São necessárias cinco sessões de debate para que uma Proposta de Emenda à Constituição possa ser colocada em votação, em primeiro turno. Segundo matéria da Rádio Senado, já foram realizadas duas discussões em plenário sobre a PEC que restringe a candidatura de militares.
O texto, de autoria do líder do Governo Jaques Wagner, do PT da Bahia, determina que apenas militares com mais de 35 anos de serviço passem para a reserva remunerada ao se candidatarem a um cargo político.
Também conhecida como inatividade, a reserva remunerada é uma espécie de aposentadoria para militares. Em situações extremas como estado de emergência ou guerra, eles ainda podem ser convocados para a ativa novamente.
Pela proposta, se tiver menos de 35 anos de serviço, perderia o direito à remuneração ao registrar a candidatura. Segundo o senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, a discussão deverá ser retomada após o Carnaval.
O senador Eduardo Girão, do Novo do Ceará, acredita que a medida busca excluir da política os militares, que vem sofrendo o que chamou de segregação. Para ele, sua opinião é reforçada pela última operação da Polícia Federal contra membros do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Segundo Girão, “a própria pauta de hoje é uma coincidência que não é coincidência, porque mostra o sinal de um alinhamento, de um jogo combinado do que está acontecendo em operações da Polícia Federal com o que o Parlamento está debatendo hoje.“
“Qual é a pauta de hoje? A PEC 42, que vai limitar, que vai dificultar a candidatura de militares. Quem é que foi atingido hoje pela operação? Militares. O objetivo é segregar, e nós não temos o direito de fazer isso com nenhum brasileiro para que possa disputar, para ser votado e votar.“
TIRO NOS PÉS, JAMAIS NA CABEÇA
Uma ligeira correção – que faz toda diferença – precisa ser feita na fala do senador Girão. Em sentido mais amplo, ele está correto. Mas, ao aproximarmos um pouco a lente do objeto de estudo, ele está errado ou, na melhor das hipóteses, foi induzido ao erro.
Quando se diz que “os militares” serão atingidos e segregados pela Proposta de Emenda à Constituição n° 42, de 2023, isso está apenas parcialmente certo.
Quem observou os últimos dez anos da aventura política dos militares entendeu que os oficiais, principalmente os oficiais generais, que fazem a interface entre o mundo civil e o mundo militar e que enfeixam em suas mãos a aura de poder das Forças Armadas, têm muito mais “capital político” para se elegerem do que qualquer outro militar, principalmente os de patentes inferiores.
Quem conhece minimamente a estrutura hierárquica da caserna sabe muito bem que é mais “atraente” para o eleitor depositar confiança num general do que num sargento ou num subtenente.
Quem tem muito mais chances de se enveredar com sucesso pelos caminhos da política são os oficiais generais. Desde que assumem comandos de unidades militares, passam a ser presenças frequentes entre os expoentes sociopolíticos de suas áreas geográficas de comando.
Ao fim dos 35 anos de atividade militar, se assim quiser, um general, almirante ou brigadeiro já terá pavimentado um caminho razoavelmente confortável na selva política, justamente devido ao estreitamento de laços feito ao longo dos anos.
Medalhas, diplomas, cerimônias oficiais e outras adulações em nome das Forças Armadas serão para ele degraus de ascensão na seara política, terreno sabidamente regado a salamaleques institucionais. E isso não é simplesmente fruto de ilações.
Matéria antiga publicada pela Revista Sociedade Militar intitulada “Como fazer um relator”, mostra que
“Ao longo dos últimos anos, os militares desenvolveram um intrincado esquema para aliciamento político, compra de apoio e favorecimento nos processos legislativos que envolvem interesses das cúpulas fardadas. O esquema se inicia nos estados da federação e termina em Brasília, nas Assessorias instaladas pelas Forças Armadas dentro do Congresso Nacional.”
Sobre essa relação de bastidores entre militares e políticos (leia-se generais, almirantes e brigadeiros) o próprio general Villas Bôas, ex-comandante do Exército (em entrevista ao antropólogo Celso Castro) diz que:
“até chegarmos a esse grau de amizade e confiança, um longo caminho de aproximação precisa ser percorrido, independentemente do partido de filiação. Esse processo inicia-se nas bases, envolvendo os comandos com sede em cada capital, onde também atuam assessores parlamentares locais.”
Os outros militares, principalmente os sargentos, proibidos de se filiarem a partidos políticos e temerosos de perderem o salário, deverão esperar 35 anos para se iniciarem na política.
Ainda assim, caso exista algum aventureiro corajoso e disposto a disputar votos com um oficial general, deverá começar do zero o que aquele já tem muito bem construído às custas do cargo que ocupou na ativa.
Mudam governos, mas nada muda. Como sempre, mais do mesmo: nenhum tiro na cabeça, só nos pés…