Recentemente, a mídia ocidental vem propagando uma história curiosa, que tropas da Coréia do Norte estariam combatendo ao lado das forças russas na Ucrânia. Autoridades dos EUA e da Coreia do Sul se manifestaram, sugerindo que essa “interferência” norte-coreana poderia justificar uma mudança de postura tanto no conflito ucraniano quanto na situação da península coreana, cujas tensões vêm escalando. O presidente da Câmara dos EUA afirmou que caso os soldados norte-coreanos que estão na Rússia entrem na guerra na Ucrânia, os EUA têm que tomar uma ação militar contra a Coreia do Norte.
Por que a Rússia precisaria de soldados norte-coreanos agora?
Esse é o primeiro ponto a ser questionado. Em fases iniciais do conflito, a Rússia enfrentou dificuldades devido ao baixo efetivo enviado, o que levou o governo a convocar uma mobilização parcial. A situação evoluiu, e hoje as forças russas operam com um contingente muito mais robusto e distribuído. Há reportes que indicam que, em vários pontos da linha de frente, as tropas ucranianas estão em posição de inferioridade numérica em relação aos russos, como citado pelo Washington Post em análises recentes, somando-se aos já graves problemas existentes, como a falta de equipamentos e suprimentos. Portanto, a ideia de trazer soldados norte-coreanos não faz sentido do ponto de vista estratégico.
Além disso, existe uma questão legal significativa. A entrada de tropas de outro país no território reconhecido internacionalmente como ucraniano, abriria espaço para sanções e represálias, o que contraria os interesses de Pyongyang. A Coreia do Norte, por mais que tenha uma postura de desafio, sabe que uma intervenção militar na Ucrânia poderia custar caro. É mais razoável acreditar que esse tipo de envolvimento militar só ocorreria em caso de uma ameaça direta ao território russo.
Treinamentos em solo russo
Recentemente, a narrativa ocidental se ajustou. Agora, afirmam que as tropas norte-coreanas estão na realidade na região de Kursk, na Rússia. Existe um fundo de verdade na reclamação, pois realmente soldados nortecoreanos estão em treinamentos dentro da Rússia, dentro do escopo do pacto defensivo firmado recentemente entre a Rússia e a Coreia do Norte, pacto este que sujeitaria as forças ucranianas ao enfrentamento com tropas da Coreia ao entrarem no território russo.
Porém até o momento, não houve nenhuma comprovação do deslocamento deste contingente para o Oeste da Rússia, próximo ao teatro de operações. Os exercícios militares estão concentrados no extremo leste da Rússia, longe da fronteira ucraniana, onde se concentram as operações de combate.
E o que a Coréia do Norte ganharia enviando tropas para a Rússia?
Considerando que haja alguma verdade por trás das alegações ocidentais, uma pergunta permanece: o que a Coreia do Norte teria a ganhar com isso? Além do fortalecimento das relações com a Rússia, há um benefício claro para Pyongyang – experiência em combate.
Hoje, os dois exércitos mais capacitados para a guerra moderna são os exércitos da Rússia e Ucrânia, justamente por estarem lutando um conflito de altíssima intensidade e grande escala, e com isso estão adquirindo muita experiência de combate, desenvolvendo técnicas, táticas, novos equipamentos e aperfeiçoamentos, entre outras coisas.
É do interesse de todas as forças armadas sérias do mundo obterem este conhecimento, preferencialmente sem precisar estar em guerra. Em parte, é este um dos motivos da presença de militares da OTAN na Ucrânia também, para observarem estes desenvolvimentos e os absorverem para si.
Caso as alegações sejam verdadeiras e Pyongyang enviou realmente tropas, é muito provavel que este seja um dos principais fatores para o envio – obterem experiência de combate moderno, e absorver conhecimento dos russos. Também existem relatos supondo que ocorra um intercâmbio tecnológico entre ambos, o que seria bastante plausível, até mesmo sem este envio de tropas.
