O Bunker (The Bunker, 1981) é um filme de guerra ou filme militar produzido para a TV, baseado na obra literária escrita por James P. O’Donnell (nome dado ao militar que acessou o bunker no início da trama). O roteiro mostra os meses finais de Hitler e seus asseclas que ficaram confinados ao Bunker do Führer durante os longos ataques e bombardeios das tropas Aliadas à Alemanha. Com uma temática que vai além do gênero “guerra”, o longa retrata o lado emocional e psicológico do líder alemão e de todos os seus seguidores que viram seu auge e o declínio, tanto no aspecto tático e militar quanto nos aspectos emocional e de saúde.
A trama tem como localidade principal o bunker (uma fortaleza subterrânea) onde Hitler e seu séquito passaram os últimos meses antes da invasão russa – e dos demais Aliados – à Alemanha. Esses meses foram terríveis para os que acompanharam Hitler, já que a maioria conhecia a condição em que a Alemanha se encontrava na guerra, diga-se de passagem uma condição péssima, à beira de um colapso.
Os impactos de estar ao lado de seu líder supremo foram maiores conforme a condição física e mental dele se degradava. Adolf Hitler não era mais o líder imbatível de outrora, seus exércitos estavam sitiados ou destruídos e a própria Berlim era alvo de inúmeros bombardeios. Mesmo assim, diante do temor indiscutível, somente uns poucos oficiais e Albert Speer tiveram a coragem necessária para tentar mostrar a Hitler que a situação exigiria a rendição do povo germânico ou, do contrário, os avanços dos inimigos poderiam significar a destruição não só do III Reich como também o fim dos alemães.
Hitler estava irredutível e seus delírios de vitória o levaram a ordenar o sacrifício (através do envio de frágeis tropas) ao front. O confronto direto com as forças aliadas era quase um genocídio, visto que o moral da tropa estava baixíssimo, munições e armamentos eram escassos e o número de baixas só aumentava. Para piorar, o Führer determinou o envio de jovens (em sua maioria crianças e adolescentes) para combater; majoritariamente componentes da Juventude Hitlerista.
Albert Speer.
O Bunker desta a presença de Albert Speer. O arquiteto do III Reich foi um dos poucos integrantes da cúpula de Hitler que sobreviveu ao julgamento em Nuremberg, tendo sido punido com 20 anos de prisão. Após sua libertação, Speer publicou livros sobre suas experiências ao lado de Hitler e como apoiador do nazismo. Obviamente, ele jamais se classificou como um dos responsáveis pelo Holocausto ou as mortes na guerra, atribuindo a si mesmo uma parcela de culpa por ter dado apoio e suporte a Hitler, mas sempre preocupado com os desmandos e a escalada da violência dos nazistas.
Em suas obras literárias, Albert Speer se apresenta como um apreciador da arquitetura e da arte, fato que o aproximou do Führer. Ainda que houvessem tantas coisas em comu, Speer alega ter planejado o fim da vida de Hitler, porém tal fato jamais se consumou (isso é mostrado no filme).
Uma grande parcela da inspiração do filme está baseada no livro de Por Dentro do III Reich, escrito em 1969.
Saliento que nos últimos tempos do regime nazista, Albert Speer foi ministro do Armamento de Hitler. Mesmo tendo se afastado e praticamente refutado seu líder, Speer esteve efetivamente ligado à história da ascensão e queda do III Reich.
Coincidentemente, o filme foi lançado em janeiro de 1981, ano em que Speer veio a falecer (no mês de setembro).
Loucura.
A decadência mental de boa parte dos alemães que compõem o grupo que vive ao lado de Hitler no bunker é notável. Motivados pelo fanatismo e o medo, a verdade é que poucos estavam preparados para ver seu líder entregue aos delírios e à degradação.
