O ex-Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, fez duras críticas às Forças Armadas brasileiras, sobretudo o Exército, em entrevista concedida ao jornalista Reinaldo Azevedo e ao advogado Walfdrido Warde, no programa Reconversa. A conversa ocorreu em abril de 2024, mas suas declarações, que continuam ecoando na esfera política, mereceram à época pouca atenção da grande mídia. Dirceu apontou que os militares têm desempenhado um papel político indevido no Brasil e defendeu uma ampla reformulação da instituição.
Doutrina ultrapassada
Em dado momento, a partir dos 34 minutos da entrevista, Dirceu afirmou que a Doutrina de Segurança Nacional do Brasil precisa ser atualizada. “As Forças Armadas ainda vivem na Guerra Fria”, afirmou. Ele defendeu a revisão da Estratégia de Defesa Nacional e do Livro Branco, atualmente parados no Congresso, destacando que o Brasil precisa de uma nova postura para enfrentar as mudanças geopolíticas mundiais.
Ao citar países em conflito, como Israel, Ucrânia e Síria, o ex-ministro afirmou que o Brasil deve se preparar para os desafios contemporâneos, mas que a visão das Forças Armadas continua presa ao passado. Dirceu mencionou que as principais ameaças ao Brasil não envolvem invasões territoriais, mas ataques aéreos e navais, como aqueles observados em países como Líbia, Síria e Ucrânia. “Quem vai invadir o Brasil? O inimigo destrói pela força aérea e naval, não por invasão territorial”, argumentou.
Críticas ao papel político dos militares
O momento mais emblemático da entrevista ocorreu aos 69 minutos (1h 9min), quando Dirceu criticou a proximidade entre as Forças Armadas e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele afirmou que os militares foram essenciais para sustentar o bolsonarismo e lembrou que “quase todo o Estado-Maior foi para o governo”. Mesmo após a humilhação de quatro generais, afastados por Bolsonaro, Dirceu disse que o apoio militar ao ex-presidente continuou firme. “Bolsonaro humilhou os militares, mas mesmo assim eles continuaram a apoiar seu projeto”, disparou o ex-ministro
Para ele, o bolsonarismo é um fenômeno singular da extrema-direita brasileira, diferente do “trumpismo” nos Estados Unidos, justamente por estar ancorado nas Forças Armadas. Ele defendeu que os militares precisam ser reformados e parar de fazer política. “Militar não pode ser candidato, não pode fazer política. A história das Forças Armadas no Brasil sempre foi política”, declarou, reafirmando a necessidade de despolitizar a instituição.
Dirceu alertou também que a manutenção do atual modelo de educação nas escolas militares e de promoção dos generais perpetua uma visão ultrapassada de que as Forças Armadas seriam o “poder moderador” do país.
Reestruturação das Forças Armadas
Dirceu também sugeriu uma profunda reorganização territorial das Forças Armadas, para que estejam preparadas para os desafios do século XXI, como a defesa das fronteiras e dos mares. Ele criticou o papel atual do Exército, afirmando que a Força Aérea Naval deveria ser priorizada, e argumentou que o serviço militar obrigatório deve ser abolido em favor de um “Exército profissional”.
“Hoje, a força militar que conta é a Aérea e Naval. O Exército não tem nada a ver com o controle dos mares ou das fronteiras, isso é atribuição da Guarda Costeira e da Guarda de Fronteiras. Precisamos reorganizar as Forças Armadas territorialmente e acabar com o serviço militar obrigatório”, afirmou Dirceu.
O ex-ministro concluiu a entrevista afirmando que as Forças Armadas brasileiras precisam se adaptar ao novo cenário global e abandonar a ideia de que são a “alternativa moralizadora” do país.