Com a reconfiguração de suas capacidades militares, a Marinha do Japão se prepara para voltar a operar porta-aviões pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial. Esse movimento reflete uma mudança significativa em sua postura de defesa e representa um ponto de tensão crescente com a China. Vamos entender as razões históricas, políticas e estratégicas que envolvem esse retorno e o impacto desse desenvolvimento no cenário geopolítico asiático.
A herança da Marinha do Japão e as restrições pós-guerra
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão era uma das potências navais mais formidáveis do mundo, tendo investido pesadamente em porta-aviões. Navios como o lendário porta-aviões Kaga, afundado na Batalha de Midway em 1942, simbolizavam a capacidade de projeção de força do Japão no Oceano Pacífico, permitindo que enfrentasse rivais poderosos, como os Estados Unidos. Entretanto, com a derrota e a ocupação pelas forças aliadas, o Japão foi forçado a adotar uma constituição pacifista em 1947, renunciando ao direito de manter Forças Armadas ofensivas.
Sob essa constituição, o Japão se comprometeu a manter apenas forças de defesa, voltadas exclusivamente para a proteção territorial. Esse compromisso foi sustentado por décadas, limitando o desenvolvimento militar do país e inibindo o uso de equipamentos de ataque, como porta-aviões, que poderiam ser interpretados como instrumentos de guerra ofensiva.
O retorno dos porta-aviões: modernização e ameaça regional
Com as crescentes tensões regionais e mudanças na geopolítica global, o Japão vem reformulando sua política de defesa. Recentemente, o governo japonês anunciou a transformação de dois de seus navios, Kaga e Izumo, ambos originalmente classificados como destróieres de helicópteros, para operar caças F-35B, os sofisticados aviões de combate de decolagem curta e pouso vertical fornecidos pelos Estados Unidos.
Essas modificações estão sendo realizadas em duas fases: a primeira, já concluída, adaptou o convés dos navios para acomodar as operações de aeronaves de combate. A segunda fase, prevista para terminar até 2027, se concentrará na reconfiguração dos espaços internos, permitindo armazenar munições e suporte técnico para operações de combate prolongadas. Essa modernização eleva a capacidade de defesa do Japão, oferecendo-lhe maior projeção de força no Pacífico e ampliando sua capacidade de dissuasão, especialmente em áreas disputadas, como as Ilhas Senkaku, onde o Japão mantém uma disputa territorial com a China.
Japão e China: rivalidade gistórica e tensão estratégica
Para a China, a presença de porta-aviões da Marinha japonesa em operação evoca memórias dolorosas da expansão militar do Japão durante o período imperial. Na primeira metade do século XX, o Japão foi responsável por agressões militares que deixaram cicatrizes em vários países asiáticos, incluindo a China, que ainda vê com desconfiança o fortalecimento militar japonês. Além da rivalidade histórica, existe a preocupação com a atual disputa pelas Ilhas Senkaku, que são ricas em recursos naturais e têm uma localização estratégica.
A capacidade do Japão de projetar sua força aérea com os novos porta-aviões restringe a margem de manobra da China nessas disputas e é vista como um movimento de contenção apoiado pelos Estados Unidos. Esse apoio intensifica as preocupações chinesas, que interpretam a aliança militar entre Japão e EUA como uma tentativa de limitar seu crescimento e influência na região do Indo-Pacífico.
O papel dos Estados Unidos e a aliança de defesa no Indo-Pacífico
A estratégia dos EUA para a região envolve uma rede de aliados que inclui Japão, Austrália, Coreia do Sul, Filipinas e Índia, criando um contrapeso à crescente influência chinesa. Do ponto de vista de Pequim, essa aliança liderada pelos EUA representa uma ameaça direta à sua segurança e é vista como um esforço para evitar que a China alcance sua plena influência na Ásia e no Pacífico.
Marinha do Japão: de defesa para projeção de força
O retorno dos porta-aviões japoneses marca uma evolução significativa na postura militar do país, que, por décadas, manteve uma política de autodefesa estritamente defensiva. Em 2015, o governo de Shinzo Abe promoveu uma interpretação mais ampla da constituição pacifista, permitindo que a Marinha do Japão exercesse o direito de autodefesa coletiva, ou seja, auxiliar aliados em caso de conflito. Isso foi reforçado por uma nova estratégia nacional de segurança, que introduziu a possibilidade de o Japão realizar contra-ataques em situações de agressão.
Para muitos analistas, esse movimento sinaliza o ressurgimento da Marinha do Japão como uma potência militar, capaz de desempenhar um papel mais proativo e, até mesmo, ofensivo na defesa de seus interesses regionais. Tal mudança no cenário de segurança preocupa seus vizinhos, particularmente a China, que enxerga uma ameaça potencial nesse fortalecimento militar japonês.