Essa fidelidade (novamente, inspirada mais pelo medo) foi determinante para alguns dos seguidores de Hitler, sobretudo à família Goebbels, Eva Braun e outras pessoas que idolatravam-no de forma quase sobrenatural. Sacrifícios aconteceram por amor e loucura, algo que a História comprova. A história do nazismo mostra a que ponto o fanatismo pode chegar.
Fidelidade.
Em contrapartida, a Segunda Guerra Mundial e, em especial, o nazismo, teve o potencial latente de trazer à tona o melhor e o pior das pessoas. No filme O Bunker, assim como nos relatos históricos, podemos contemplar uma faceta curiosa da guerra, seus líderes e aqueles que são liderados: a fidelidade destes, mesmo diante da óbvia destruição, mesmo frente à tragédia.
Apesar da já citada loucura que envolveu Hitler e todos que o acompanharam em sua última jornada, ficou claro para o espectador mais atento que – mesmo sob fogo cerrado e à mercê das ordens de um homem debilitado mentalmente – os seguidores de Adolf Hitler (a maior parte deles) ainda nutriam uma admiração incomum por seu líder. Nem mesmo diante da nítida vontade de sacrificar seu povo, o fato é que homens e mulheres não o abandonaram por admiração, fidelidade, terror e, claro, loucura.
A História fez seu julgamento sobre todos os fatos ocorridos neste período, a justiça foi feita e levou muitos nazistas à forca, mas é inquestionável que o carisma de um único homem, aliado a outros que lhe deram suporte e força, conduziu uma nação inteira em uma cruzada cujos resultados foram catastróficos tanto para as vítimas quanto para os próprios alemães.
Joseph Goebbels.
A mente por trás das palavras de Hitler, esta é a mais coerente definição do que foi Joseph Goebbels. Além de um orador ferrenho, inteligente e astuto, ele tinha o poder de persuasão digno dos mais eloquentes da História. Mesmo desprovido da capacidade de combate, manco, pequeno e fora dos padrões arianos, o fato é que Joseph Goebbels foi o mais fiel seguidor de Hitler, um homem cujas ações refletem o que abordei acima: fidelidade, loucura e um sacrifício inimaginável para qualquer um.
A esposa de Goebbels e Eva Braun são exemplos de pessoas que também optaram por seguir seu líder até o túmulo, ainda que esta última não tenha sido – essencialmente – uma pessoa má (mas fique à vontade para discordar). Como amigos pessoais – e fanáticos – os Goebbels foram às últimas consequências para mostrar o quanto eram fiéis ao líder, fato consumado não apenas com as próprias mortes como também pelo sacrifício das vidas dos seis filhos, envenenados com cianeto no interior do bunker, uma das mais impactantes cenas do longa-metragem e fato verídico.
Lições da História.
Filmes como O Bunker e outros cujas tramas abordam fatos históricos são, indiscutivelmente, um reforço para as lições que a História nos deixa. Hitler não foi o primeiro e não será o último dos candidatos a Senhor da Humanidade. Alexandre Magno, Genghis Khan, Idi Amin, Napoleão, Átila, Stalin, Ivan IV, Saddam Hussein, Mao Tsé-Tung, Maria I (Bloody Mary), Nero e muitos outros foram pessoas que se valeram do poder a eles conferido (nem sempre acatado pelos subordinados) para ampliar seu domínio sobre um ou mais povos, mesmo ao custo de incontáveis vidas.
Hitler é um exemplo daquilo que o poder pode fazer à mente de um homem, levando-o a se posicionar como um enviado de Deus ou um indivíduo predestinado ao poder por ser “superior” aos demais. Também serve para destacar os estragos que a submissão de uma nação a um único indivíduo podem resultar.
Em O Bunker, podemos contemplar a reconstituição de uma das mais obscuras fases que englobam o final da Segunda Guerra Mundial, além de elucidar os aspectos psicológicos e físicos que transformaram um homem outrora inquestionável no poder em um ser fragilizado em vários aspectos. Não há uma tentativa de diminuir os estragos provocados pelo nazismo, apenas uma demonstração do quão patéticos e frágeis são os ditadores e imperadores quando confrontados com algozes capazes de tirar-lhes o poder… e a vida.
