Em uma época de tensões globais e rápidas transformações tecnológicas, o Brasil protagonizou uma negociação surpreendente que transformou a defesa nacional para sempre. Em plena Guerra Fria, com o mundo dividido entre potências, a Força Aérea Brasileira trocou algodão, a riqueza agrícola do país, por caças de última geração, dando um salto estratégico que poucos poderiam prever.
Esta é a história de como o Brasil usou sua força no campo para conquistar os céus, em um acordo que continua a surpreender pela ousadia e visão de futuro.
Força Aérea Brasileira e a troca de algodão por caças
Em novembro de 1952, o Brasil vivia sob a presidência de Getúlio Vargas, e mais de 60% da população residia no campo. O país ainda estava em fase de desenvolvimento industrial e sua economia girava em torno da exportação agrícola. Nesse período, o mundo enfrentava as tensões da Guerra Fria, agravadas pelo conflito na Coreia.
Nesse cenário, o Ministério da Aeronáutica, criado 11 anos antes por Vargas, aproveitou uma oportunidade estratégica para fortalecer a defesa nacional. Uma negociação foi realizada, onde 15 mil toneladas de algodão foram trocadas por 70 caças a jato britânicos. Essa troca permitiu que a Força Aérea Brasileira ampliasse significativamente sua capacidade operacional.
Enquanto o algodão era enviado, dez pilotos brasileiros seguiram para a Inglaterra para conhecer os novos aviões. Entre eles, quatro veteranos da Segunda Guerra Mundial: Rui Moreira Lima, Hélio Langsch Keller, Josino Maia de Assis e Roberto Pessoa Ramos, que tinham combatido na Itália.
Por que a Força Aérea Brasileira optou pelos caças britânicos em vez dos modelos americanos: custos, política e prazos de entrega
A escolha pelos caças britânicos, em vez dos modelos americanos, foi influenciada por três fatores. Primeiramente, os aviões dos EUA, como o F-86 Sabre e o F-84 Thunderjet, eram mais caros. Além disso, o Brasil havia recusado, em 1951, enviar tropas à Coreia, o que poderia ter dificultado a obtenção de aviões americanos. Por fim, a fila de entrega das aeronaves dos EUA era longa devido ao conflito coreano.
Na época, a Força Aérea Brasileira utilizava modelos como o P-40 Warhawk e o P-47 Thunderbolt II. Embora esses aviões ainda fossem considerados novos, a evolução das guerras aéreas entre 1942 e 1952 fez com que o Brasil precisasse de caças a jato para garantir uma defesa eficiente. A Argentina, por exemplo, já havia adquirido 100 caças Meteor em 1947, colocando-se à frente do Brasil.
O caça Meteor, embora fosse uma tecnologia dos anos 1940, era considerado avançado para a época. Seu primeiro voo aconteceu em março de 1943 e, no ano seguinte, já estava em serviço na Força Aérea Britânica, onde ajudou a derrubar mísseis V-1 nazistas e a escoltar bombardeiros. Ao final da Segunda Guerra Mundial, outros países começaram a adquiri-lo, totalizando 3.947 unidades produzidas.
Dos 70 Meteor recebidos pela FAB, 60 eram da versão F.8, a mais moderna. Essa variante tinha como destaque um tanque adicional de combustível com capacidade para 432 litros e armamento de quatro canhões de 20 mm. Seus motores Derwent 8 possibilitavam uma velocidade superior a 950 km/h, e as missões focavam na defesa aérea. Entretanto, na Guerra da Coreia, os caças Meteor ganharam notoriedade principalmente em ataques ao solo.
As demais dez aeronaves recebidas pelo Brasil eram do modelo TF.7, voltadas para treinamento de pilotos, com dois assentos em tandem. Esses aviões chegaram por navio e foram montados na Fábrica de Aviões do Galeão. O primeiro voo no Brasil aconteceu em maio de 1953, sob o comando de um piloto britânico. Os dez pilotos brasileiros que receberam treinamento na Inglaterra ficaram responsáveis por treinar outros aviadores do 1º Grupo de Aviação de Caça, no Rio de Janeiro, e do Esquadrão Pampa, em Canoas, Rio Grande do Sul.
Os caças Meteor tiveram uma vida útil curta na FAB
Apesar do avanço que representaram, os caças Meteor tiveram uma vida útil curta na FAB. Um dos primeiros problemas foi a fragmentação do canopy, que forçou a troca dos capacetes de couro por modelos mais rígidos. Além disso, por serem utilizados em missões de ataque ao solo, começaram a apresentar rachaduras devido às exigências de voo em baixas altitudes.
De acordo com o site História da Força Aérea Brasileira, do professor Rudnei Dias da Cunha, restrições começaram a ser impostas às aeronaves, como limites de carga de 5G positivos e -3G, mesmo sem armamento adicional.
As primeiras limitações surgiram em 1961 e pioraram com o tempo. Em 1966, o Esquadrão Pampa passou a operar com os AT-33, e, em 1968, os Meteor foram desativados no Rio de Janeiro, com exceção de uma unidade que continuou em uso até 1974 para rebocar alvos.
Os TF-7 também tiveram uma função similar, sendo utilizados para rebocar alvos no Grupo de Caça até o último voo, realizado no Dia da Aviação de Caça em 1974. Atualmente, um dos últimos caças Meteor da FAB está exposto no Museu Aeroespacial, no Rio de Janeiro, ao lado de um TF-7.
Mais de cinco décadas após serem aposentados, alguns dos “caças de algodão” da FAB ainda podem ser vistos em praças e museus pelo Brasil. Em Canoas, por exemplo, há dois F-8 preservados: um em frente à Base Aérea e outro na Praça do Avião.