Esta experiência de combate é uma das maiores preocupações com relação a esta situação por parte da Coreia do Sul,motivo pelo qual está considerando o envio de observadores para a Ucrânia, como também a de equipamentos e até tropas. Segundo a agência Yonhap, o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, anunciou a possibilidade de fornecer armas às Forças Armadas da Ucrânia se as forças militares norte-coreanas entrarem em guerra na Ucrânia. Ele declarou que “se a Coreia do Norte enviar forças especiais para a guerra na Ucrânia, apoiaremos a Ucrânia passo a passo e consideraremos a possibilidade de tomar as medidas necessárias para garantir a segurança da Península Coreana. Aderimos ao princípio de abster-nos de fornecimentos diretos de armas letais, mas podemos rever esta questão de forma mais flexível, dependendo da atividade militar da Coreia do Norte”.
A Real Motivação Ocidental
O quadro geral aqui não é difícil de decifrar. A situação para a Ucrânia é delicada, e a pressão sobre os países da OTAN para aumentar o apoio militar é crescente. Entretanto, qualquer participação mais direta da OTAN corre o risco de desencadear um conflito aberto com a Rússia, algo que a aliança busca evitar.
Então, surge a narrativa conveniente: se a Coreia do Norte estaria enviando soldados, então o Ocidente também poderia enviar tropas ou intensificar seu apoio. Isso permitiria que os EUA e seus aliados “equilibrassem a balança”. A introdução de uma “ameaça norte-coreana” no conflito serviria como uma desculpa válida para tal intensificação de apoio, enquanto ao mesmo tempo pressiona a Coreia do Sul e Japão a se alinharem ainda mais com as políticas dos EUA.
Pode-se notar isso através de algumas declarações, como a do ministro de assuntos exteriores da Lituânia, que sugeriu o envio de tropas da UE para a Ucrânia tendo em vista a adição de soldados norte-coreanos às forças russas. Sua fala ecoa uma empreitada passada encabeçada por Macron, o presidente francês.
A porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA, Sabrina Singh, declarou que o Pentágono não imporá novas restrições ao uso de armamento americano pela Ucrânia se a Coreia do Norte se juntar à guerra. No entanto, ela observou que o Pentágono ainda não pode confirmar a presença de tropas norte-coreanas na região de Kursk, na Rússia.
“Hoje posso confirmar que tropas norte-coreanas foram enviadas para a Rússia e unidades norte-coreanas estão enviadas para a região de Kursk… Esta é uma escalada significativa no envolvimento contínuo da RPDC na guerra ilegal da Rússia”, disse o Secretário-Geral da OTAN, Mark Rutte.
Por outro lado, Sergey Lavrov, o MRE russo, declarou que “as alegações hipócritas do Ocidente sobre enviar suas tropas para a Ucrânia sob um pretexto absurdo são meramente uma tentativa de chegar a uma justificativa retroativa para o que realmente vem acontecendo há algum tempo”. “O presidente Vladimir Putin forneceu repetidamente dados específicos sobre a presença de militares ocidentais lutando pelas forças armadas ucranianas. Há mercenários e “voluntários”, e há instrutores militares, que são indispensáveis se a Ucrânia quiser operar até mesmo seus próprios sistemas de longo alcance, muito menos armas ocidentais de longo alcance.”
Estas falas foram reforçadas pelo representante russo no Conselho de Segurança da ONU, Vasily Nebenzya, que criticou a reunião convocada pelos EUA e Inglaterra, rotulando a reunião como um “espetáculo” com o objetivo de justificar a presença militar da OTAN na Ucrânia e condenou as tentativas ocidentais de pressionar a Coreia do Sul a fornecer armas à Ucrânia.
Mas e as imagens?
As imagens que a mídia ocidental apresenta são, em sua maioria, de indivíduos com características asiáticas, o que parece suficiente para a mídia seguir a narrativa de que são norte-coreanos. No entanto, é importante lembrar que a Rússia é lar de várias etnias asiáticas, especialmente nas regiões orientais, como a Sibéria. Esses cidadãos russos, que têm traços físicos semelhantes aos de chineses, mongóis, e claro, coreanos, compõem uma parte significativa do exército russo e estão presentes nas forças combatentes na Ucrânia. Em outras palavras, a aparência física está sendo usada como justificativa para uma narrativa duvidosa.