A destruição de um indivíduo, hoje em dia, pode ocorrer de forma rápida. Redes sociais são ferramentas nas mãos de pessoas cuja única intenção é a de destruir a reputação ou de implementar um pensamento voltado a descredibilizar. De modo sumário, pessoas e instituições são cotidianamente atacadas pelos motivos mais fúteis. Mas, reflitamos, isso ocorre à toa?
É claro que ações como as acima citadas não ocorrem ao acaso. Há orquestramento, metodologia e a combinação de vários elementos da esfera social para que essa manobra de degradação moral de uma instituição secular seja levada a sério pela própria sociedade. O tempo e a paciência são os aliados dos que vociferam que as polícias são um câncer na sociedade, sendo que estes indivíduos e instituições já pregaram até mesmo a extinção do policiamento nas cidades.
Novamente, desta vez sob a tutela do Carnaval, as Polícias do país foram atacadas. E novamente o responsável pelo ataque afirma que se trata apenas de “liberdade e ludicidade” típicas da festa popular. Mas o que a escola Vai-Vai, de São Paulo, esqueceu de citar é que os bandidos foram destaque da escola como Mestre-Sala e Porta-Bandeira, um dos quesitos mais importantes e amados de uma escola de samba. Em contrapartida, o Batalhão de Choque da Polícia Militar foi retratado como uma horda de demônios.
Como algo assim pode ser interpretado como “simples arte” e sem qualquer mensagem denegridora? A resposta é simples: não há arte quando uma instituição – composta por homens e mulheres que se sacrificam diariamente em prol de nossa segurança e liberdade – é mostrada para o mundo como uma ferramenta a serviço do mal.
Sem credibilidade.
Atingir indivíduos é uma prática (infelizmente) comum. Geralmente essa atitude demanda uma rixa particular, estratégia para tirar “concorrente” ou alguém que denote oposição, mas isso ocorre também por simples maldade. Seres humanos são complexos e é difícil compreender suas motivações, o que não impede que perpetuem suas ações ruins.
Mas atingir entidades ou instituições é algo muito mais complexo, sobretudo se o alvo tiver a confiança do grande público. Como exemplo, as Forças Armadas e a Polícia Federal eram, até pouco tempo, instituições de extrema confiança que, por motivos políticos e ideológicos, perderam boa parte de sua credibilidade junto a uma grande parcela da população.
Agora, o que acontece quando esses ataques se prolongam ao longo dos anos? O que ocorre quando os adversários minam a credibilidade de uma instituição de modo lento e metódico? Esse é o cenário que atinge as Polícias Militares dos estados, cada vez mais enfraquecidas diante da opinião pública e das notícias tendenciosas da grande imprensa.
Destruir reputações e transformar o aliado em inimigo.
Não tenham a menor dúvida: as PM do Brasil foram sistematicamente atacadas ao longo de décadas. Para minar a credibilidade e transformar essas instituições em “persona non grata”, houve um longo processo que envolveu desde políticos até organizações estudantis. Como resultado, policiais militares passaram a ser vistos e tratados como “suspeitos”, inimigos dos desfavorecidos, opressores dos pobres, entre outras alcunhas e títulos que não condizem com a corporação.
Claro que há – assim como em qualquer instituição – indivíduos que destoam. Estamos falando de uma corporação constituída por seres humanos, pessoas sujeitas aos problemas do cotidiano, influenciáveis, corruptíveis. O mesmo ocorre dentro das Forças Armadas, do Senado Federal, das Assembleias Legislativas, do Supremo Tribunal Federal, de empresas do porte das Lojas Americanas ou quaisquer outros exemplos possíveis.
Em resumo: falhar é inerente do ser humano e, para coibir os estragos provenientes dessas falhas, temos as leis. Ao punirmos exemplarmente o mau policial, o mau político, o mau juiz, o mau gerente, etc., mostramos à sociedade que temos conhecimento dessas ações e que elas não ficarão impunes. É a impunidade que provoca o “efeito manada”, aquele onde pessoas seguem os exemplos e atos de outras, sobretudo quando se trata de indivíduos com determinada posição social.
