “BRICS”.
Já a expressão “Sul Global” é uma expressão utilizada para se referir aos países em desenvolvimento, em geral, localizados no hemisfério sul do globo terrestre. A expressão, segundo o presidente Lula, veio substituir a antiga expressão “países do terceiro mundo”. “Éramos chamados de terceiro mundo. Agora somos o Sul Global”, afirmou o presidente Lula em entrevista na Cúpula do BRICS.
Papel do Brasil na Ordem Multipolar
Zakharova tratou ainda do papel do Brasil na formação de um mundo multipolar. Ela elogiou o compromisso do Brasil com uma política externa independente que considere os interesses nacionais, sua integração na América Latina e no Caribe, além de seu compromisso em fortalecer a estabilidade e segurança internacional. Ao mesmo tempo reconheceu a contribuição potencial do Brasil para uma ordem global mais equitativa e democrática.
A diplomata russa destacou o papel especial do Brasil na construção de uma nova ordem mundial multipolar e democrática. Ela fez com que o Brasil representasse a voz da América Latina no BRICS e que a liderança brasileira buscasse uma ordem mundial mais equitativa e a reforma de instituições globais como a ONU.
Equilíbrio na Crise Ucraniana e Respeito pela Soberania Brasileira
Em relação às críticas do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky às declarações do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, Maria Zakharova valorizou a posição brasileira de buscar uma solução diplomática para a crise na Ucrânia. Elogiou ainda a compreensão de Lula das “causas subjacentes da crise” e o seu significado geopolítico global.
A chanceler russa expressou respeito pelo compromisso do Brasil em manter uma posição soberana, mesmo sob pressão, incluindo a recusa de fornecer armas ao regime de Kiev na Ucrânia. Ela também destacou que o Brasil não aderiu às medidas coercitivas unilaterais do Ocidente contra a Rússia.
E Quando Termina a Guerra?
No que diz respeito ao conflito na Ucrânia, Maria Zakharova explicou que a Rússia respeita a vontade das pessoas nas regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhye, que manifestaram o seu desejo de adesão à Federação da Rússia por meio de referendos. Ela destacou que a Rússia busca uma solução negociada e que o futuro do restante do território ucraniano dependerá da compreensão da Ucrânia e do Ocidente sobre a necessidade de uma solução que leve em consideração a segurança da Rússia.