O Conceito Operacional do Exército Brasileiro (COEB) até 2040 proporciona uma visão detalhada da dinâmica pretendida entre o Exército e a sociedade brasileira, é o resultado de uma análise prospectiva e deixa evidente que a cúpula armada tem refletido sobre aquilo que é necessário executar, aquilo a sociedade espera do Exército e o que este realmente pode entregar. O documento estratégico, publicado depois do início da crise de imagem vivida pelas Forças Armadas após o período eleitoral de 2022, deixa claro o prisma com que os militares enxergam a sociedade no que diz respeito maturidade desta sobre daquilo que realmente se configura como ameaça e sobre as reais atribuições dos militares.
Embora não tenha sido destinado para o público externo, O Manual de Fundamentos e Conceito Operacional do Exército Brasileiro serve como um ótimo guia para compreender os planos e pretensões da Força Terrestre para as próximas décadas
O que o Exército Pensa da Sociedade Brasileira
Pouca Percepção sobre Ameaças reais e Imaturidade: O Exército reconhece uma lacuna na percepção pública sobre segurança nacional e ameaças em geral, o texto menciona que há uma “carência de percepção da população brasileira acerca de atores, circunstâncias e cenários que possam se configurar em ameaças ao Estado”. Embora não tenha sido mencionados detalhes, a força, que tem ótimas ferramentas para aferir a opinião pública, entre elas as suas próprias mídias sociais, com milhões de seguidores, além de softwares contratadas especialmente para isso, como o VTracker e o MLabs, que permitem analisar os perfis de usuários, obviamente levou em consideração a atual baixa de status dos militares, frequentes citações negativas na mídia e todo o contexto dos últimos 24 meses, quando têm sido cobrada diuturnamente pela sociedade por meio das mídias sociais e canais de comunicação disponíveis.
Em texto revelado pela Revista Sociedade Militar após publicação no Blog oficial do Exército o General de Exército Richard Nunes, que comandou a comunicação social do Exército, em fevereiro de 2023 menciona a imaturidade da sociedade, citando termos como precipitação, meias verdades e de fake news.
“… A precipitação é marca típica desse ambiente repleto de meias-verdades e fake news, onde se disparam e replicam mensagens sem a menor preocupação com a veracidade dos fatos e a idoneidade das fontes. Toma-se como verdade, de modo absolutamente irresponsável, conteúdos com juízos de valor destinados ao ataque a reputações e à crítica a decisões dos escalões superiores…”
Aliado a visão do referido general de Exército, que faz parte do Alto Comando, a cúpula decisória da força, acredita-se que a força nos próximos anos deve se esforçar para aumentar a conscientização da sociedade sobre as questões de defesa nacional, riscos associados aos cenários geopolíticos contemporâneos e o real papel do Exército dentro desse contexto.
Pouca Coesão: Há uma preocupação com as disparidades regionais e seus impactos na coesão nacional. O documento aponta para os “vazios demográficos e a defasagem de atividades econômicas em algumas regiões do país”, enfatizando a necessidade de um esforço mais robusto para a integração nacional e o desenvolvimento equitativo. Oficiais generais, como os generais de Exército Heleno e Villas Bôas, nos últimos anos manifestaram preocupação com vazios demográficos que favorecem inclusive a atuação de ONGs estrangeiras com interesses que nem sempre são positivos para o país.
O que o Exército Quer da Sociedade
Conscientização e Apoio: Pelo documento fica claro que a força terrestre quer aumentar a consciência sobre defesa e segurança. O Exército busca um envolvimento mais profundo da sociedade nas questões de defesa, esperando um apoio mais amplo e uma compreensão mais profunda das necessidades estratégicas e operacionais. Uma conscientização tão profunda obviamente não se alcança de um dia para o outro. Entretanto, a força terrestre não se manifesta sobre como satisfazer esse anseio, se vai sugerir alterações nos currículos do ensino fundamental ou médio com vistas a enfatizar temas relacionados à defesa nacional, se isso será feito via classe política ou se as próprias mídias sociais da força será utilizadas com esse objetivo.
