A China está prestes a dominar uma nova fronteira: a mineração no fundo do oceano. A busca pelos chamados “minerais críticos”, como níquel, cobre, cobalto e manganês, é uma necessidade crescente para sustentar a transição global para uma economia mais limpa. Esses minerais, essenciais para painéis solares e baterias, são encontrados em abundância nos oceanos.
No entanto, essa prática ainda está cercada de incertezas. A Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), um órgão da ONU, está no centro desse debate, decidindo como regulamentar a mineração nas profundezas oceânicas. De um lado, grupos ambientais pedem uma proibição total, temendo os danos irreversíveis ao ecossistema marinho. De outro, apoiadores veem a mineração como essencial para atender à demanda crescente por esses minerais críticos.
A demanda por minerais estratégicos pode mais do que dobrar até 2040
A demanda por esses minerais pode mais do que dobrar até 2040. E quem está na vanguarda desse movimento? A China. Atualmente, o país é o maior fabricante de painéis solares, carros elétricos e baterias, todos dependentes desses recursos. Além disso, a indústria de energia limpa da China representou 40% do crescimento do PIB do país no último ano. Isso coloca o gigante asiático em uma posição delicada: embora fabrique esses produtos em massa, a China depende fortemente da importação dos minerais necessários.
Para sustentar esse crescimento, Pequim precisa garantir o fornecimento desses minerais. Hoje, o manganês é importado da África do Sul, Gabão e Austrália, enquanto a maior parte do cobalto vem da República Democrática do Congo. O níquel, por sua vez, é proveniente principalmente das Filipinas e Indonésia. A dependência de fornecedores externos preocupa os líderes chineses, que temem interrupções no fornecimento devido a instabilidades políticas ou pressões internacionais.
China é o maior financiador da ISA, que regulamenta a exploração do fundo do mar em águas internacionais.
Em resposta, a China está se movimentando para assegurar seu próprio suprimento. A mineração em águas profundas oferece uma solução atraente. Essa prática poderia garantir o acesso a esses minerais fora da soberania de outros países, em águas internacionais. Em 2016, Xi Jinping, o presidente chinês, deixou claro que o país deve explorar os “tesouros escondidos” do oceano.
Por isso, a China vem construindo influência na ISA, que regulamenta a exploração do fundo do mar em águas internacionais. Não por acaso, a China é o maior financiador da ISA, contribuindo mais do que qualquer outro país. Além disso, em 2020, Pequim doou uma instalação de treinamento ao órgão na cidade portuária de Qingdao, no leste da China.
Essa influência não se restringe ao financiamento. Em reuniões da ISA, países como a China têm pressionado para criar um regime de mineração permissivo, resistindo às tentativas de impor moratórias na mineração em águas profundas. Com isso, a China busca assegurar que suas operações possam ocorrer sem interferências externas, consolidando sua posição de liderança na extração de minerais críticos.
China está determinada a expandir suas operações até que se torne insubstituível nas cadeias globais de suprimento.
Atualmente, a ISA já emitiu 31 licenças para exploração de minerais em preparação para operações comerciais. Dessas, cinco estão nas mãos de mineradoras chinesas, como a China Ocean Mineral R&D Association, a China Minmetals e a Beijing Pioneer Hi-Tech Development. Essas empresas estão ansiosas para iniciar as operações e assegurar o futuro energético da China. Três dessas licenças cobrem áreas do fundo do mar na Zona Clarion-Clipperton, uma vasta região no leste do Oceano Pacífico, rica em minerais críticos.
Empresas como a China Minmetals têm ambições que vão além do lucro. A gigante estatal possui uma licença de exploração que cobre uma área de 7,3 milhões de hectares do fundo do mar – maior que o Sri Lanka. Em março, o presidente da empresa prometeu garantir os suprimentos necessários para “rejuvenescer a nação chinesa”. Essa visão ambiciosa mostra que a China está determinada a expandir suas operações até que se torne insubstituível nas cadeias globais de suprimento.
Robô minerador
A tecnologia para mineração em águas profundas é complexa e exige inovações contínuas. No entanto, a China está avançando rapidamente. Em julho, uma equipe da Universidade Jiao Tong de Xangai realizou um teste bem-sucedido, enviando um robô a profundidades abaixo de 4.000 metros para coletar 200 kg de material. Esse robô foi construído majoritariamente com componentes fabricados na China, um feito que a mídia estatal descreveu como a quebra de monopólios internacionais.
Mineração em águas profundas da China pode servir de fachada para atividades militares, como a navegação de submarinos.
Se a mineração comercial começar, as empresas chinesas podem liderar a indústria. A capacidade do país de construir navios e robôs rapidamente, aliada a subsídios generosos do governo, coloca a China em uma posição de destaque. Além disso, o vasto mercado doméstico garante que essas operações sejam sustentáveis a longo prazo, consolidando a liderança chinesa.
Entretanto, o avanço chinês preocupa grupos ambientais e rivais internacionais. O fundo do mar profundo abriga espécies únicas, e mesmo com regulamentação rigorosa, a mineração poderia causar danos significativos. Os robôs de mineração podem destruir habitats e criar plumas de sedimentos que prejudicam ainda mais o ecossistema. Além disso, a China não tem um histórico exemplar de responsabilidade ambiental, o que aumenta as preocupações.
Para os rivais da China, a mineração em águas profundas levanta suspeitas além do impacto ambiental. Há receios de que a exploração dos oceanos possa servir de fachada para atividades militares, como a navegação de submarinos. Em 2021, um navio de pesquisa da China Minmetals fez um desvio inexplicável, passando cinco dias próximo ao Havaí, onde os Estados Unidos mantêm grandes bases militares.
O futuro da mineração em águas profundas: China está jogando para ganhar!
O controle das cadeias de suprimento de minerais críticos também é uma preocupação central para o Ocidente. A China já possui uma vantagem considerável nesse campo, e a mineração em águas profundas poderia consolidar ainda mais essa liderança. Enquanto isso, os EUA, que não ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Unclos), estão excluídos das discussões da ISA. Em março, ex-funcionários americanos apelaram ao Senado para ratificar o tratado, alertando que a ausência dos EUA abriu espaço para que a China domine a indústria.
Essa situação beneficia empresas ocidentais que defendem a mineração em águas profundas. Uma delas é a The Metals Company, uma empresa canadense que planeja solicitar uma licença de mineração da ISA ainda este ano. Seu fundador, Gerard Barron, observa que a percepção de que a China pode dominar essa indústria é um forte motivador para a aprovação de novas licenças no Ocidente.
A corrida pelos minerais críticos está em pleno andamento, e a China está na linha de frente. O futuro da mineração em águas profundas depende não apenas de regulamentações, mas também de quem dominará as cadeias de suprimento globais. Nesse cenário, a China está jogando para ganhar.