Helena Carreiras se tornou a primeira mulher da história de Portugal a assumir o comando do Ministério da Defesa do país, entre 2022 e 2024.
Em entrevista à Folha de São Paulo, a estudiosa sobre gênero nas Forças Armadas disse que teve sua competência questionada ao assumir a pasta em pleno auge do conflito na Ucrânia. Entretanto, segundo ela, a desconfiança foi maior por parte da sociedade civil do que dos militares.
“Há sempre momentos em que sentimos que os preconceitos atuam. Quando eu fui designada ministra da Defesa, lembro-me que houve, não tanto nas Forças Armadas, mas na sociedade civil, comentários de pessoas que diziam: Bem agora, numa altura em que há uma guerra na Europa, será que uma mulher vai ter a noção do que significa esta crise?“.
No Brasil, o Exército argumentou ao STF (Supremo Tribunal Federal) que a fisiologia feminina pode comprometer o desempenho militar e por isso, até então, permanece o veto a mulheres em armas combatentes. A posição da Força Terrestre foi em resposta a 3 ações da Procuradora-Geral da República apresentadas em 2022 que pedem a retirada das últimas barreiras à entrada de mulheres em funções de combate nas Forças Armadas.
Apesar disso, em abril deste ano o Ministério da Defesa iniciou estudos para que mulheres ingressem nas Forças Armadas em funções de combate. A previsão inicial, segundo portaria assinada pelo ministro José Múcio, é de que o primeiro grupo feminino se aliste em 2025 e ingresse em 2026.
Atualmente, existem cerca de 34 mil mulheres nas Forças Armadas Brasileiras, menos de 10% do montante de 360 mil militares.
Segundo Carreiras, o argumento da fisiologia feminina é usado desde os princípios dos tempos, mas ultrapassado pela realidade de integração de mulheres não apenas em especialidades de apoio das Forças Armadas, mas nas próprias armas combatentes.
“No mundo, as mulheres têm desempenhado funções combatentes e o seu papel tem sido reconhecido, vencendo essas questões das diferenças fisiológicas, que evidentemente existem. A inteligência estratégica das organizações permite encontrar todo o tipo de soluções, quer para a transformação dos processos de trabalho, dos equipamentos, o ajuste das características individuais às funções que as pessoas têm de desempenhar“.
A ex-ministra ainda aproveitou para fazer um alerta. “Organizações que não aceitam a diversidade, que são monolíticas, são instituições que vão definhar, que não vão entender e enfrentar os desafios da complexidade de tarefas que têm pela frente. Esses argumentos parecem-me ancorados em receios antigos e tradicionais, que não dão conta de tudo o que já se avançou na maior parte dos países“.