Sabemos que essa interferência não é um movimento isolado, mas sim parte de uma longa história de pressão e influência sobre os projetos estratégicos brasileiros. A recente pressão americana na Saab, empresa sueca responsável pela fabricação do caça Gripen, trouxeram à tona uma preocupação cada vez mais pertinente: a vulnerabilidade do Brasil ao depender de tecnologias e componentes estrangeiros em projetos de defesa estratégicos.
O Departamento de Justiça dos EUA solicitou informações sobre o contrato de compra dos caças Gripen, firmado em 2014, o que, para muitos, sinaliza uma tentativa de interferência política disfarçada de preocupação legal. Mas o que está em jogo aqui vai além de um simples pedido de esclarecimento; trata-se de um reflexo do poder que países como os EUA exercem sobre nossa autonomia militar e tecnológica.
O movimento do governo americano em solicitar informações sobre a venda dos Gripen levanta suspeitas sobre possíveis interferências que visam, na verdade, manter o Brasil em um estado de dependência em relação aos EUA ou então de incapacidade de sustentar sua soberania.
Historicamente, os Estados Unidos têm se posicionado como aliado estratégico, mas essa “aliança” costuma vir acompanhada de limitações bem definidas. Equipamentos militares são oferecidos com restrições tecnológicas, e a venda de componentes sensíveis é, em muitos casos, limitada ou sujeita a embargos que podem ser acionados a qualquer momento, dependendo do cenário político. Isso sem falar nos diversos boicotes que realizam em nossos programas estratégicos, especialmente no programa do submarino nuclear brasileiro.
Dependência tecnológica
O Gripen, apesar de ser um caça moderno, depende de uma cadeia de fornecedores internacionais: o motor é americano, o sistema de ejeção é britânico, e vários outros componentes vêm de diferentes partes do mundo. Isso significa que, se em algum momento EUA ou Reino Unido decidirem colocar o pé no freio, por questões políticas ou comerciais, esses caças ficariam no chão. E não é só teoria – a história já mostrou isso em diversos episódios.
A dependência em componentes estrangeiros vai além dos caças Gripen. O programa KC-390 da Embraer é outro exemplo. Desenvolvido no Brasil, ele carrega uma série de peças e sistemas de fornecedores internacionais, o que cria uma vulnerabilidade parecida.
Como disse Hillary Clinton no Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS) em um momento em que o congresso americano queria impor sanções contra a Embraer durante o governo Obama: “Fiquem Tranquilos, cada avião montado pela Embraer, 70% das peças são feitas nos EUA.”
Nesse contexto, vemos que a influência americana não é só uma questão de política externa, mas um reflexo de como nossas forças armadas se tornaram, em parte, reféns de parceiros internacionais. E enquanto essa dependência parecer conveniente para manter boas relações, em um cenário de crise, é o Brasil que fica vulnerável.
Caso surjam divergências políticas, embargos podem ser aplicados, impedindo o acesso a peças fundamentais para a manutenção desses equipamentos. Assim, a dependência estrangeira não se limita apenas ao aspecto financeiro, mas afeta diretamente a capacidade de defesa do país em um cenário de crise.
Recentemente mais um sinal foi dado, com o fim da parceria entre Embraer e a Força Aérea dos Estados Unidos para a promoção do KC-390 Millennium.
Alternativas e o caminho para a independência
É claro que uma solução não é simples. Romper totalmente com fornecedores estrangeiros exigiria uma mudança radical, o que seria muito custoso para o país em diversos aspectos, mas é hora de pensar em alternativas. Em um mundo cada vez mais multipolar, parcerias com países como a Índia, Turquia e China podem oferecer ao Brasil uma possibilidade real de diversificação. Estes países tem desenvolvido suas indústrias bélicas consideravelmente e buscando maior autonomia, justamente como deveria o Brasil, e especialmente a China, que possui grande capacidade de produção e menor histórico de interferências em assuntos externos, pode ser um caminho para reduzir a dependência dos Estados Unidos e da Europa. É uma situação que merece consideração, principalmente quando se pensa em soberania.
O Brasil já viveu um momento de ruptura semelhante em 1977, quando o então presidente Ernesto Geisel decidiu encerrar o Acordo Militar com os EUA, priorizando a independência estratégica. Esse movimento deu início a uma série de iniciativas que permitiram ao país desenvolver setores estratégicos, como a indústria de defesa (permitindo o surgimento da Engesa e outras famosas empresas do setor) e a pesquisa nuclear. No entanto, com o passar dos anos, essa mentalidade parece ter enfraquecido, e o Brasil voltou a depender de alianças externas para projetos que, idealmente, deveriam ser conduzidos de forma autônoma. Lamentavelmente, como tratado em outro texto, a liderança militar brasileira passou a adotar outra abordagem, negligenciando projetos nacionais e preferindo negócios com outros fornecedores, por vezes até de forma suspeita.
Conclusão
As pressões recentes sobre a Saab são mais um sinal de que o Brasil precisa reavaliar suas estratégias de defesa e buscar meios para reduzir sua dependência de países que possuem interesses divergentes dos nossos. Continuar com o contrato dos 36 caças Gripen pode ser necessário, mas ampliar a frota sem considerar alternativas mais independentes pode comprometer nossa segurança a longo prazo. Em tempos de crescentes incertezas geopolíticas, é essencial que o Brasil desenvolva uma postura que privilegie sua soberania e que busque, na medida do possível, alternativas para garantir uma defesa nacional independente e preparada para os desafios do futuro.