Isso não é muito falado, mas há uma hierarquia de importância entre as Forças Armadas e as Forças de Segurança nacionais. Essa desigualdade, além de histórica, decorre da própria Constituição da República. O Título V da CR/88, que trata da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, tem como tema de seu Capítulo II, as Forças Armadas. As Forças de Segurança aparecem apenas no seguinte Capítulo III.
No Brasil, a Constituição Federal estabelece várias instituições diferentes para a execução da lei. Destas, oito estão inseridas na segurança pública por meio do artigo 144 do título III da Constituição:
- a Polícia Federal,
- a Polícia Rodoviária Federal,
- a Polícia Ferroviária Federal,
- a Polícia Civil,
- a Polícia Militar,
- a Polícia Penal Federal, do Distrito Federal e dos Estados Federados,
- as Guardas Municipais e
- os Órgãos de Trânsito, incumbidos do exercício da atividade de Polícia de Trânsito dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Contudo, particularmente entre as Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – e as Polícias Militares, há certos paralelos que possibilitam uma convergência de análise.
Tanto os militares federais quanto os estaduais são estruturados sobre os mesmos pilares universais do militarismo, ou seja, hierarquia e disciplina.
Forças Armadas e Polícias Militares são subordinadas diretamente ao Chefe do Executivo de seu respectivo nível Federativo – isto é, as primeiras, ao Presidente da República, as segundas, aos Governadores de Estado.
OS CORONÉIS GENERAIS
Há pouco tempo, o paralelismo entre as duas instituições militares chegou mesmo a convergir na prática. Ou pelo menos na esfera dos salamaleques militares.
No dia 13 de junho, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.751, de 12 de dezembro de 2023, que instituiu a Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, nos termos do inciso XXI do caput do art. 22 da Constituição Federal.
Como publicado pela Revista Sociedade Militar, a nova legislação alterou a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, e revogou dispositivos do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969.
Basicamente a nova norma trata de temas específicos das carreiras dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Tópicos como seguro de vida e de acidentes, controle da regularidade da legislação de proteção social, e exercício de funções no âmbito de entes federados diversos, são alguns dos temas que a referida legislação atualizada pela União alterou.
Porém, a introdução do §6º ao artigo 29 da lei antiga trouxe uma alteração inovadora, como se lê a seguir:
“Ao coronel nomeado para o cargo de comandante-geral, enquanto permanecer no cargo, serão asseguradas, para fins de precedência e sinais de respeito, as prerrogativas de general de brigada.“
As “prerrogativas” no contexto do novo diploma legal, a Lei nº 14.751/2023, referem-se aos direitos e privilégios associados ao cargo de general de brigada. Essencialmente são as honras e o reconhecimento formal que acompanham o cargo.
Isso inclui a precedência em cerimônias e eventos oficiais, bem como os sinais de respeito que são prestados a esses generais devido à sua posição e responsabilidades dentro do Exército, e agora também aos Comandantes-Gerais das polícias militares.
SALÁRIOS DIFERENTES PARA O MESMO SOLDADO
Para além das honrarias transmissíveis entre os altos postos das Forças militares existe um ponto de intercessão crítico e polêmico entre as Forças Armadas e as Polícias Militares Estaduais: o salário.
Esse ponto nevrálgico em qualquer profissão estatal salta aos olhos, quando se confrontam os salários dos militares federais com os estaduais.
Isso se explica pelo fato simples da própria equiparação dos cargos hierárquicos. Um soldado é um soldado em qualquer lugar do país.
Seria de se esperar que um militar no cargo de capitão recebesse um salário igualitário, independentemente de onde servisse. Porém, isso não ocorre. Aliás, nem no nível estadual há igualdade.
CARREIRA ÚNICA PARA MILITARES
O relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresenta um panorama detalhado sobre as forças de segurança pública no Brasil.
No Brasil, a média salarial bruta de praças e oficiais da Polícia Militar é de R$8.628,87, sendo a remuneração líquida média de R$6.139,07.
A remuneração líquida dos soldados, menor hierarquia da corporação, tem média de R$ 4.784,85, ao passo que a remuneração líquida dos coronéis é de R$ 20.284,12.
Os tenentes, primeiro posto da carreira de oficiais, têm média de R$9.789,91, ao passo que um subtenente, mais alta graduação dos praças, tem valor líquido médio de R$7.423,39.
Isso significa dizer que um praça no final da carreira ganhará menos que um jovem oficial que acaba de ingressar na corporação.
Por certo as funções das duas carreiras são diferentes, mas esse fato tem alimentado o debate sobre carreira única. Isso exigiria uma reflexão sobre como o tempo de serviço deveria servir como fator de ponderação da realidade aqui descrita.
“O debate sobre valorização profissional exige, portanto, que as discussões não fiquem restritas aos salários, mas avance para mecanismos de reestruturação e qualificação de carreiras, simplificando, fundindo ou diminuindo os degraus para a progressão entre diferentes cargos, funções e/ou postos”, diz o estudo.
A HIERARQUIA NÃO ACOMPANHA O SALÁRIO
Propositalmente deixamos de fora do gráfico acima os oficiais que compõem o generalato – generais, almirantes e brigadeiros – uma vez que são desprezíveis do ponto de vista estatístico. Além de inflarem de maneira artificial a média total.
Oficiais generais são menos de 1% do efetivo nas três Forças, e, pelo menos em uma delas, de 3.907 tenentes apenas 9 chegarão a ser tenentes-brigadeiros. Isso representa 0,002%.
Então, comparando-se os gráficos, convertendo a média salarial bruta dos policiais militares para números líquidos (já que o gráfico salarial das Forças Armadas se refere ao rendimento líquido), chegamos à conclusão de que a diferença entre os salários dos soldados (a base de toda a hierarquia) é da ordem de 231%.
Objetivamente no Brasil um militar (de qualquer posto) das Forças Armadas recebe (em média) 43% do salário de seu homólogo da Polícia Militar.
No final das contas, a relação de subordinação constitucional entre as duas instituições militares, uma da esfera federal, a outra da esfera estadual, não se reproduz na prática salarial, principalmente para as categorias de base.
Uma consequência desse estado geral de coisas se reflete na ponta do circuito. Não é por acaso que há notícias recorrentes de sargentos das Forças Armadas que dão baixa após passarem em concursos para soldados nas Forças Auxiliares.