Colaboração em CT&I: A força terrestre admite que a defasagem tecnológica e carência de recursos militares deixem o país em situação de vulnerabilidade e com pouca autonomia.
“… é muito provável que, em razão do aumento do gap tecnológico entre os países, as nações providas de limitados recursos de poder militar sejam instadas, de forma mais incisiva, a se posicionarem quanto a eventuais alinhamentos políticos, econômicos e militares, o que limitará as suas autonomias no âmbito internacional”
No texto a força terrestre diz que valoriza a “priorização e integração dos setores governamental, industrial e acadêmico”, reconhecendo que essa colaboração é essencial para desenvolver e manter uma base tecnológica autônoma, crucial para a segurança nacional e a soberania tecnológica.
Suporte à Modernização e Preparo Militar: O Exército almeja apoio público e político para suas iniciativas de modernização. O documento ressalta a importância da modernização contínua para manter a prontidão operacional e a capacidade de resposta às ameaças emergentes.
Apesar de ressaltar a postura defensiva, dissuasória, das Forças Armadas Brasileiras, o texto do Estado Maior do Exército é enfático ao dizer que é necessário desenvolver capacidades de realizar “penetrações profundas” de forma ágil.
“Como consequência, é provável que no contexto de operações ofensivas, as penetrações profundas executadas com a máxima rapidez e com amplo emprego de tecnologia embarcada, a fim de atingir objetivos operacionais decisivos, passem a orientar cada vez mais o emprego da aviação do exército e das forças blindadas.’
O que o Exército pretende entregar para a Sociedade
Garantia de Segurança e Soberania: O compromisso central do Exército, segundo o texto do Estado maior da força, é a proteção da soberania nacional. A força terrestre buscará garantir segurança contra ameaças e agressões, atuando de forma decisiva na defesa territorial e marítima do país e – mencionando que há possibilidade do Brasil ser agredido no futuro – o texto deixa claro que o Exército pode ser demandado a auxiliar a Marinha, que na sua visão não tem condições de defender a plataforma continental.
“È possível que os espaços marítimos venham a se tornar alvos de contestações que poderão ameaçar os interesses do Estado brasileiro no Atlântico Sul. Nesse sentido, considerando que o poder naval brasileiro, em suas condições atuais, tem capacidade restrita de se contrapor a ações advindas de crises e conflitos pelo uso dos mares ou de garantir a soberania nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB)¹, torna-se uma necessidade crítica agregar capacidades da Força Aérea Brasileira (FAB) e da F Ter na defesa destes espaços.”
Contribuição ao Desenvolvimento Sustentável: O Exército enfatiza seu papel no desenvolvimento sustentável, especialmente em regiões estratégicas como a Amazônia. Esta abordagem aparentemente visa não apenas a proteção pelo prisma de defesa nacional, mas também o desenvolvimento socioeconômico dessas áreas.
Fortalecimento da Defesa Cibernética: Com o avanço da tecnologia, o Exército pretende reforçar suas capacidades cibernéticas. A força busca proteger o país contra ameaças digitais e garantir a segurança das infraestruturas críticas de informação.
Concluindo
O Manual de Fundamentos, Conceito Operacional do Exército Brasileiro Operações de Convergência 2040, assinado pelo General de Exército Valério Stumpf Trindade em 11 de março de 2023, pouco mais de dois meses após a posse do atual presidente da república, portanto – construído em um contexto de desafios políticos e de defesa nacional e a subsequente crise de popularidade afetando as forças armadas, estabelece um paradigma estratégico crucial e expressa a necessidade e preocupação dos generais em manter uma relação complexa e interdependente entre o Exército e a sociedade brasileira, lastrada na ciência das reais atribuições e capacidades dos militares.
O texto, bastante extenso, também deixa claro que para o êxito desse processo, que é uma via de mão dupla, a sociedade brasileira deve estar apta a identificar e compreender as principais possíveis ameaças á soberania nacional.
Robson Augusto – Militar R1, Jornalista, cientista social – Revista Sociedade Militar