Somos suscetíveis às sugestões. Quando as sugestões são ruins e há uma mínima parcela de desvio de conduta no sugestionado, a probabilidade de termos um comportamento reprovável (perante as leis e a moral) é muito grande.
O exemplo tem que vir de cima.
Um filho segue não apenas as ordens dos pais; ele segue – indubitavelmente – os exemplos passados por estes. Quando uma criança assume uma postura de escárnio diante de outra criança, motivada pela cor, a aparente posição social ou seu gênero, isso é reflexo direto das ações dos pais e das pessoas próximas.
E é aqui que entra o papel decisivo da imprensa e do Estado. Não é de hoje que a polícia é “pintada” como vilã da história. Há décadas o discurso de que a Polícia é a fonte de opressão e violência contra a população mais humilde, enquanto “fecha os olhos” para as contravenções e crimes dos mais ricos. Isso, contado incontáveis vezes e publicado nos mais variados meios, virou uma verdade passada de pai para filho.
Com método e sempre privilegiando os criminosos, a imprensa e os governos moldaram a narrativa de que a Polícia é o câncer da sociedade. Obviamente, isso passou a ser uma verdade incontestável em regiões onde a pobreza é a regra. Afinal, os mais velhos têm conduzido essa narrativa por anos, o que faz com que os pequeninos acreditem ser essa a verdade irrefutável.
Mas, ressalto, não é assim que a “banda toca”.
Poder repressor?
Gostemos ou não, vivemos em uma sociedade. Nesta sociedade, a simples menção de justiça feita com as próprias mãos (salvo os casos especificados em Lei) é algo questionável. Ao estar sob a tutela do Estado, delegamos a este o poder de punir e reprimir. Obviamente que essa repressão nunca será exercida pelos magistrados ou legisladores. Reprimir o crime e combatê-lo é função das Polícias (Civil, Militar e Federal).
Claro que existem casos onde o excesso de força ou até mesmo a abuso do poder está presente em ações policiais. Não há como ter uma polícia 100% perfeita, isenta de erros, já que estamos falando de ações praticadas por pessoas. O ser humano pode falhar ou exceder-se em suas ações pelos mais variados motivos.
Contudo, quanto às Polícias, é sempre bom relembrar que existe um sistema (interno e externo) de apuração, julgamento e, caso necessário, punição pelos erros e abusos. Acreditem: são raras as instituições que adotam tão rigoroso processo de “correção” aos seus integrantes. Esse rigor também é visto nas Forças Armadas. Não vou me ater às demais instituições que também sofrem com excessos, corrupção e outros problemas e, caso adotassem o mesmo rigor nas apurações e punições, certamente teriam uma sensível redução nos casos citados.
Mas é sobre as polícias que versamos. Ser policial é algo – no mínimo – ingrato. Homens e mulheres passam por árduos meses de estudo, são aprovados em concurso e ingressam para, novamente, passar por mais árduos meses de treino e adaptação ao novo “estilo” de vida. Ninguém volta a ser a mesma pessoa após ser policial ou militar.
Após todas essas fases, eles começam a viver com as responsabilidades e pressões a que somente os agentes de segurança do país sabem do que se trata. Medo, angústia, remunerações nem sempre justas (como é o caso da maioria das polícias dos estados) e a tensão de estar permanentemente preparado para o pior. Após se tornar um policial, nunca mais o indivíduo terá a “tranquilidade e inocência” que encontramos nos civis.
Em suma, o policial é policial em tempo integral.
E, mesmo assim, boa parte da população ainda os vê como os responsáveis pela violência.
Desprezo.
Ao longo das décadas, a imagem do policial violento e opressor da sociedade foi sendo cada vez mais divulgada pela imprensa. Claro que isso não é uma regra, mas o fato é que a maior parte da imprensa do passado e de hoje tem uma visão equivocada das polícias. Essa visão – em função da influência dos meios de comunicação – acabou por se tornar majoritária. Logo, infelizmente, o policial passou a ser visto como uma ameaça à mesma sociedade que defende, enquanto vários grupos tentam acabar com a Polícia.
