Um processo disciplinar sigiloso, envolvendo um Contra-Almirante Diretor de Inteligência da Marinha e um Capitão de Mar e Guerra, foi recentemente trazido à tona de forma exclusiva pela Revista Sociedade Militar após decisão da Justiça Federal de revogar o segredo de justiça.
O caso, que gira em torno do compartilhamento de uma imagem de um caça F-35 americano após um pouso de emergência no Brasil, coloca em xeque a justificativa de “segurança nacional” usada pela Marinha para encobrir o acontecimento. A defesa do militar alega que a informação já era de conhecimento público, amplamente divulgada pela própria Marinha dos Estados Unidos e por diversas mídias militares.
O incidente envolvendo a aeronave F-35
Em maio de 2024, uma aeronave F-35 dos Estados Unidos realizou um pouso de emergência na Base Naval de São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro. O evento foi amplamente noticiado por veículos de comunicação especializados em temas militares, incluindo fotografias do caça estacionado na pista. No entanto, o que parecia ser apenas mais uma notícia sobre cooperação entre as Forças Armadas dos EUA e do Brasil se transformou em uma polêmica quando a Marinha do Brasil moveu um processo disciplinar contra um Capitão de Mar e Guerra por supostamente divulgar “material sensível”.
Segundo a acusação, o oficial compartilhou uma foto da aeronave em um grupo de WhatsApp, violando normas internas. A penalidade foi aplicada pelo Contra-Almirante Diretor de Inteligência, que justificou a punição com base em “segurança nacional”. A defesa, no entanto, alega que o fato já havia sido amplamente divulgado, incluindo pela Marinha dos EUA, e que o oficial estava em outra cidade, em missão oficial, no momento do ocorrido.
A defesa do militar alegou o seguinte: “Cabe ressaltar que as aeronaves pousaram na cidade de São Pedro D´Aldeia e foram direcionadas para o pátio de estacionamento de aeronaves, onde foram observadas, fotografadas e filmadas por diversas pessoas. Cabe informar que próximo ao pátio de estacionamento há uma vila militar com prédios de apartamentos onde residem dezenas de militares com as suas famílias e todos os moradores puderam ver, fotografar e filmar as aeronaves sem nenhuma restrição.”
Justificativa de segurança nacional e segredo de justiça
O pedido da Marinha para que o processo corresse em segredo de justiça foi embasado em preocupações com a segurança nacional e com as relações internacionais do Brasil. A solicitação foi feita por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), que destacou a “sensibilidade” do material divulgado e seu potencial impacto negativo na segurança do país.
No pedido de sigilo enviado a Juíza, a Advogacia Geral da União solicitou que fosse “atribuído segredo de justiça à tramitação dos presentes autos, nos termos do art. 189, I, do Código de Processo Civil, ante a sensibilidade da matéria objeto da lide, que diz respeito a assunto de inteligência da Força Naval.”
Contudo, a defesa do Capitão de Mar e Guerra contestou a alegação, argumentando que a própria Marinha dos Estados Unidos havia dado publicidade à presença da aeronave militar no Brasil, e que essa notícia já circulava de forma ampla em redes sociais e em veículos de imprensa. Diversos links de matérias e vídeos foram apresentados ao tribunal, mostrando que a aeronave, inclusive, foi exibida durante visitas públicas a um porta-aviões norte-americano ancorado no Brasil na mesma época.
A decisão da Justiça Federal
Em setembro de 2024, a Justiça Federal revogou o segredo de justiça sobre o processo. A juíza responsável pelo caso argumentou que não havia justificativa legal para manter o sigilo, uma vez que a imagem já era de domínio público. Em sua decisão, a magistrada destacou que a ampla divulgação da foto do F-35 em sites de notícias e redes sociais contradizia a tese de que se tratava de “material sensível” que colocava em risco a segurança nacional.
A juíza também apontou que o segredo de justiça deve ser aplicado apenas em casos excepcionais, e que o princípio da publicidade dos atos do Estado deve prevalecer. Com isso, o processo, que inicialmente estava restrito, passou a ser de acesso público.
Em sua decisão revogando o segredo de justiça, a Juíza deu razão a defesa do militar punido e alegou o seguinte: “Ocorre que, conforme comprovado pelo requerente, houve publicação de fotos da aeronave em sites de imprensa, inclusive visita ao porta-aviões George Washington, a convite da Marinha dos EUA para visitação pela comunidade civil, onde se encontrava pousada aeronave semelhante. Assim, se a própria Marinha dos Estados Unidos havia dado publicidade à imagem de aeronave similar resta evidente, portanto, que não se trata de matéria sensível, consequentemente, não há razão para que o feito corra em segredo de justiça, pois a hipótese não se subsome ao inciso I do art. 189 do CPC.”
A defesa do Capitão de Mar e Guerra
Os advogados do Capitão de Mar e Guerra afirmam que a punição aplicada pelo Contra-Almirante Diretor de Inteligência foi uma retaliação pessoal e não se fundamentou em evidências de real prejuízo à segurança nacional. Eles alegam que o oficial foi acusado injustamente, e que a intenção da Marinha era evitar que o caso chegasse ao conhecimento público, expondo o uso de “artifícios” para punir subordinados.
O caso ainda está em andamento e a Revista Sociedade Militar continuará acompanhando.