Atuações.
Ainda que haja uma carga dramática mediana, o longa entrega ao espectador ótimas atuações. Alguns dos atores dão literal vida às personagens interpretadas. Entre os destaques estão Anthony Hopkins (Hitler), Richard Jordan (Albert Speer), Cliff Gorman (Joseph Goebbels), Susan Blakely (Eva Braun), Michael Lonsdale (Martin Bormann), entre outros.
As atuações foram obviamente afetadas pelas limitações e as técnicas da época, tanto para a filmagem como para a interpretação. Todavia a essência da trama e a ambientação estão condizentes com um drama voltado a “encenar” os últimos meses de Hitler e seu séquito.
Além das atuaações, destaca-se no filme a reconstrução do bunker através de cenários que transpõem o espectador para dentro da construção que serviu de QG e prisão para Hitler e seus apoiadores. A sensação de encarceramento é perceptível, incômoda e ajuda a ampliar a experiência que nós, testemunhas, temos ao assistir a obra.
Por que retratar Hitler?
Questão que gera polêmica há décadas, a realidade é que esquecer o passado é pedir para que ele se repita, seja para o bem ou o mal. Historicamente, exemplos como o de Hitler e de outros líderes são importantes para que tenhamos – no mínimo – uma noção dos reflexos de seus atos e omissões, algo que provavelmente será usado para que não cheguemos novamente ao ponto por eles alcançado.
Mais especificamente, Adolf Hitler foi um líder que se valeu de uma conjuntura social, de crises sucessivas e da desesperança para ganhar a confiança de seu povo. Não o tomem por um tolo, pois poucos são capazes de dominar ideologicamente uma nação. Hitler foi um estadista, estrategista e um homem consciente de suas limitações, fato que o levou a criar um séquito de homens e mulheres capazes de ajudá-lo em sua jornada para transformar a Alemanha grande novamente, assim como para que seus anseios pessoais (e ódios) fossem atendidos.
Muitos generais, reis, líderes e imperadores conseguiram tomar territórios. Entretanto, poucos foram capazes de arquitetar o extermínio de uma raça. Em contrapartida, Hitler não fez nada sozinho. Por trás do Führer havia centenas de pessoas próximas a ele, militares ou não. Por trás da seara de domínio e extermínio dos nazistas havia, sem dúvida, uma quase unanimidade de homens e mulheres alemães que apoiavam publicamente os atos e ordens de seu líder.
Assim sendo, retratar Hitler é um lembrete válido sobre o excesso de poder na mão de um indivíduo, um alerta sobre os malefícios oriundos das crises e dos “salvadores” que sempre surgirão nestas crises. Atentem para aqueles que apontam soluções imediatas para problemas que perduram há anos. A Alemanha da época de Hitler sofreu com a inflação galopante, com a quebra do país após a Grande Guerra e também pela ingerência dos líderes políticos que pouco fizeram frente ao caos. Através da estratégia, do discurso, do carisma e da persuasão, Adolf Hitler despontou como o salvador do povo alemão, mas a verdade é que ele era um homem movido pela ganância, loucura e ódio; um homem que conduziu sua nação para a pior guerra da História da humanidade e, por isso, até hoje os alemães sofrem por um passado maculado.
Nota final.
Apesar de uma aparente suavização dos estragos provocados pelo nazismo (praticamente não mostrados no longa-metragem), O Bunker é um filme cujo propósito é reconstituir – dentro das limitações – os últimos dias de Adolf Hitler, destacar a gradual quebra do ânimo dele e a decadência resultante da conscientização da derrota alemã. Mais do que um filme de guerra, este longa visa apontar que líder algum merece ser seguido cegamente, pois todos que estiveram, estão ou estarão no poder são, essencialmente, apenas humanos e, por tal, possuem todas as qualidades boas e ruins inerentes disto.