Em uma manobra cuidadosamente cronometrada entre as crises simultâneas na Ucrânia e em Israel para evitar os holofotes internacionais, a Assembleia Nacional da Venezuela deu luz verde para um referendo nacional que determinará o futuro do território de Essequibo, na Guiana. O único problema é que Essequibo não faz parte da Venezuela.
Esta região, reconhecida internacionalmente como parte da vizinha Guiana, é rica em petróleo. Além disso, constitui cerca de dois terços da extensão daquele país.
A Guiana afirma que as atuais fronteiras estabelecidas no longínquo ano de 1899 por um tribunal internacional durante a era colonial britânica devem permanecer em vigor. Por outro lado, a Venezuela afirma que o rio Essequibo demarca naturalmente a fronteira, rejeitando o veredicto de 1899 como “nulo e sem efeito”.
Apesar da disputa de longa data sobre Essequibo, não havia nenhuma indicação prévia de que a Venezuela iria procurar ativamente uma mudança no seu estatuto. O momento do referendo implica fortemente que a decisão do Presidente Nicolás Maduro é motivada pela sua política interna e pelo potencial para uma combinação de enriquecimento nacional através do engrandecimento territorial.
Petróleo, o cerne do problema
A recente discussão sobre o estatuto de Essequibo está inegavelmente ligada à descoberta de vastas reservas de petróleo na região. Desde 2015, empresas petrolíferas, incluindo a ExxonMobil, descobriram 46 campos de petróleo na Guiana. A Guiana pode ter depósitos de petróleo superiores a 11 bilhões de barris, o que, se for explorado, tornará a sua população mais rica do que as do Kuwait ou dos Emirados Árabes Unidos.
Ambos os países percebem oportunidades económicas notáveis em Essequibo. Para a Guiana, que possui as maiores reservas de petróleo per capita do mundo, novas descobertas poderão trazer uma riqueza sem paralelo. Percebendo este potencial, a Guiana concedeu propostas de perfuração a grandes empresas petrolíferas, como a ExxonMobil, a Chevron, BP, TotalEnergies e empresa local SISPRO.
O presidente da Venezuela Nicolás Maduro pode utilizar a crise fronteiriça e a potencial agressão contra a Guiana para solidificar a legitimidade do seu regime autoritário.
Invasão pode desencadear grave conflito na região
Apesar das ameaças, contudo, Maduro parece subestimar as possíveis repercussões da anexação do território guianense. No meio de preocupações de segurança global e de crises na Ucrânia, Israel e na Ásia-Pacífico, os EUA não irão tolerar outro conflito, especialmente próximo de seu território. Washington já manifestou o seu apoio à Guiana, com o vice-secretário de Estado, Brian Nichols, reafirmando o direito da Guiana de desenvolver os seus recursos.
Além disso, tanto a Comunidade das Caraíbas como a Organização dos Estados Americanos consideraram ilegal o referendo venezuelano. O Brasil, que faz fronteira com a Venezuela e a Guiana, defende uma resolução pacífica.
Procurar a anexação seria um erro grave, não trazendo quaisquer benefícios para a economia da Venezuela, já devastada por sanções e pela emigração em massa. Os recursos petrolíferos adicionais não seriam o suficientes para salvar a nação. A liderança venezuelana pode estar ciente disto, utilizando o referendo apenas para obter capital político.
Independentemente da intenção real, Maduro deveria recordar dois casos que demonstram como atitudes como essa, pra salvar um regime em declínio, não acabam bem: a invasão das Malvinas pela Junta Argentina em 1982 e a invasão do Kuwait por Saddam Hussein em 1990. Nenhuma das duas deu certo e, ao contrário, aceleraram o processo de dissolução de antigos regimes totalitários em ambos países.
Fonte: Forbes