Um documento revelador sobre a política externa brasileira, desclassificado há algum tempo pela CIA e datado de 23/08/1974, originalmente de caráter secreto, mostra que o governo do Brasil, ainda nos anos 70, quando o país era controlado pelas Forças Armadas, colocou como prioridade número um a busca por mercados e recursos na aplicação de sua política externa, o que fez com que – no auge da polarização causada pela Guerra Fria – o país tentasse minimizar as diferenças ideológicas, visando se aproximar de nações comunistas, entre elas a China.
Muitos brasileiros têm questionado a aparente mansidão dos militares de hoje frente a um governo de esquerda recentemente empossado no Brasil. Contudo, quem circula ou já circulou nos corredores dos Altos Comandos do Exército e Força Aérea e Almirantado sabe muito bem que os líderes militares brasileiros, conhecidos como detentores de cargos político-militares, se autodenominam como situacionistas. A palavra é usada com frequência e indica que o “senso comum militar” impõe que sejam pragmáticos ao extremo e que procedam de acordo com a situação, respeitando e submetendo-se a quem quer que esteja no controle do país, visando alcançar um melhor resultado para as próprias Forças Armadas e – pelo seu prisma – para o país.
O documento, ao qual a Revista Sociedade Militar teve acesso na integra, deixa claro que, frente à situação geográfica em que o país se encontra, os brasileiros podem ser considerados como verdadeiros mestres do pragmatismo, negociação e relações internacionais. Sendo o único país na região que não tem como lingua oficial o idioma espanhol e fazendo fronteira com 10 nações, o país coleciona uma lista de poucos conflitos.
Um trecho particularmente revelador do documento obtido pela Revista Sociedade Militar destaca o chamado pragmatismo responsável, adotado pelo general Ernesto Geisel. O então presidente, tranquilizado pelo fato de que os principais movimentos armados de esquerda haviam sido praticamente aniquilados, assim como bloqueada a entrada de recursos externos para esses grupos, sentiu-se seguro a ponto de permitir a intensificação das alianças político-comerciais, independentemente do viés ideológico dos potenciais parceiros. Analistas da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos também interpretaram essas ações como uma demonstração de independência por parte dos generais em relação a Washington.
Trechos importantes do relatório
“O compromisso do governo Geisel com o que chama de ‘pragmatismo responsável’, a busca de vantagem econômica e política onde quer que seja benéfica e independentemente de diferenças ideológicas, torna isso particularmente provável. Outros fatores além das considerações econômicas facilitam e encorajam a aproximação com as nações comunistas. O sucesso na eliminação virtual de movimentos terroristas domésticos – às vezes inspirados e apoiados no exterior – aumentou a confiança do Brasil em sua capacidade de se proteger da influência comunista desfavorável. Além disso, Brasília provavelmente sente que a tendência atual de Leste-Oeste torna essa ameaça menos provável do que antes. Além disso, a nova iniciativa, embora implementada por razões muito práticas, também serve mais uma vez para demonstrar a independência do Brasil em relações exteriores e seu desejo de emergir como uma nação com interesses verdadeiramente globais…”
“Em um esforço para expandir o comércio, o Brasil tem gradualmente reduzido suas barreiras ideológicas e atenuado sua desconfiança em relação às nações comunistas. O resultado tem sido uma onda de atividades diplomáticas e comerciais envolvendo países em todo o mundo comunista. Relações formais foram estabelecidas pela primeira vez com a Alemanha Oriental, enquanto legações na Bulgária, Hungria e Romênia foram elevadas ao status de embaixada. Representantes soviéticos e da Europa Oriental no Brasil supostamente afirmaram que sentem que o Brasil está se tornando muito mais receptivo a eles e às propostas de seus países”
“Depois de anos de rápido crescimento econômico, o Brasil passou a depender cada vez mais do comércio internacional para sustentar seu momento. A busca por mercados e recursos tornou-se um dos principais objetivos da política externa, levando o Brasil a alterar suas atitudes políticas em várias áreas do mundo. A proeminência mundial sustentada é uma meta vaga, mas profundamente sentida. Na América Latina, o Brasil busca minimizar a instabilidade política e reduzir as ameaças à segurança que possam prejudicar seu desenvolvimento e atividades comerciais. No Oriente Médio, a crescente necessidade de petróleo do Brasil trouxe uma significativa mudança pró-árabe em sua posição política. Na África subsaariana, o Brasil concentra-se na natureza e extensão dos mercados potenciais e na disponibilidade de recursos. A busca por mercados também induziu o Brasil a minimizar as diferenças ideológicas e a demonstrar maior disposição para reconhecer e negociar com as nações comunistas, incluindo a China.”
O medo de uma aliança militar contra o Brasil e os EUA como “potencial protetor”
Outro trecho bastante relevante atesta que – pela ótica dos analistas norte-americanos – os militares brasileiros temiam que as nações de língua espanhola se unissem para, de alguma forma, seja ela política, comercial ou militar, atentar contra os interesses da nação. O documento da agência menciona ainda o fato de os Estados Unidos terem sido os primeiros a reconhecer a Independência Brasileira e diz que essa proximidade com os americanos provoca certo incômodo nos vizinhos de língua espanhola.
“… Os líderes brasileiros não desejam ver uma Argentina tão completamente frustrada pela confusão doméstica ou sentindo-se tão cercada por regimes pró-brasileiros a ponto de tramar com outras nações de língua espanhola para perturbar a ordem sul-americana e bloquear a economia brasileira… A posição do Brasil guarda alguma semelhança com a dos Estados Unidos. A única nação de língua portuguesa em um agrupamento numericamente dominado por nações de língua espanhola, o Brasil é invejado e, até certo ponto, temido e desconfiado pela maioria hispânica… O medo do Brasil de uma ação conjunta contra ele por nações de língua espanhola não é novo, remontando ao período colonial. Embora esse medo gradualmente diminuísse à medida que o poder do Brasil crescia, permanecia uma vaga preocupação de que as nações de língua espanhola algum dia se unissem para isolar o Brasil diplomática e economicamente.”
A CIA se orgulha de dizer que é vital para a segurança nacional dos Estados Unidos da América e que os líderes do país tomam decisões com base em seus relatórios detalhados. O texto menciona ainda que os EUA seriam o principal protetor do país em caso de agressão externa.
“Os brasileiros têm orgulho de ser descendentes do outrora vigoroso império português e veem seu país como o centro lógico de alguma futura comunidade luso-africana de nações. Diferentes linguística e culturalmente de seus vizinhos hispano-americanos, os brasileiros se orgulham de seu desenvolvimento político, que tem sido muito mais pacífico do que o da América espanhola. O Brasil também se beneficiou de um relacionamento tradicionalmente próximo com os EUA – a primeira nação a reconhecer a independência brasileira. O Brasil, em geral, cultivou essa relação, reconhecendo os Estados Unidos como seu mais importante parceiro comercial e como potencial protetor em caso de agressão externa.”
“Como a principal agência de inteligência estrangeira do mundo, o trabalho que fazemos na CIA é vital para a segurança nacional dos EUA. Coletamos e analisamos informações estrangeiras e conduzimos ações secretas. Os formuladores de políticas dos EUA, incluindo o presidente dos Estados Unidos, tomam decisões políticas com base nas informações que fornecemos.”, diz a agência.
Robson Augusto. Militar R1, Sociólogo, Jornalista.
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