A recente ação do governo federal contra o Sindicato dos Militares das Forças Armadas (SINDMIL), com base na interpretação da Constituição Federal de 1988, que veda a sindicalização de militares, está gerando intensas discussões. O sindicato teve seu CNPJ cassado em Brasília, há outra sede ativa no Rio de Janeiro, que alega não estar ligada a primeira e sabe-se de notícias de possível fundação de sedes em outras localidades.
O movimento sindical tem gerado discussões dentro das próprias Forças Armadas Brasileiras, trazendo à tona debates sobre disciplina, tradição e direitos constitucionais dos militares.
Para AGU e comandos militares a sindicalização é incompatível com a atividade militar
O governo, representado pela Advocacia – Geral da União (AGU), argumenta em ação, apresentada na 8ª Vara Federal Cível da SJDF, que a organização sindical – militar contraria o Artigo 142, §3º, IV da Constituição, que impede a sindicalização de militares. A ação ainda em curso, cuja última movimentação ocorreu nessa segunda-feira, 11 de outubro de 2024, visa à anulação do registro do SINDMIL e propõe uma multa de 100 mil reais. “… obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de praticar atos ou desenvolver atividades tipicamente sindicais, sob pena de multa de R$ 100.000,00 por ato ilícito perpetrado, a ser revertida em favor da autora.”
Em decisão preliminar a justiça argumentou que o CNPJ do sindicato em Brasília já foi extinto, medida que impossibilitaria a entidade de operar formalmente e limita sua capacidade de realizar atividades financeiras. Outra sede sindical, no Rio de Janeiro, permanece com o CNPJ em dia e certificado no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas como Entidade de Organização Sindical.
Demandas apresentadas pedem fim de promoção e cursos
O sindicato já apresentou formalmente algumas demandas ao Ministério da Defesa. Uma delas, surpreendente e de grande impacto sobre o salário da tropa, pede o fim da realização de cursos de Altos Estudos para sargentos e suboficiais das Forças Armadas. Caso o pedido fosse acatado – em tese – uma das consequências seria o fim de várias oportunidades de aperfeiçoamento e de acúmulo de percentuais significativos sobre os soldos de militares graduados.
Outra das demandas solicita a interrupção de todas as promoções de praças até que se aprove uma “lei de promoção de praças”.
“… requer que o Ministro de Estado da Defesa se abstenha de designar praças das Forças Armadas para cursos de altos estudos que seriam privativos de oficiais. Já na segunda demanda, constante dos autos de NUP no 60000.005816/2020-11, requer a entidade que a Administração militar se abstenha de promover praças das Forças Armadas sem antes fazer promulgar uma lei de promoção de praças.”
Ouvido pela Revista Sociedade Militar, Cláudio Lino, advogado e especialista em direito militar, manifestou surpresa ao conhecer as demandas apresentadas pelo sindicato ao Ministério da defesa: “… no momento em que militares passam por tanta injustiça e discriminação vejo com estranheza pedir o fim dos altos estudos e promoções… queremos sempre melhoria para a categoria... ”
Status de representante da tropa
Aa cúpulas do Exército, Marinha do Brasil e Força Aérea evitam comentar diretamente o caso, mantendo-se representadas pela AGU. Entretanto, é cada vez mais evidente que a presença do sindicato em eventos e sua reivindicação do status de representante da tropa têm incomodado setores da alta hierarquia militar, especialmente após a associação explícita do SINDMIL à CUT, o que para muitos militares é visto como uma afronta. Na ação, a AGU argumentou que a entidade representa um risco a hierarquia e disciplina por meio de sua simples existência formal:
“Outrossim, urge salientar que a mera existência formal dessa pessoa jurídica, com registro de CNPJ junto à Receita Federal, já constitui por si só um atentado aos princípios constitucionais da hierarquia e disciplina das Forças Armadas, eis que podem transmitir a falsa ideia da existência efetiva de uma entidade sindical dos militares, fazendo com que pessoas de boa fé, especialmente do meio castrense, sejam levadas a acreditar na licitude dos fins dessa pessoa jurídica.”
Em sua argumentação, a AGU deixa claro que na visão das Forças Armadas os militares na reserva remunerada também não podem ser sindicalizados: “Caso quisesse restringir a sindicalização apenas aos militares ativos, assim deveria ter feito expressamente o Constituinte, tal como procedeu no imediato inciso V do §3o do art. 142 da Constituição Federal, que cuidou da proibição de filiação partidária. Ex vi: Art. 142. […] § 3o […]
V – o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos… ”
Repercussão nas redes: apoio, críticas e indiferença
As redes sociais têm sido palco de intensas discussões entre militares e simpatizantes do movimento. Em uma análise de sentimento das publicações de leitores em postagens em redes sociais frequentadas por militares, feita com o uso de IA Generativa, observa-se uma diversidade de opiniões:
- Contra a sindicalização: 48% das interações nas redes demonstram rejeição ao sindicato. Muitos comentam que a união da imagem do SINDMIL com a CUT e movimentos sindicais tradicionais é incompatível com os valores militares. Comentários críticos denunciam que o sindicato representa uma “humilhação” à instituição militar, e que sua presença pode ser um indício de fragilidade das Forças Armadas. “Bandeira da CUT pra quê?”, questionou um usuário, refletindo a surpresa e rejeição com essa aliança.
- A favor do sindicato: 30% das manifestações indicam apoio ao sindicato, destacando-o como uma possível ferramenta de melhoria das condições dos militares da reserva, esposas e pensionistas, frequentemente esquecidos nas decisões de carreira e benefícios. Comentários lembram que países como Itália e Reino Unido permitem sindicatos de militares, associando essa realidade internacional com uma eventual evolução dos direitos no Brasil. “O sindicato chegou para socorrer os militares que já estão na reserva remunerada”, argumentou um apoiador.
- Neutras ou de dúvida: 22% das interações expressam incerteza ou neutralidade em relação ao tema, com alguns usuários ressaltando a necessidade de cautela e pedindo uma análise mais profunda sobre o impacto de uma sindicalização militar. “Temos que ter cuidado, muitas notícias são bandeiras falsas”, comentou um internauta, indicando preocupação com o contexto político e social que envolve o tema.
Contexto e consequências para as Forças Armadas
O SINDMIL, sindicato atacado pela ação da AGU, que inclui na sua proposta representar os interesses de militares da reserva e pensionistas, tornou-se rapidamente uma entidade bastante conhecida dos militares – ainda que sem a chancela do Ministério do Trabalho – atuando como Amicus Curiae em ações no Supremo Tribunal Federal e participando de discussões sobre remuneração dos militares nas sedes do poder legislativo federal.
A presença da bandeira da CUT durante um evento no Congresso e as declarações de seu líder, George Brito, causou um efeito simbólico muito forte, evidentemente reforçando uma postura de oposição à cúpula das Forças Armadas e tentativa de abrigo dentro de uma gigantesca estrutura sindical. O processo movido pela AGU ainda está em andamento. Entretanto, não alcança outras entidades sindicais já registradas, como a sede sindical no Rio de Janeiro. Continuaremos acompanhando.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar