As Forças Armadas dos Estados Unidos têm enfrentado uma crise de capacidade operacional anos a fio. A capacidade bélica americana, embora sustentada pelo maior orçamento militar do mundo, tem se mostrado vulnerável devido a altos custos, problemas com sobrepreço e uma complexidade exagerada nos equipamentos, podendo estar levando a máquina de guerra americana à uma “espiral da morte”.
Essas questões tornam os EUA menos eficientes em manter uma força pronta para conflitos prolongados, colocando em risco sua capacidade de defesa em situações críticas. Enquanto o custo das armas aumenta, o número delas diminui, como podemos notar com os 21 B-2s, 187 F-22s e três contratorpedeiros da classe Zumwalt , em vez dos respectivos 132, 750 e 32 prometidos inicialmente.
Custos esdrúxulos e sobrepreços
Grande parte do problema está nos preços excessivos cobrados por insumos e equipamentos que deveriam ser mais simples e baratos. Um exemplo simples mas notório é um caso recentemente exposto, em que a Boeing cobrou um valor 8000% maior que o comum por um mero dispensador de sabão. Outro exemplo foi com privadas custando acima dos 10 mil dólares. Esse tipo de cobrança não é isolado e revela uma prática comum de superfaturamento, com as empresas contratadas pelo Pentágono se aproveitando para drenar recursos públicos do país. Isso leva o governo americano a gastar bilhões de dólares a mais, com recursos sendo desviados de necessidades urgentes.
Os Estados Unidos também enfrentam dificuldades com os altos custos de armamentos mais complexos. O Project on Government Oversight (POGO) revelou que muitos contratos são fechados com empresas que cobram valores muito altos, sem uma competição adequada. Com contratos de longa duração e sem concorrência, as empresas aproveitam a oportunidade para aumentar os preços e garantir lucro, sem garantir eficiência no fornecimento dos materiais.
Complexidade exagerada
Intensificando a questão dos custos, e agravando ainda mais a questão da perda de capacidade operacional, a complexidade dos equipamentos americanos não apenas aumenta o número de componentes e insumos usados na produção, mas também aumenta a chance de problemas de projeto. Muitas vezes, o Pentágono aprova projetos que buscam inovações tecnológicas a um custo elevado, o que limita a quantidade de equipamentos disponíveis e sua manutenção.
Um exemplo marcante é o caça F-35, projetado para ser um avião multifuncional, mas que apresenta custos de operação e manutenção altíssimos (e com reduzida capacidade de carga de armamentos). Segundo o Government Accountability Office (GAO), o custo elevado de manutenção do F-35 e outros sistemas complexos impede que os EUA mobilizem uma quantidade suficiente de aviões em curto prazo, prejudicando a defesa e limitando a eficácia do poder aéreo americano. Isso significa que apenas uma pequena parcela dos F-35 está realmente pronta para operar em qualquer momento, uma limitação crítica quando se pensa em um conflito de alta intensidade ou longa duração. Uma situação onde a complexidade e o custo acabam superando os benefícios, limitando a capacidade de resposta das Forças Armadas em situações de emergência.
Outros exemplos também muito válidos são os navios LCS (que acabaram sendo conhecidos como “Little Crap Ship” por lá, pelos problemas devidos à complexidade dos equipamentos do navio); as aeronaves V-22 Osprey, que contam com diversos acidentes devido a falhas; e também os blindados M-2 Bradley, cujo desenvolvemento do projeto foi tão polêmico que virou filme, o “The Pentagon Wars“. Estes são apenas exemplos de uma longa lsita de projetos, com alguns nem mesmo resultando em produtos finais, ou ao menos entrarem em serviço, como os famigerados canhões de laser, ou o projeto de míssil hipersônico americano.
Logística inviabilizada
Somando-se então os custos e a complexidade de produção, resulta-se na inaptidão produtiva e logística. Essa situação se apresenta de forma geral nas indústrias bélicas ocidentais por um agravante lógico, que foi o fim da Guerra Fria, e a decorrente diminuição das necessidades de grandes quantidades de equipamentos e de altas capacidades produtivas, levando justamente à redução das linhas de produção dos produtos deste setor.
Com a eclosão de conflitos de alta intensidade nos últimos anos, ficou evidente a incapacidade industrial bélica ocidental, destacadamente através dos apoios à Ucrânia, por não conseguirem fornecer números suficientes de equipamentos e insumos (mesmo enviando em grandes quantidades), como destacado pelas munições de artilharia e sistemas de defesa antiaérea. Porém, com o conflito no Oriente Médio a situação ficou ainda pior, pois os EUA estão diretamente envolvidos, seja no enfrentamento dos Houtis no Iêmen ou na defesa de Israel.
