Um texto interessante publicado na Inglaterra, de autoria de Gabriel Huland, um ex-jorrnalista e hoje professor universitário, denominado De Bolsonaro a Lula: Compreendendo a neutralidade passiva do Brasil em relação à Palestina e a Israel, examina a política externa do Brasil em relação ao conflito entre Israel e Palestina e as influências internas que fazem com que a postura dos governantes seja marcada por neutralidade. Para o autor, apesas das posições publicas dos governantes serem marcadas por visões ideológicas e de haver diferenças abruptas nesse quesito entre os últimos governantes, o Brasil mantém uma base estrutural voltada para o pragmatismo econômico e geopolítico.
A influência do agronegócio e a relação comercial com o Oriente Médio
Para Huland, o agronegócio brasileiro inegavelmente desempenha um papel crucial na formulação da política externa do Brasil, muito especialmente nas relações com o Oriente Médio. O país é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do planeta, alguns op apontam como o “celeiro do mundo”, com destaque para carne, açúcar e grãos, produtos essenciais para a segurança alimentar de países como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Israel. Em 2022, o Brasil exportou cerca de 18 bilhões de dólares em alimentos para países árabes, 2 bilhões para Israel e 2 bilhões para o Irã, que são números que revelam a importância estratégica da região para o setor agrícola brasileiro.
Huland está correto quando diz que as questões econômicas falam mais alto no Brasil. De fato, os laços comerciais impõem limitações significativas às ações diplomáticas por aqui. A dependência econômica de exportações agrícolas torna inviável, por exemplo, a imposição de sanções a Israel em razão de suas políticas de ocupação, o que até poderia ser o desejo do atual presidente, que não tem força para impor algo do tipo. Mesmo sob governos que defendem o reconhecimento de um Estado palestino, como evidentemente é o de Lula, no Brasil as pressões do agronegócio e a necessidade de manter relações estáveis com os países do Oriente Médio impedem uma mudança drástica de postura.
Além disso, os países da região, principalmente os membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), também têm interesses em manter o Brasil como um parceiro comercial confiável, o que facilita para os brasileiros a manutenção de uma política externa pautada pela neutralidade.
O incrível papel da igreja evangélica na política externa
Outro fator importante que tem ganhado cada vez mais destaque na formulação da política externa brasileira, que como vimos acima, nem sempre depende da visão de mundo do governante, é a crescente influência da igreja evangélica, especialmente no que tange ao apoio incondicional a Israel. Durante o governo Bolsonaro essa relação ficou ainda mais evidente. O ex-presidente, apesar de se declarar católico, mantinha estreitos laços com lideranças evangélicas que defendem a visão sionista, baseada em interpretações bíblicas que sustentam o direito dos israelenses, herdado de Deus, sobre os territórios palestinos.
Essa influência religiosa moldou várias decisões de política externa, incluindo a tentativa frustrada de Bolsonaro – todos lembram – de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, em alinhamento com a decisão dos Estados Unidos. Embora o ex-presidente não tenha conseguido efetivar essa mudança, devido à resistência de setores econômicos e políticos, a presença de figuras evangélicas no Congresso Nacional e em cargos importantes do governo de fato consolidou a imagem do Brasil como um aliado de Israel durante o mandato so ex-militar do Exército.
Geopolítica e a neutralidade internacional do Brasil
Além dos fatores internos, a política de neutralidade do Brasil em relação a Israel e Palestina também espelha uma dinâmica geopolítica mais ampla. Pois, no contexto internacional, a ocupação israelense dos territórios palestinos é frequentemente tratada com condencendência, com poucos países com grande influência dispostos a tomar medidas punitivas significativas contra Israel. Essa realidade se aplica tanto aos Estados Unidos, um dos principais aliados de Israel, quanto à Rússia e à China, que também mantêm interesses estratégicos na região.
“A diplomacia estratégica também sustentou as políticas de neutralidade passiva dos sucessivos governos brasileiros em relação a Israel e à Palestina. Desde o final da década de 1960, o Brasil tem apoiado consistentemente o direito dos palestinos à autodeterminação e o direito de Israel de viver em paz com seus vizinhos…”, diz o professor.
No caso brasileiro, a neutralidade é vista como uma forma de manter boas relações com potências globais e regionais. Durante a Guerra Civil na Síria, por exemplo, o Brasil absteve-se em votações importantes no Conselho de Segurança das Nações Unidas, evitando tomar um lado claro no conflito. Da mesma forma, na guerra entre Israel e Gaza, iniciada em 2023, o governo Lula procurou manter-se em cima do muro, com uma postura equidistante, em certos momentos o governo condenava o terrorismo do Hamas e em outros criticava as ações de Israel, sem tomar qualquer atitude mais contundente, como romper relações diplomáticas ou comerciais com qualquer uma das partes.
Essa posição, embora internamente seja condenada, é coerente com a tradição diplomática brasileira de sempre buscar um equilíbrio entre as potências internacionais, evitando confrontos que possam prejudicar os interesses econômicos e geopolíticos do país, que precisa exportar.
Há continuidade entre os governos Bolsonaro e Lula
Apesar das diferenças ideológicas entre Bolsonaro e Lula, o texto defende que suas políticas em relação ao conflito entre Israel e Palestina apresentam muito mais elementos de continuidade do que os simples discursos podem revelar. Enquanto Bolsonaro adotou uma postura abertamente pró-Israel, Lula, embora retorne ao discurso de defesa da solução de dois Estados, não parece disposto a implementar medidas concretas para pressionar Israel a encerrar a ocupação dos territórios palestinos. No final das contas as ações dos dois governos não ultrapassaram as falas dos chefes do executivo em cada momento.
Durante o governo Bolsonaro, por exemplo, o comércio entre Brasil e Israel cresceu significativamente, com as exportações brasileiras para Israel aumentando em quase 600% entre 2019 e 2022. Embora Lula tenha uma postura bem mais crítica em relação às políticas de ocupação israelenses, não há mínimo indícios de que seu governo vá adotar sanções ou outras medidas punitivas que possam comprometer os laços comerciais e de segurança entre os dois países.
O equilíbrio pragmático
Apesar dos discursos dos líderes, moldados mais para agradar a militância interna do que de fato com o fito de gerar qualquer modificação na confortavel situação de estar em “cima do muro”, o Brasil continuará a desempenhar um papel de neutralidade estratégica. Apesar de parecer, essa situação não é nova, o interesse da nação sempre prevaleceu nas relações internacionais implementadas por líderes brasileiros. Documentos secretos recentemente desclassificados pela CIA, por exemplo, mostram que ainda nos anos 70 e 80 os generais já tentavam estreitar laços com os chineses, pensando no que era o melhor para as relações comerciais do Brasil.
Embora criticada por parte da sociedade, principalmente por militantes da oposição emn cada um dos momentos, é vista por sociólogos, cientistas políticos e economistas, como uma forma de preservar a autonomia diplomática do país em um cenário internacional cada vez mais polarizado. Nada indica que o país deixará de tomar posições pragmáticas, seja em Lula seja em outro governo que vanha a substituí-lo.