Noticiado em vários veículos de imprensa e motivo de incontáveis podcasts e matérias no Youtube e redes sociais, o entrave político entre a Guiana e a Venezuela se tornou um dos mais estranhos fenômenos políticos e militares da América do Sul nas últimas décadas. O assunto é importante ao ponto de gerar declarações do ministro da Defesa, José Múcio, sobre a total impossibilidade de passagem de tropas venezuelanas por território brasileiro, segundo o G1.
Tropas brasileiras das Forças Armadas já se encontram na fronteira para garantir nossa soberania, mas uma questão permeia a mente dos leitores mais astutos: o que a Venezuela ganha com a anexação de um território que não lhe pertence?
Em resposta à pergunta acima, o único “lucro” será o de demonstrar força, visto que há a possibilidade de intervenção (ou mediação) dos EUA.
E o petróleo existente na Guiana? Bem, o que acrescenta a um país com reserva de mais de 300 bilhões de barris de petróleo a adesão de “apenas” mais 11 bilhões, a estimada reserva da Guiana? Honestamente, nada, principalmente se levarmos em conta que a Venezuela não tem a tecnologia para refinar a própria reserva.
Irã.
O Irã é um país aliado à Venezuela e que colabora com diluentes para o refinamento do petróleo explorado pelo país. Essa união, cabe salientar, é muito mal vista pelos EUA e outras democracias da América, sobretudo por suspeitas de suporte por parte do Irã a países e grupos envolvidos com terrorismo.
Mas é inquestionável que a produção de barris de petróleo venezuelano aumentou muito com a parceria entre os dois países, sustentada até hoje.
Essequibo.
A região em disputa (sic) é uma área que há décadas gera desconforto entre os dois países. Isso, entretanto, não justifica a invasão e adesão da região à Venezuela, país que não tem capacidade de gerir os próprios cidadãos e responsável pelo maior êxodo de pessoas da América Latina.
Então, diante de uma realidade cruel para o próprio cidadão venezuelano e ciente de que esse petróleo existente em Essequibo não será de grande valia para a Venezuela e Nicolás Maduro, por que insistir em destruir o status quo de uma população que não se identifica como venezuelana e não pediu por ter sua realidade completamente destruída?
Politicamente combalido e considerado como um péssimo líder (exceto por seus apoiadores internos), Nicolás Maduro está perto de mais uma eleição presidencial em seu país (ocorrerá em 2024, porém sem data especificada). Não é novidade que o país é o pior da América Latina em qualidade de vida e, novamente, o país que mais perde cidadãos por conta da “fuga em massa” provocada pela fome, a miséria e a inflação galopante.
Entretanto, ao ter seu nome à frente de um referendo popular que “exigiu” a anexação de parte da Guiana por conta de uma rixa histórica, novamente Maduro se mostra o “líder” que a Venezuela precisa. Essa comoção venezuelana – que sequer sabemos se é verdade, pois o referendo pode ter sido manipulado – serviu para colocar o ditador em destaque, algo que servirá politicamente para colocá-lo novamente em evidência, porém desta vez como uma liderança e um reparador de uma “injustiça histórica”.
Agora é imprescindível fazer uma reflexão sobre o incerto futuro de Essequibo se vier a se tornar um território venezuelano, pois já vimos os resultados desastrosos de conflitos entre países ao longo da História, inclusive recentemente quando a Rússia tentou anexar mais partes do território ucraniano.
War for territory… or money?
Os indícios não apontam para uma invasão voltada à tomada de território. Como já explicitado aqui, a Venezuela não consegue gerenciar sequer suas próprias terras e economia, fato que dificulta o sucesso em uma tomada de Essequibo que, segundo Maduro, se tornará a Guayana Esequiba. Entre outras coisas, o ditador venezuelano promete a cidadania venezuelana aos cidadãos da região, hoje apontados como sendo mais de 125 mil.
Mas tal mudança não tende a ser positiva. A criação de uma nova fronteira gerará dificuldades para que famílias se vejam. A fiscalização fronteiriça será intensa, uma vez que a região pertencerá à Venezuela e precisará de proteção pois, além do petróleo, vastas reservas de ouro e outros minerais fazem parte dessa área.
Culturalmente, o povo da Guiana não é igual ao venezuelano, assim como nós brasileiros não temos muitas similaridades culturais com os argentinos. Logo, esta radical mudança (que nunca foi pedida pelos cidadãos da Guaiana) poderá ser extremamente ruim.
A Guiana tem outro entrave: o idioma. A maior parte da população usa o idioma inglês para se comunicar, enquanto os venezuelanos têm no idioma espanhol a língua mãe. Ademais, há vários povos indígenas (Akawaio, Arekuna, Sarao, Arawako, Kariña, Patamuná, Wapishana, Wai Wai e Makushi) com costumes e dialetos diferentes entre si.
Quanto aos indígenas, estes serão os que mais sofrerão, sobretudo se houver realmente interesse por parte de Maduro nas riquezas minerais da região. Entretanto, até o momento, nenhum grupo ambientalista ou protetor dos direito indígenas se manifestou acerca dessa invasão e possível destruição de culturas seculares.
Ganhar esse território (é disso que se trata) será um presente para os cofres de Nicolás Maduro. Além do petróleo e do ouro, Essequibo ainda tem boas reservas de bauxita, diamantes e manganês, um verdadeiro presente que garantirá a continuidade do ditador venezuelano por muito mais tempo no poder.