A prisão de um médico em Santa Catarina, por armazenar 13 mil imagens de exploração sexual infantil, ocorreu após um alerta do Google. A plataforma identificou atividades suspeitas e bloqueou sua conta, encaminhando o caso às autoridades competentes. As informações foram repassadas ao CyberGaeco, uma força-tarefa do Ministério Público, que prendeu o clínico em 31 de julho, após uma investigação detalhada. Além disso, descobriu-se que o médico também gravava ilegalmente pacientes durante atendimentos.
O promotor Diego Barbiero, responsável pelo caso e coordenador do CyberGaeco, revelou que a prisão evidenciou a complexidade das investigações relacionadas à internet. Segundo ele, é fundamental o apoio de empresas de tecnologia para conter crimes dessa natureza. “Sem o alerta [do Google] sobre o armazenamento de material de exploração sexual infantil, dificilmente teríamos chegado à gravação clandestina de pacientes”, explicou Barbiero.
Através do uso de inteligência artificial, monitoramento contínuo e colaboração internacional, o Google consegue detectar atividades criminosas e notificar as autoridades sobre os delitos. Em 2021, a empresa identificou 3 milhões de conteúdos relacionados a abuso sexual. Entre julho e dezembro de 2023, seu relatório de transparência indicou que 249 mil contas foram desativadas globalmente por disseminar material de abuso infantil (conhecido pela sigla CSAM em inglês).
A conta do médico catarinense estava entre essas desativadas. Ele agora responde a um processo penal por armazenar conteúdo de exploração sexual infantil e também é suspeito de gravar pacientes sem consentimento durante consultas médicas.
Embora os detalhes da investigação sejam limitados, para não comprometer processos semelhantes em andamento, sabe-se que o caso do médico segue sob sigilo.
Abuso sexual infantil no meio digital se tornou cada vez mais comum e bateu recordes em 2023 no Brasil
O abuso sexual infantil no meio digital se tornou cada vez mais comum e bateu recordes em 2023 no Brasil, com 71.867 denúncias, um aumento de 28% em relação ao recorde anterior de 2008. Em comparação a 2022, houve um crescimento de 77,1%, conforme dados da Safernet Brasil.
Segundo Camila Rosa, advogada do Google no Brasil, não há informações precisas sobre quantas denúncias envolveram usuários de Santa Catarina ou de outras regiões do país, devido à natureza global dos crimes na internet. Ela destacou que o Brasil está entre os dez países com o maior número de casos reportados.
Rastreando imagens criminosas: o papel do Google
Todos os conteúdos online de abuso sexual infantil detectados pelo Google são denunciados ao Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC), uma entidade dos EUA que centraliza as denúncias e as repassa para as autoridades competentes ao redor do mundo.
Camila Rosa esclareceu que a empresa conta com ferramentas de combate, como a colaboração global, a detecção de conteúdos, e sistemas de denúncia e prevenção. O Google utiliza inteligência artificial combinada à revisão humana para identificar conteúdos ilícitos, incluindo imagens, vídeos e até memes.
Entre julho e dezembro de 2023, o Google apresentou os seguintes dados:
- Conteúdos denunciados: 3.716.257
- Denúncias realizadas: 721.545
- Contas desativadas: 249.924
Conforme explica o promotor do Ministério Público catarinense, o Google não tem o poder de investigar os crimes, mas reporta os conteúdos que violam suas políticas às autoridades competentes. Além disso, a empresa atende a ordens judiciais, transferindo dados armazenados em sua nuvem para uma versão criptografada, acessível apenas aos investigadores autorizados, de acordo com Barbiero.
O caso do médico catarinense e o rastreamento das imagens
O NCMEC é responsável pelo rastreamento de imagens criminosas, utilizando uma espécie de código (chamado hash) para mapear conteúdos como vídeos, fotos e memes. Caso as imagens de exploração sexual infantil sejam amplamente divulgadas, a Justiça Federal, em conjunto com o Ministério Público Federal, investiga os crimes. Entretanto, quando o acesso é restrito, a apuração é feita pelo Ministério Público Estadual e pela Polícia Civil.
No caso do médico de Santa Catarina, as suspeitas chegaram até o estado e foram investigadas pelo CyberGaeco. Em 24 de novembro de 2023, foram cumpridos mandados de busca e apreensão, resultando na coleta de diversos dispositivos eletrônicos do suspeito. Foi durante essa ação que se descobriu que ele também gravava pacientes durante os atendimentos.
“Nós dificilmente descobriríamos a gravação clandestina de pacientes sem o alerta do Google sobre o armazenamento de material de exploração sexual infantil”, reforçou Barbiero.
CyberGaeco: órgão especializado no combate a crimes complexos
Criado em 2021, o CyberGaeco é uma força-tarefa especializada em investigações virtuais, vinculada ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), sob a supervisão do Ministério Público. A equipe é composta por especialistas em crimes digitais, e utiliza equipamentos de última geração, além de uma infraestrutura tecnológica avançada.
A operação que resultou na prisão do médico envolveu não apenas policiais especializados em crimes de exploração infantil, mas também o uso de computadores com alto poder de processamento, rede segregada e conexão de internet exclusiva para o CyberGaeco. “Trabalhamos com uma VPN dedicada e uma rede própria de altíssima velocidade”, detalhou Barbiero.
Desde sua criação, em agosto de 2021, o CyberGaeco já realizou diversas operações em Santa Catarina, abrangendo crimes como violência sexual infantil, corrupção e fraude bancária. Ao todo, foram mais de R$ 4 milhões bloqueados e 127 mandados de busca e apreensão cumpridos.