Publicada há uma semana, a Portaria nº 131, de 11 de janeiro de 2024, do Ministério da Defesa, criou o Programa de Prevenção e Vigilância em Saúde Mental das Forças Armadas – PPVSMFA. A medida é mais uma ação voltada a prevenir e buscar recursos para combater as doenças mentais que atingem parte do efetivo militar, seus dependentes e pensionistas.
Entretanto, esta Portaria é específica no que diz respeito aos cuidados com os militares das Forças Armadas (FA). Não é incomum que militares sejam “encostados” por conta de traumas e problemas mentais, alguns sendo inclusive reformados. Os problemas mentais ganham ainda mais vulto quando nos referimos aos Policiais Militares, sobretudo os dos estados mais violentos do país.
A realidade nos quartéis.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra-se preocupada com o notável aumento das doenças mentais pelo mundo, desde as mais brandas até aquelas que incapacitam seu portador. No caso dos militares, estudos feitos por especialistas, com base em observações de grupos ao longo de determinado período, destacam que o problema é maior.
Não é incomum o afastamento de militares por “surto”. A condição é gerada após dias, meses ou anos de convívio silencioso com o problema mental e, repentinamente, a capacidade de sustentar a situação é quebrada, fato que gera o surto. Em alguns casos, essa “explosão” é seguida de violência (contra outros ou contra si mesmo), ações descontroladas e, em casos extremos, o suicídio ou a tentativa de assassinato contra outros militares.
Vale destacar que em um quartel, seja das Forças Armadas ou da Polícia Militar, muitos militares estão armados. Quando não há o conhecimento do problema de saúde mental, um dos indivíduos armados pode repentinamente se valer da arma (ou outro objeto que possa ferir) para obedecer aos impulsos e outras sequelas oriundas da defasagem de sua cognição.
Estudos.
Nas FA há hospitais e clínicas exclusivamente voltadas ao trato e estudo das doenças mentais. Apesar de não termos acesso direto, estudos são feitos com base na observação e cuidados desses doentes. Na Marinha, mais especificamente no Rio de Janeiro, a Unidade Integrada de Saúde Mental atua há décadas na prevenção e cuidado dos problemas mentais.
Contudo, por se tratar de doença “invisível”, cujo diagnóstico depende (muito) da iniciativa de quem passa pelo problema, certamente temos centenas de militares que estão doentes, porém evitar o diagnóstico, muitas vezes por medo de ter a carreira travada, perder oportunidades ou ficar “encostado” em tratamento. Também há o receio de ser rotulado como louco ou perigoso, algo que – acreditem – fica marcado na carreira do indivíduo*.
Apesar de haver estudos, simpósios e palestras sobre a temática, é impossível negar que o tema ainda é controverso e não tem recebido a devida amplitude por parte dos generais que comandam as Forças Armadas.
“As pesquisas que se debruçam sobre a relação saúde mental e trabalho entre diversas
profissões ainda são muito recentes no cenário científico. Em consequência disso, os
programas preventivos e promotores de saúde mental com trabalhadores ainda são poucos.
Assim, em se tratando especificamente da população Militar, foram verificadas por Amador et
al (2002) e Martins e Kuhn (2013) um número de pesquisas ainda incipiente…” (D. F. Santos Gomes,
A. O. Belém, S. S. Teles )
O cinema retratou parte dessa situação no filme Tropa de Elite (2007), quando o Capitão Nascimento (Wagner Moura) tem uma crise de ansiedade e é encaminhado à psiquiatria. Ele se nega a falar de seu problema com a psiquiatra (Suzana Pires). Essa negativa se dá por causa da enorme probabilidade de ele ser encostado (Licença para tratamento de saúde) caso seja apontada alguma anormalidade em sua saúde mental.
Carreiras
A Portaria que estabelece novos parâmetros para monitorar, controlar, prevenir e tratar as doenças mentais entre os militares é, essencialmente, uma regulamentação daquilo que já está em prática há décadas nas FA e PM dos estados.
Segundo se sabe, a maioria dos que têm problemas mentais (leves, medianos ou graves) esconde tal condição com medo da perda de oportunidades, concursos, comissões, promoções e outras benesses garantidas ao longo da carreira. Essa situação não foi sequer abordada na Portaria do ministério da Defesa, fato que mostra o quanto ainda é necessário evoluir no debate sobre o assunto.
Muito já se evoluiu no que diz respeito aos cuidados com a saúde mental. Isso, porém, não isenta de um estudo ainda mais profundo sobre a vinculação entre esse problema e as carreiras militares. Quando algo com tal teor for proposto, haverá um verdadeiro progresso, pois as doenças mentais continuam sendo um dos mais graves problemas na Corporação e, com a devida observação e tato, ao associar os cuidados com as perdas e ganhos, provavelmente um número maior de doentes procurará por tratamento.