Isso, contudo, é apenas parte da tentativa organizada de destruir as polícias. Com o decorrer dos anos e com as mudanças comportamentais da população, algumas narrativas passaram de apenas desinformação e mentiras para, pasmem, verdade (segundo os detratores das polícias).
Por tal, estabelecidos os estereótipos e convencionadas as mentiras, as polícias passaram a ser vistas não apenas com desconfiança, mas também com extremo desprezo. Quer uma prova inquestionável?
Não foi há muito tempo que, durante a exibição do programa Encontro, da Rede Globo, criou-se uma enquete sobre qual paciente mereceria ter prioridade no atendimento: um policial com um tiro na cabeça, porém estável, ou um traficante gravemente ferido. Além da óbvia escolha pelo traficante, os participantes da enquete fizeram vários discursos voltados a justificar a escolha e a massificar a tese de que os traficantes são os oprimidos, vítimas da sociedade. Fátima Bernardes, a apresentadora, foi a mais enfática na defesa dos criminosos, valendo-se dos mais costumeiros argumentos da mídia.
A passagem acima serve para alicerçar o que digo ao longo de todo o texto: a sociedade foi doutrinada a acreditar que o policial é o inimigo, enquanto o meliante é a vítima.
É só arte.
Sem dúvida que a escola de samba paulista iria tecer um argumento para amenizar os estragos provocados pela absurda representação da polícia militar. Segundo a própria Vai-Vai, por meio de nota oficial, a representação é uma alusão ao disco Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais MC´s. A escola de samba afirmou que o disco atinge o “Racismo, miséria e desigualdade social — temas cutucados nos discos anteriores — são aqui expostos como uma grande ferida aberta, vide ‘Diário de um Detento’, inspirada na grande chacina do Carandiru”.
Argumentos que envolvem a “homenagem” ao hip-hop e a alusão aos “índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica” são também validados na nota oficial para corroborar a tese de que não houve ataque à instituição Polícia Militar, apenas uma justa homenagem feita ao grupo de rap e, como já citado, seu álbum mais importante.
Por fim e de modo pesaroso, deparamo-nos com mais um lamentável episódio de ataque às polícias e incitação ao ódio contra esses agentes de segurança.
Através de uma narrativa que envolve a maior festa popular do país, pessoas prosseguem com o discurso de que os pobres, negros e os que estão à margem da sociedade são vítimas dos policiais, porém é indispensável citar que a pobreza, a segregação e as populações carentes não são vítimas dos agentes da lei. Na verdade, essas parcelas da população, pessoas sofridas, são reféns de um Estado cuja única preocupação é a de mostrar seus “feitos” para o exterior, enquanto até a menor das ajudas ofertadas para os necessitados são meras engrenagens de um sistema acostumado com a política do “voto de cabresto”.
Notem que governantes, líderes comunitários, políticos e outros detentores de poder passam a agir com mais constância quando próximos das famigeradas eleições. Após estas, novamente retornamos à rotina de desprezo e escárnio por parte desses mesmos líderes.
Enquanto o folião cantou e sambou ao ritmo do samba enredo da Vai-Vai, certamente algum policial correu risco de morte para garantir a segurança de quem brincou o Carnaval. Não se surpreenda se, no mesmo dia do desfile, houve óbito de algum policial. Contudo, isso não é mais algo que chame a atenção da população. A morte de um policial, de um militar ou de um bombeiro não mais impacta. Não há comoção diante da luta diária para manter a ordem e a segurança do povo, mas certamente os mesmos que defenderam a Vai-Vai ou acreditaram em suas desculpas estarão, agora que acabou o Carnaval, de volta à rotina de aguardar o dia do futebol, a cerveja do final de semana, a “disputa” no paredão do BBB ou aguardarão qual será a nova notícia bombástica.
Afinal, quando a morte de policiais não mais causa incômodo e comoção, outras formas de chamar a atenção e “anestesiar” a população surgirão. Já que a guerra entre Israel e Hamas não é mais a notícia do momento, em breve a imprensa trará algo para alavancar as vendas. Lembre-se: um policial morto não rende uma matéria capaz de escandalizar e vender jornais ou garantir “likes”.
Franz Lima — Revista Sociedade Militar