Uma disputa de décadas sobre o território rico em petróleo de Essequibo atingirá decerto um novo capítulo, potencialmente grave, no próximo domingo, quando a Venezuela realizará um referendo sobre a região, que é controlada pela Guiana.
A Venezuela decidiu inesperadamente pedir a opinião dos seus cidadãos sobre se deveria ou não criar um novo “estado” em Essequibo, região que sequer pertence a Venezuela. A Guiana argumenta que um eventual resultado positivo nas votações abriria caminho para que seu vizinho tomasse a região “unilateral e ilegalmente”.
Mas o que diz o dito referendo? O que primordialmente está em jogo? A Revista Sociedade Militar foi investigar.
Perguntas tendenciosas
Conforme noticiado anteriormente, o aguardado plebiscito colocará cinco questões aos eleitores venezuelanos. O referendo que Nicolás Maduro conduzirá no dia 3 de dezembro na Venezuela sobre o território Essequibo está envolto em controvérsias, principalmente por atribuir ao povo venezuelano a responsabilidade de decidir sobre a anexação do território guianense.
Além disso, as perguntas são fraseadas de modo a induzir o eleitor a uma resposta específica, conforme se observa já na pergunta 1.
- 1. “Você concorda em rejeitar por todos os meios, de acordo com a Lei, a linha fraudulentamente imposta pela Sentença Arbitral de Paris de 1899, que visa privar-nos de nossa Guiana Essequiba?”
Repare que a questão evoca o sentimento de nacionalismo do eleitor, ao mesmo tempo que já acusa como “fraudulenta” a resposta que faz oposição ao governo. Ou seja, ao ler a pergunta, o leitor acha que, se votar não, também será cúmplice de fraude. A pergunta número 4 é escrita da mesma forma.
- 4. Você concorda em se opor, por todos os meios legais, à reivindicação da Guiana de dispor unilateralmente de um mar pendente de delimitação, ilegalmente e em violação do direito internacional?
A frase também é escrita de forma a acusar o eleitor de compactuar com atividades ilegais se votar contra o governo, ao mesmo tempo, que dá a Nicolás Maduro legitimidade pra questionar a delimitação territorial da vizinha Guiana.
Gerando legitimidade pra anexar território
Outra pergunta se refere ao acordo de Genebra, de 1966.
- 2. “Você apoia o Acordo de Genebra de 1966 como o único instrumento jurídico válido para alcançar uma solução prática e satisfatória para a Venezuela e a Guiana em relação à controvérsia sobre o território da Guiana Esequiba?”
Na ocasião, a assinatura do Tratado de Genebra por todos os países envolvidos permitia que Venezuela e Guiana resolvessem a questão posteriormente através de negociações diretas entre os dois países. No entendimento de Nicolás Maduro, no entanto, esse acordo lhe dá plena autonomia pra resolver a questão unilateralmente, se necessário.
Similarmente, em outra questão, Maduro busca ignorar a jurisdição da Corte Internacional de Justiça, o órgão que está mediando pacificamente a questão da soberania do território Essequibo.
- 3. Você concorda com a posição histórica da Venezuela de não reconhecer a competência da Corte Internacional de Justiça para resolver a controvérsia territorial sobre a Guiana Essequiba?
O presidente Nicolás Maduro disse nesta quarta-feira que espera que a votação produza sobretudo um “grande consenso: defender a Venezuela”.
“Incorporando estado no mapa venezuelano”
Entretanto, é a quinta pergunta que mais se destaca. A questão é formulada de maneira surpreendentemente explícita quanto às intenções do regime de Maduro.
- Você concorda com a criação do estado Guayana Esequiba e o desenvolvimento de um plano acelerado de atenção integral à população atual e futura desse território que inclua, entre outros, a concessão de cidadania e carteira de identidade venezuelana, de acordo com o Acordo de Genebra e o Direito Internacional, incorporando consequentemente esse estado no mapa do território venezuelano?
A vitória de Maduro nesse referendo, portanto, resultaria na criação clara – e artificial – de uma população venezuelana em Essequibo. Dessa forma, o resultado da votação poderia se tornar uma justificativa para a anexação formal da região à Venezuela.
Ironicamente, a população que reside em Essequibo não terá voz nesse referendo. Maduro busca alterar a nacionalidade de todo um povo principalmente por meio da força e da coação, sem realizar qualquer tipo de consulta entre os habitantes do local.
Fontes: France24 / InfoMoney / Observatório Venezuelano de Justiça