Poucos eventos causam mais apreensão na comunidade internacional do que aqueles momentos em que líderes de grandes nações rivais detentoras de poderio nuclear se encontram. Foi assim na época da guerra fria e ainda é assim agora, quando vivemos uma guerra fria mesclada com tórridos vendavais econômicos.
Porém, uma coisa ainda mais apreensiva e enigmática são os encontros entre representantes políticos de grandes nações sem que haja paralelamente um interrelacionamento (pelo menos aparente) entre seus militares de alto nível.
Todos sabemos como a política pragmática funciona na superfície. Contudo, desconhecemos a maior parte do iceberg.
Adianta pouco ou quase nada que os políticos se acomodem sorridentes para tirar fotos, enquanto suas respectivas forças militares trocam farpas entre si ou vivem de ensaios pré-conflito.
IMPORTÂNCIA DA DIPLOMACIA MILITAR
Uma notícia publicada pela CNN mostrou que está havendo um esforço conjunto (seja ou não de origem política) para que as discussões diretas entre China e EUA perpassem os altos escalões do governo e sejam os oficiais uniformizados que tomam decisões na região os novos atores.
Isso, inclusive, tem sido aventado e propulsado pela administração Biden já há alguns meses.
Assim, como corolário de um trabalho diplomático discreto, um comandante militar dos EUA fez contato com o seu homólogo chinês nesta terça-feira (10).
Isso ocorre enquanto as duas potências procuram gerir a sua rivalidade cada vez mais intensa numa região controversa da Ásia-Pacífico.
Evidencia-se nessa manobra a importância da diplomacia militar em reparar linhas de comunicação cortadas há mais de dois anos entre dois dos maiores poderios bélicos globais.
COMUNICAÇÃO MILITAR RESTAURADA
O almirante Samuel Paparo do Comando Indo-Pacífico dos EUA e o general Wu Yanan, comandante do Comando do Teatro Sul do Exército de Libertação Popular (PLA), falaram por videoconferência, de acordo com declarações de ambos os lados.
Esse contato tímido, mas relevante, marca um passo em direção a uma restauração gradual das comunicações militares de alto nível entre os EUA e a China nos últimos meses.
Pequim cortou a comunicação entre militares de alto escalão com os EUA em agosto de 2022, após a visita da então presidente da Câmara, Nancy Pelosi, a Taiwan, a ilha democrática autônoma que o Partido Comunista no poder da China reivindica como sua.
REDUZIR ERRO DE CÁLCULO
Na reunião desta terça-feira, Paparo enfatizou que ter linhas de comunicação sustentadas entre líderes militares seniores serve “para esclarecer as intenções e reduzir o risco de percepção equivocada ou erro de cálculo”, de acordo com uma leitura da Casa Branca.
Ele também citou “várias interações inseguras recentes do Exército de Libertação Popular (ELP) com aliados dos EUA” e apelou ao ELP que cumpra “as leis e normas internacionais para garantir a segurança operacional”.
“Paparo também instou o ELP a reconsiderar o uso de táticas perigosas, coercitivas e potencialmente crescentes no Mar do Sul da China e além”, disse a nota, que caracterizou as negociações como uma “troca de pontos de vista construtiva e respeitosa”.
Já um outro relatório publicado pela mídia estatal chinesa na manhã desta terça-feira confirmou as negociações e disse simplesmente que “os dois lados trocaram opiniões aprofundadas sobre questões de interesse comum”.
GUERRA E POLÍTICA
A retomada das negociações no patamar dos comandantes militares surge num contexto de tensões especialmente intensificadas no Mar do Sul da China.
Nesse local, navios chineses e filipinos têm estado envolvidos numa série de confrontos cada vez mais violentos, mas até agora não letais, nos últimos meses.
Os analistas há muito que alertam que um erro de cálculo no Mar do Sul da China poderia rapidamente transformar-se num conflito regional prejudicial entre as duas maiores economias do mundo, e que a falta de comunicação poderia agravar esses riscos.
Essa situação é algo que não deve passar ao largo da diplomacia militar, área de atuação de ponta de linha – quase um híbrido entre guerra e política – e tão afeita a tais imbróglios.