Os Estados Unidos mantêm cerca de 400 mísseis SM-3, fundamentais para interceptar mísseis balísticos, com custo unitário de US$ 13 a US$ 28 milhões. Em abril, gastaram entre US$ 52 e US$ 196 milhões em uma tentativa de interceptar mísseis do Irã. Em outubro, Israel recebeu um dos sete sistemas THAAD dos EUA, cada um avaliado em mais de US$ 1 bilhão, incluindo 48 mísseis interceptores, a um custo total mínimo de US$ 600 milhões. Com uma produção de aproximadamente 800 interceptores THAAD até 2023, qualquer recarga significativa para Israel consumiria até 25% do estoque dos EUA, com custo de reposição estimado em US$ 2,5 bilhões.
Segundo estimativas, excluindo os mísseis de defesa aérea de curto alcance, os navios da marinha americana têm capacidade para carregar aproximadamente 10 mil mísseis em seus sistemas de lançamento vertical (VLS), usados tanto para defesa ampla quanto para ataques de longo alcance. Caso utilizassem todos os mísseis embarcados, a marinha ficaria com um déficit de 3 mil mísseis para reabastecer completamente os navios.
Obviamente não é assim que operam, com navios operando com menos armamentos e em águas mais tranquilas, porém ainda assim é preocupante a situação enfrentada pelos americanos, visto que vários dos navios operando no teatro do OM foram forçados a retornar à suas bases para remuniciarem, pois esgotaram seus mísseis antiaéreos enfrentando os Houtis. Isso pode passar uma ideia de quão intensamente estão empregando estes armamentos, e portanto, reduzindo seus estoques.
A espiral da morte da Defesa
Essa “espiral da morte” é um dos problemas mais graves na Defesa estadunidense. Os americanos investem cada vez mais em defesa, mas têm um retorno gradativamente menor. Em 1975, a Força Aérea contava com 10.387 aeronaves; hoje, possui apenas 5.288. Da mesma forma, a Marinha tinha 559 navios ativos, enquanto agora opera com apenas 296. Embora o orçamento do Pentágono seja hoje 60% maior do que em 1975 (ajustado pela inflação), o retorno para os contribuintes continua a diminuir.
Embora possam argumentar que o equipamento militar moderno é mais caro devido às suas tecnologias e capacidades, essa justificativa é questionável. Muitos dos principais programas de aquisição das últimas décadas foram decepcionantes ou falharam completamente, como mencionado anteriormente. O Littoral Combat Ship (LCS), por exemplo, é frequentemente citado como um projeto que não justificou seu custo e esforço.
O Military Reform Movement (Movimento de Reforma Militar) alerta a décadas sobre ligações financeiras e políticas entre a elite militar, a indústria de defesa, políticos e a elite da sociedade americana. Esse pequeno grupo de insiders do Pentágono testemunhou de perto como essa rede desperdiça recursos e produziu uma série de armas com falhas significativas.
Estados Unidos perdendo sua força
A realidade da atual estrutura militar americana é que o orçamento gigantesco, que deveria se traduzir numa força militar robusta e eficiente, está sendo corroído pelos pontos mencionados acima, dentre outros. Em um cenário onde manter estoques de armamentos é essencial para conflitos de longo prazo e/ou alta intensidade, o sistema de produção e programa de desenvolvimento ineficazes e ineficientes tornam o país vulnerável, especialmente frente às disputas geopolíticas em que os EUA estão envolvidos.
A Força Aérea americana estima que o Irã possua ao menos 3 mil mísseis balísticos e milhares de drones, o que possibilita o Irã a lançar ataques ainda maiores que os realizados contra Israel em um futuro próximo. Isso exigiria a implantação de sistemas adicionais para reforçar as defesas aéreas sobrecarregadas de Israel em uma extensão ainda maior.
Porém, essa demanda parece pequena em comparação com o que seria necessário se os EUA entrassem em guerra com a China. Nesse cenário, os estoques de mísseis dos EUA poderiam se esgotar em questão de poucos meses, ou até semanas. Um estudo do Center for Strategic and International Studies (CSIS) indica que, em um conflito com a China, os EUA poderiam consumir até 5.000 mísseis de longo alcance em apenas três semanas.
Tendo em vista os objetivos estratégicos do país, os Estados Unidos precisariam rever urgentemente sua Defesa, pois caso contrário, correm risco de não terem as capacidades necessárias para buscar seus interesses e manterem sua influência internacionalmente.